O corpo relevo de Thiago Costa

As propostas artísticas do mineiro Thiago Costa (1983) não se separam da vida e se relacionam com as novas arquiteturas, lugares e topografias que seu corpo descobre. Graduado em geografia, o jovem vem realizando experiências que interfaceiam urbanismo, dança e arte contemporânea pelas cidades aonde passa. Nos últimos dois anos, produziu e apresentou diferentes trabalhos como Kinematograph ORIENT, Pêlos (em parceria com Ana Reis), Paisagem de Barranco, Campo Variando de 1 a 1000 Metros (em colaboração com Mauricio Leonard), entre outros. Os dois últimos fazem parte da programação da 5ª Bienal SESC de Dança (Santos, 2007). Sua mais nova performance é Tópico Trópico, que integra a coletiva Ô de dentro, ô de fora: Multiparidade do Parque ao Palácio, em Belo Horizonte.

Para este novo trabalho, Thiago criou um objeto-cabeça: uma massa orgânica que acopla o comportamento de seu corpo e propõe uma forma coreográfica específica e adaptada ao estar dentro deste abrigo-coisa. Qualquer lembrança com Lygia Clark e Hélio Oiticica não é mera coincidência. De acordo com o performer-geógrafo, “executo a ação de abrigar minha rostidade/identidade dentro de um objeto relacional. Um probjeto que acolhe a cabeça e o rosto, colocando-os em contato com cascas, sementes, folhas, painas, surpresas e uma coleção de coisas que fui coletando durante a pesquisa. São objetos que vou movendo de dentro para fora no decorrer da performance, incorporando uma coreografia tópica”.

Outras experiências por ele desenvolvidas se relacionam com superfícies e conceitos espaciais, como relevos e campos, no sentido de traduzir algum aspecto geológico pela escala do corpo, como é o caso de Paisagem de Barranco. Os projetos também podem estar envolvidos com contextos específicos, como Seis Reais e um PF de $5,50, produzido para a Mostra Dança sem Lei (Uberlândia, 2006). A obra, enviada aos cuidados da produção, consistia numa gravação sonora em fita cassete e um volume feito de sacos plásticos, como referência material ao seu corpo. Assim, acabou por elaborar um dispositivo sem repetição, situacional e localizado que serviu, inclusive, para mostrar as diferenças relativas aos meios de produção entre os participantes do evento.

Paisagem de Barranco (ou projeto de Jardim para Suécia) caminha na direção de uma instalação coreográfica. Estruturada em propriedades ambientais, da mesma forma que Seis Reais…, revela a busca por outras formas coreográficas (organizações) para a dança contemporânea. Além da apresentação na Bienal de Santos, a proposta pôde ser presenciada em três momentos: na Avenida Paulista, no vão do MASP, o Museu de Arte de São Paulo, numa sexta-feira de manhã com um trânsito tenso; no Pateo do Collegio, no centro da grande metrópole, num sábado descontraído (II Visões Urbanas Festival Internacional de Dança em Paisagens Urbanas, 2007) e, no projeto Sexta na Tomada, no saudoso Estúdio Nova Dança. Com duração indeterminada, a coreografia de recortar mapas é lenta e demorada. O público pode entrar, sair e permanecer o tempo que quiser. Imagens podem ser acessadas no link: http://www.flickr.com/photos/thcosta.

Para incentivar a profissionalização e a criação de jovens artistas da dança, Thiago sugere editais compatíveis com o universo dessa faixa. Empreender uma linha política que apóie mais projetos com prêmios menores pode ser uma saída, visto que, na maioria das vezes, são poucos prêmios de valores mais elevados. Segundo ele, “existia um edital aberto aqui em Belo Horizonte para o fomento de um trabalho de R$ 45.000,00. Isso não me parece sustentável porque nem reflete a forma da dança que vem surgindo no Brasil e muito menos se comunica com a situação de subdesenvolvimento na qual vive a maior parte dos brasileiros. Por que não fomentar diferentes trabalhos, um maior número com quantias menos espetaculosas? O Transobjeto Coletivo conseguiu ocupar um lugar tão produtivo com uma quantia muito menor que isso, o que exemplifica muito bem uma forma mais sustentável de produzir dança”.

Terrificando corpos

Em 2006, a curta estadia do jovem artista em São Paulo foi motivada pela apresentação de Kinematograph ORIENT, no Teorema, mostra promovida pelo Estúdio Move (SP), parte do circuito independente de dança na cidade. O nome também faz referência a uma das primeiras salas de cinema surgidas na Europa, mais especificamente em Praga, onde o escritor Franz Kafka teve contato com a arte cinematográfica pela primeira vez. O cinema tomado como um espetáculo e a disposição espacial definia uma organização onde artistas e platéia estavam separados. Esse foi um dos ganchos para o desenvolvimento de Kinematograph ORIENT, dividido em quatro espaços.

O primeiro, chamado de espaço da tapoa lembra uma mesa de oferendas onde alguns objetos, ou melhor, “probjetos” (transformação da obra de arte numa proposição para o comportamento de acordo com Hélio Oiticica) estão dispostos sobre uma esteira: bússula, cerveja, duas metades de laranja, fotos, um ramo de arruda, entre outros. Partilhar materiais num ambiente público, nesse caso, sugere que o público se aproxime do chão e realize em si a proposta do geógrafo-artista. Além de lembrar ritos afrobrasileiros e indígenas, essa espécie de estrutura corporal não demanda da atuação do corpo do performer.

Corpo-relevo é o nome do segundo espaço onde as pessoas são convidadas a assistir lentas manobras. A escala de tempo é a geológica, aquela referente à transformação da superfície terrestre. Na seqüência, criando um outro ambiente (no mesmo espaço), Thiago se compara com um objeto industrial e usa seus “objetos amarelos” (sacos que embrulham partes de seu corpo) para provocar erosões na pele (também utilizado em perambulações pela cidade). Em seguida parte em trajeto, fazendo do último dos espaços um deslocamento. Tomado no conjunto Kinematograph ORIENT é, ao mesmo tempo, um projeto de ambientação e de práticas espacializadas.

Parceiro na formatação da proposta e na produção dessa obra, o videomaker Danilo Dilettoso foi imprescindível também na criação do vídeo-objeto Relevante – Homenagem a Obra Mole apresentado na Mostra Transobjeto Coletivo (Uberlândia, 2006). Além do diálogo com Lygia Clark e do interesse no aspecto geológico do corpo, o vídeo explora alterações do tônus muscular, que devem ser potencializadas na continuidade da pesquisa. A próxima exibição de Relevante será na Mostra RODA, entre os dias os dias 6 e 11 de novembro, no espaço cultural GAG, em São Paulo.

Corpo-ambiente

Para explorar o corpo como relevo, Thiago organiza suas performances através de sentidos geológicos/geográficos. “Ao misturar minha formação em dança contemporânea ao conhecimento da geografia me questiono, por exemplo, sobre relações entre individualidade e paisagem, acumulações de resíduos do espaço sobre o corpo em movimento, além de movimentos coreográficos que operam algum tipo de desterritorialização”. Entre as táticas e procedimentos de criação estão aquelas que expõem o corpo a uma diversidade de afecções a partir do trânsito na cidade, tais como, derivas por áreas desconhecidas, caminhadas com os pés sem proteção sobre o solo, contato da mão nas superfícies dos muros. Para o artista, “essas práticas têm um imenso teor geográfico porque elas qualificam o espaço banal e cotidiano”.

Atualmente, Thiago reside em Belo Horizonte e vem produzindo trabalhos em parceria com o arquiteto Mauricio Leonard, como Campo Variando de 1 a 1000 Metros, apresentado no Festival de Cenas Curtas do Grupo Galpão (junho/2007). Trata-se de uma intervenção urbana, (arte pública ou ambiental) baseada na realização de práticas espaciais de perambulações, intervenções e coletas no espaço público. Imagens da performance numa praça pública estão disponíveis em http://www.flickr.com/photos/campovario.

Esta obra sugere uma parada para pontuar a questão da arte como abrigo, um dos principais focos da obra e metodologia do artista Wagner Schwartz. No caso do Thiago, “busco abrigos que convidam a entrar mas que, ao mesmo tempo, deslocam essa partilha do espaço para uma dimensão menos territorializada. Essa questão do abrigar-se em meio ao espaço público sempre gera algum tipo de constrangimento e isso importa”.

Afinal, Thiago, “a vida como ela é” é um verdadeiro campo de ação, não é mesmo?