Novas vitrines na capital brasileira

Ao lançar o livro A História que se Dança – 45 anos do movimento da dança em Brasília [1], a idealizadora do projeto, Yara de Cunto, justificou a iniciativa por detectar o início de um novo ciclo para a dança de Brasília. Uma hipótese que ganhou corpo, pois analisando as atividades de dança que ocorreram na cidade em 2006 percebemos que novas cenas estão surgindo.

A renovação mais evidente se revelou na área de produção, com o surgimento de uma nova safra de eventos como a Mostra de Dança XYZ (maio); a edição de Inverno do Festival Nova Dança (agosto) e o Festival Marco Zero (setembro). Cada um dos eventos apresentou um perfil diferenciado, abrindo novas vitrines para se apreciar a produção artística não só de Brasília, mas de outros lugares.

A Mostra de Dança XYZ (www.dancaxyz.com.br) colocou em pauta obras de artistas brasilienses, que vivem ou viveram na cidade. A proposta tinha o objetivo de pensar qual a dança produzida na capital federal e como a cidade interfere na criação de quem por ali passou. A programação multifacetada, com apresentações de espetáculos, performances, workshops e palestras, trouxe informações diversas sobre o pensamento e a atuação dos artistas convidados, propiciando um contato com a memória da cidade, representada a partir das obras e dos discursos dos coreógrafos e pesquisadores. A abertura do evento contou com o lançamento do livro de Yara de Cunto,citado acima, sobre a história da dança local, iniciativa que agregou valor a Mostra, fornecendo subsídio para se entender a trajetória dos artistas que participaram da programação. Outra iniciativa plausível da Mostra XYZ foi a realização do projeto “três olhares e uma dança”, que disponibilizou textos analíticos de todos os espetáculos da Mostra, a partir de três visões diferentes. O projeto inaugura uma proposta importante de diálogo entre os artistas e seus observadores, contribuindo ainda para a disseminação da crítica de dança na cidade.

A edição de Inverno do Festival Internacional da NovaDança (www.festivalnovadanca.com.br) trouxe uma nova forma de curadoria para a cidade, se diferenciando inclusive da versão do festival original realizado sempre no mês de fevereiro. O evento baseou sua programação em um tema específico, que este ano foi Dança e Tecnologia, promovendo debates e espetáculos que discutissem a interferência da tecnologia na produção de dança, seja na concepção da obra ou na utilização de recursos em cena. O Festival contou com artistas de Brasília e São Paulo e do exterior (Alemanha, Argentina), e teve ainda uma mostra de videodanças.

A realização do Marco Zero – Festival Internacional de Dança e Paisagem Urbana (www.marcozerofestival.com.br) propiciou aos artistas da cidade apresentarem trabalhos alternativos, e agregou, principalmente, criadores mais jovens. A continuação do evento pode ser uma vitrine para artistas independentes que estão buscando firmar suas próprias experiências estéticas na cena da cidade. A programação do festival contou com intervenções de dança na Torre de TV feitas especialmente para o festival, além com workshops.

Os três eventos complementaram a agenda de eventos de dança da cidade já consolidados, como o Festival Internacional da NovaDança, apresentado sempre no início do ano e que comemorou 10 anos de realização em 2006; a mostra competitiva Taguatinga Dança realizada desde 1996; e o Seminário de Dança de Brasília que há mais de 15 anos promove a cena de balé clássico do país. Podemos ainda citar o Dança em Pauta, festival realizado pelo Centro Cultural Banco do Brasil desde 2003, e que este ano teve sua primeira edição em Brasília.

A implementação desses novos eventos traz algumas informações sobre as características da cena de dança em Brasília e suas demandas. Um dos fatores comuns aos três festivais citados no início do texto foi a iniciativa de oferecer apresentações de dança de graça para o público local. Mesmo reconhecendo a especificidade de cada evento, podemos ver esta ação como uma contribuição para formação de público. Não sei se de forma proposital, ou por motivações referentes ao patrocínio, mas o ingresso gratuito acabou por levar um púbico diferenciado para os eventos.

Esta ação de formação de platéia ainda ganha mais força se pensarmos que as apresentações de dança vieram atreladas com uma programação que promoveu a discussão. No caso da Mostra de Dança XYZ houve a disseminação de textos críticos e palestras sobre os trabalhos teóricos dos artistas. A edição de Inverno do Festival da NovaDança promoveu uma discussão sobre “Corpo e Máquina” e abriu espaço para debates após apresentação dos espetáculos. O Festival de Intervenção Urbana foi o único que não promoveu debates, mas a sua realização foi uma contribuição importante para atingir novos públicos e promover a reflexão.

O que isso nos diz sobre a cena local e suas demandas? Os artistas que vieram para Brasília, na época de sua fundação, vivenciaram um ambiente propício para experimentação. A cidade não tinha um legado artístico, não havia críticos, não havia grupos consolidados. Uma terra intacta, que dependia de seus artistas para fertilizar a criação. Após 45 anos a cidade construiu esse legado, e firmou uma cena de dança na cidade.

Os festivais mostram que é momento de repensar a produção local. Seja estimulando novas práticas artísticas, como as intervenções urbanas, ou simplesmente debatendo o pensamento por trás dos criadores brasilienses. Este cenário contribui para formação de um segmento independente, reunindo profissionais que passaram pelos principais grupos de dança contemporânea da cidade e hoje buscam uma carreira autônoma como criadores. O início de um novo ciclo para dança local.

Claro que esta renovação vem sendo construída ao longo de alguns anos, mas me parece que culminou em 2006. A promoção de novos eventos mexe com o cerne das criações, abrindo portas para outras possibilidades. Neste caso, cabe ao artista refletir sua posição nesse novo contexto e definir seu papel diante dele.

Nota:

[1] A História que se Dança – 45 anos do movimento da dança em Brasília, Brasília: 2005. Projeto patrocinado pelo Fundo da Arte e da Cultura do Distrito Federal (FAC), com concepção e organização de Yara de Cunto e texto de Susi Martinelli.