O fazer-dizer da contemporaneidade | The doing-saying of contemporaneity

   A dança coloca em cena corpos em movimento que produzem significados e estabelecem diferentes modos de enunciação. As maneiras como esses corpos organizam as idéias e as expõem é de fundamental importância para a proposição que entende o corpo que dança como indissociável do contexto onde apresenta suas propostas. Indispensável também é o jeito como a dança observa e tem observado seu fazer.

   O jeito como se pratica a observação, de modo geral, está comprometido com crenças e compreensões de mundo ainda muito estabelecidas por entendimentos de essência, origem, verdade, certeza. Provavelmente, esta maneira de enunciar idéias de dança reproduza a lógica do indizível vinculada a propostas artísticas que destacam individualidades e lidam com as idéias de dança como propriedades privadas.

   Na contramão dessa maneira de tratar a dança, a tese em tela apresenta a dança enquanto fazer que é também dizer. Neste fazer-dizer, dança e política compartilham o mesmo processo de constituição das propostas e idéias artísticas e coletivas. O acolhimento da tônica política no processo de organização do fazer em dança, se constrói como um acontecimento singular. Criar e enunciar vão se dar ao mesmo tempo, produzindo corpos específicos para cada enunciado.

   A percepção e a produção de acões-movimentos do corpo que dança não prescindem das informações que estão no mundo e, num compromisso crítico-reflexivo, aproximam a dança daquilo que ela enuncia. Pensar a dança como um fazer que é dizer e, onde, dança e política co-existam aciona outros modos de agir artisticamente, capaz de discutir, com o seu fazer, qual o “lugar” da dança na sociedade atual. Para tal empreendimento, a tese considera política como performatividade que se enuncia em corposmídias que dançam. Corpos implicados e comprometidos com as relações que estabelecem com o ambiente. Além disso, constróem condições de contaminação do pensamento para produção de danças que organizam e enunciam suas idéias de diferentes modos. Em alguns desses modos, os processos tendem a abordagens interrogativas e investigativas pertinentes ao fazer dança. Importa instigar o exercício de ações-atitudes performativas, trabalhadas em corpos que são mídias de si mesmos e, que, abordam e discutam questões da diferença no fazer-dizer artístico. Estes assuntos estão discutidos e distribuídos em três capítulos que trabalham para modificar o modo como a área da dança se observa, e o modo como ela é observada.

   O primeiro capítulo tem o corpo como assunto e privilegia o corpo que dança como seu recorte. Discute esse corpo com interesse na constituição e organização da fala do corpo. Na sua investigação, parte-se da proposta de que a organização da dança em um corpo pode ser tratada como sendo uma espécie de fala desse corpo. Através da observação do modo como esse falar se produz surge a percepção de que existe, dentre os distintos tipos de fala, um que inventa o modo de dizer-se. Ele se distingue exatamente por não ser uma fala sobre algo fora da fala, mas por inventar o modo de dizer, ou seja, inventar a própria fala de acordo com aquilo que está sendo falado. Essa modalidade de fala será aqui denominada de fazer-dizer. A observação da produção desse falar propicia a percepção de que o corpo que dança organiza e constitui sua fala no fazer, além de destacar que esta fala é construída no e pelo corpo. Compreender as muitas maneiras de enunciar falas de dança passa pela observação destas falas como cena e em cena, onde, as enunciações podem expor configurações distintas e singulares. A questão da performatividade é trazida para discutir e problematizar corpos que organizam pensamentos-falas na forma de dança e ajuda na discussão que trata da posição/condição de visibilidade da área da dança. A discussão distancia-se da compreensão de que a dança é indizível.

   No segundo capítulo, o corpo que dança é observado enquanto corpo-sujeito e corpo-instituição.  O entendimento da performatividade no corpo que dança, faz-se necessário para introduzir as questões do poder nele implicadas. A abordagem da qualidade performativa focará as operações de regulação e restrição (entendida como produtiva) entre o corpo que dança e uma instituição educacional universitária e pública, que será tratada como corpo-instituição, e os corpos-sujeitos que organizaram grupos de dança a ela vinculados. A instituição em pauta é a Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e os grupos são o GDC, o Odundê e o Tranchan, cada qual com um tipo de vínculo com esse corpo-instituição. Estes são trazidos para a discussão e investigação da produção de um fazer-dizer que tenha configuração performativa. Busca-se investigar se e como a pedagogia de dança praticada na instituição vinculou-se à ação-atitude-comportamento artístico destes grupos; se e como construiu os seus corpos-sujeitos e qual o fazer-dizer que pode ser observado em cada qual.
 
   O capítulo terceiro trata das implicações políticas provenientes do fazer-dizer performativo. Para tanto vai salientar porque performatividade é importante na contemporaneidade, porque convém aproximar esta qualidade denominada de performativa da dança contemporânea, e quais as conseqüências de se trabalhar com essa idéia. Além disto, apresenta a potencialidade da dança que trabalha de maneira compartilhada e coletiva, ou seja, atuando enquanto comunidade artística que, durante seu fazer, no seu fazer está comprometida com o que veio antes e com o que virá depois. Isto quer dizer que o compromisso do fazer está impregnado de informações acessadas que se põem em discussão no fazer e, nele, indicam outras possibilidades de lidar com as informações trabalhadas. 

   A compreensão da performatividade nos leva a identificar propostas que indicam diferentes modos de pensar como se faz dança e, também, pensar as implicações políticas e estéticas desse fazer. Faz pensar para repensar essas instâncias – política e estética – no próprio fazer, no presente do fazer. Pensar performativamente cria uma tensão nos modos como o corpo se move em sua própria dança. O corpo é o seu assunto, daí a necessidade dele produzir os movimentos que sejam capazes de reconfigurar os limites e as potencialidades do seu dizer – daí a necessidade de inventar o modo desse dizer ser feito. O corpo é o foco primordial e indispensável para se pensar/estar o/no mundo. E quando se trata do corpo que dança, sucede o mesmo.

 

   The dissertation proposes to discuss dance and the politics of organizing art-making, understanding that dance happens in its doing, a doing that is saying. This doing-saying distinguishes human or institutional bodies. The author works with a comprehension of dance as information that becomes body because it happens in bodies that are their own media.

   The dancing body, in its provisional nature, performatively builds ideas, concepts, and bodily imaginations. Conceptualized as such, dancing bodies do not communicate solely ideas, but realize them in a space where the coexistence of dance and politics becomes possible in a critical-reflexive mode.

   Dance performance places bodies in a space to be seen, thus producing signifiers and establishing different modes of utterance and discourse. The ways in which these bodies organize and expose ideas is of fundamental importance to the proposal to understand the dancing body as indissociable from the context in which it is seen.  The manner in which dance observes its own making is also indispensable to this proposal.

   The manner in which dance is observed depends upon belief and value systems, comprehensions of the world that involve understandings of essence, origin, truth and certainty. Its modes of utterance, the ideas or discourse of dance, involves a reproduction of the logic of the unsayable, linked to artistic proposals that emphasize individualities and deal with dance as private property.