O metro quadrado do caderno de cultura

Achei que uma boa maneira de dar continuidade àquela discussão sobre artista e público do último texto era falar da relação entre artista e imprensa. Pensei em falar no jornalismo cultural, e não ficar muito na crítica de arte, por exemplo. Não porque não seja importante, mas porque tem muito pouco dela na imprensa brasileira e, por várias razões, me parece que tende a ter cada vez menos. Bom, e o que é esse jornalismo cultural? Pra me ajudar a esclarecer isso, eu conversei com duas pessoas, que eu escolhi por razões mais ou menos particulares.

Eu já trabalhei, e eventualmente ainda trabalho, como assessor de imprensa. Comecei prestando esse serviço pra mim mesmo e, ao longo do tempo, fui pegando outros freelas na área e a minha relação com o assunto foi ficando mais complexa.

Por um lado, era muito comum eu receber dos artistas uns releases sem pé nem cabeça, umas fotos que não dava pra publicar, uns vídeos pra lá de amadores, tudo desorganizado, em cima da hora, e tinha que traduzir aquele material pra mandar pra imprensa e implorar de joelhos pra entrar na pauta no último minuto. Pensava: “Artista é muito sem noção”.

Por outro lado, como artista, quantas vezes eu não me senti traído ao dar uma entrevista e ver que tinham transformado completamente o que eu falei, ou que reproduziram o release sem mexer em nada. Ou às vezes mexiam, mas faziam alguma modificação irrisória que tinha o poder de estragar tudo. Pensava: “Jornalista é muito sem noção”.

Então, pra este texto agora, resolvi fazer umas perguntas pra duas pessoas que, de certa forma, me ajudaram a pensar sobre esse assunto em outros momentos da minha vida.

Uma delas é o Alessandro Martins. Ele é jornalista e durante alguns anos foi editor do Espaço 2, o caderno cultural do Jornal do Estado. É um jornal que circula principalmente aqui no Paraná, com uma distribuição relativamente pequena, mas que sempre me surpreendia e ainda me surpreende pela qualidade dos textos e pelo espaço que dá para a produção local independente e pra arte contemporânea de uma forma geral. O Alessandro não trabalha mais no jornal, que hoje tem como editora de cultura a Adriane Perin, também excelente. Mas pensei nele por saber que, de certa forma, foi o responsável por construir essa política editorial no caderno.

A outra pessoa é o Marcelo Evelin, um artista que vive entre Brasil e Europa, é diretor do Teatro Municipal João Paulo II (TMJP2), em Teresina, professor da Amsterdam School of Arts, na Holanda, entre várias outras coisas. Pensei no Marcelo por estar circulando nesses dois mercados, brasileiro e europeu, mas também porque eu conheço um pouco da postura dele em relação à imprensa. Quando ele esteve aqui em Curitiba com o Bull dancing (clique aqui para conferir a galeria de fotos do espetáculo), espetáculo que ele dirigiu, eu fiz a assessoria de imprensa. Eu ficava impressionado com a facilidade que ele tem pra dar entrevistas, muitas vezes explicando pacientemente pro jornalista o que tem que anotar, o que tem que frisar.

A outra coisa é que, quando estive em Teresina, percebi que tem se construído uma relação forte entre a produção que passa pelo TMJP2 e a imprensa de cultura da cidade.

Pensei também que essas duas cidades, Teresina e Curitiba, têm em comum o fato de não contarem com jornais e revistas locais que tenham uma grande distribuição nacional, o que seria uma outra situação bem diferente.

A idéia deste texto é colocar em jogo as idéias de um jornalista, de um artista, e as minhas, que entro aqui nas funções de artista, assessor de imprensa e deus, porque eu mando na parada.

Com as respostas do Alessandro, achei que precisava fechar mais ainda a discussão e, em vez de falar de imprensa como um todo, ficar só com o jornal, e mais especificamente com o caderno de cultura. Apesar de talvez parecer meio limitado, acho que esse foco pode criar ligações com várias outras questões. Então, bora lá.

O caderninho espremidinho de culturinha

Não sei se é coisa minha, mas os cadernos de cultura não tão encolhendo? Às vezes é uma página só. Eu achava que era só aqui em Curitiba, mas depois fiquei reparando e comecei a achar que isso tá acontecendo, em medidas diferentes, no Brasil todo.

Perguntei pro Alessandro o que é o caderno de cultura dentro de um jornal. Ele não foi o primeiro a me chamar a atenção pra uma crise que, eu acredito, não atinge só o jornalismo cultural, mas a imprensa brasileira como um todo. Tem cada vez menos grana e menos jornalistas que, por conta disso, têm que cumprir mais funções. Não é raro constatar que o jornalista escreve ao mesmo tempo pro caderno de cultura e de esportes, por exemplo. Acho que não é o caso aqui de especular sobre as razões disso, mas observar essa situação pode dar uma noção mais concreta de como se encaixa o caderno de cultura nesse contexto.

Sobre a experiência dele, conta que nos anos em que trabalhou na editoria de cultura, de 1998 a 2005, viu a equipe passar de sete pessoas para apenas uma, que era ele mesmo. Falou o seguinte: “O caderno de cultura sempre será aquele que sofrerá cortes primeiro. Pelo menos aqui no Paraná, embora existam bons jornalistas, pessoas competentes e interessadas, elas não são valorizadas pelas administrações dos jornais. Mas não é porque são más pessoas. Apenas não acham coisas como literatura, dança e teatro realmente importantes e, quando se trata de sobrevivência econômica, talvez não sejam mesmo. É uma questão de prioridade.”

Como artista, eu quero sempre discordar desse argumento. Acredito, e procuro difundir essa idéia, que arte muda um país. Não só pelo entretenimento, que já é mais aceito pelo senso comum como um produto de primeira necessidade pra, sei lá, aliviar as tensões do dia-a-dia. O que eu digo é que o conhecimento produzido em arte gera outros conhecimentos, muda as pessoas de verdade, e isso pode gerar, inclusive, crescimento econômico. Mas entendo, de certa forma, que a administração de um jornal priorize outras coisas, já que é relativamente comum considerar arte como supérfluo, não só por parte deles, mas principalmente da maioria dos leitores.

“Quando você pensa em um grupo relativamente grande que adquire um certo volume de jornais, não pode imaginar que ele está interessado em todas as editorias”, disse o Alessandro. E é fato. Conheço gente que só lê esportes, só lê classificados, economia. Eu, por exemplo, nem olho essas coisas.

Agora, se já tem pouco espaço para a cultura, que espaço existe nos jornais para a arte dentro da cultura, para a produção local dentro da arte e para a produção contemporânea dentro da produção local?

O Alessandro não acha certo privilegiar a produção local, acha que isso deixa o artista acomodado. Ele acredita que o critério principal deva ser a qualidade. Aí novamente eu discordo dele.

Em primeiro lugar, porque qualidade em arte, putz, o que seria isso?

Em segundo lugar, eu definitivamente não acho que a imprensa teria como julgar essa qualidade, mesmo que fosse possível usar essa palavra. Porque geralmente não vai até os eventos, porque muitas vezes a informação que os artistas enviam não é suficiente, e porque tem muito jornalista na área que não se interessa nem minimamente por arte.

Em terceiro, porque talvez essa preferência pela produção local pareça boba, assim de cara, mas depende em relação a quê. Se pensar em relação a outros eventos que vêm de fora da cidade, talvez até seja. Mas se pensar em relação ao privilégio que a TV e o cinema internacional têm nos poucos espaços que a imprensa reserva pra cultura, aí eu acho relevante. Não que cinema e televisão sejam menos culturais ou menos artísticos, mas porque têm mais verba e, conseqüentemente, outras possibilidades pra chegar ao conhecimento das pessoas. No caso da TV então, ela própria se divulga. Falo nisso não só pra defender o artista, mas também o leitor do jornal, que tem direito de saber o que está acontecendo na própria cidade, no próprio estado, mesmo que não queira.

Mas o Marcelo Evelin falou uma coisa que me fez pensar que não dá pra reclamar tanto do espaço no jornal. Eu, na maior cara-de-pau, pedi pra ele fazer uma comparação entre o jornalismo de cultura em Teresina e Amsterdã. Ele, porque é camarada, se prontificou a responder e falou o seguinte: “Na Europa não temos muito acesso ao jornalismo cultural. Tem muita coisa acontecendo, e esse jornalismo só enfoca grandes grupos e espetáculos, do tipo Pina Bausch, William Forsythe, Bob Wilson. Nós, pequenos mortais, só temos crítica, e aí não temos mesmo nenhum controle. Quase nunca temos matérias, artigos ou TV. Não sabemos se vai sair crítica ou não. Não dá pra contar com isso”.

E, em certa medida, no Brasil esse canal de comunicação entre o artista menos conhecido e o jornal até existe, pelo menos parece isso. Mas o que se escreve e como se escreve?

O caderno virou agenda?

Eu comecei o texto falando que não ia tratar da crítica de arte, porque quase não tem isso no Brasil. Espero não estar mal informado, mas realmente tenho observado que são poucos os jornais brasileiros que dedicam um espaço permanente à crítica. E que muitos críticos estão migrando para outros espaços, como blogs e portais voltados a uma área específica. Sobre isso, vou falar mais adiante.

Mas, por enquanto, eu acho importante perguntar: Se no Brasil o jornalismo cultural não é crítica, é o que afinal?

Eu tinha falado também que eu acho péssimo quando eu mando um release pra imprensa e publicam do jeitinho que chegou, sem mudar nada. Mas, se fui eu que escrevi, não deveria ficar satisfeito? Afinal, a informação que eu queria que fosse divulgada tá lá. Mas acho que sempre tem uma expectativa de que o jornal faça um pouco mais que divulgar, que traga algum tipo de reflexão, mesmo que não se proponha a fazer crítica.

O Marcelo, apesar de considerar que nos jornais do centro do país isso é diferente, comenta que no Piauí “é só cortar e colar, só pra divulgar e nada mais. Reflexão zero, articulação de idéias zero. Nem sei se poderíamos falar disso como jornalismo cultural”. Ele fala dessa situação por lá, mas eu vejo isso acontecer também aqui em Curitiba, e em várias outras cidades pelas quais eu tenho passado. E, mesmo nos jornais do centro do país que ele menciona, acredito que se referindo aos grandes jornais – Estadão, Folha, O Globo -, não me parece que seja tããaaao diferente, guardando as devidas proporções.

Acho que entre nós três tem um consenso de que os jornais brasileiros – é claro que generalizando – têm usado o caderno de cultura principalmente pra anunciar o que está em cartaz. Diz o Alessandro: “por conta do espaço, recursos humanos e tempo, nossos[1] cadernos culturais ganharam mais e mais um tom de mera agenda cultural. O editor precisa fazer um esforço enorme para, de vez em quando, sair disso”.

E sair disso seria o quê? O que é que o jornalista pode falar se, na maioria das vezes, não consegue – e em muitos casos não tenta – ir aos eventos, conversar com os artistas, entender do que se trata?

Perguntei pro Alessandro também sobre isso e ele me respondeu assim: “Não há tempo para cobrir todos os eventos. Tenho certeza de que o jornalista de cultura gostaria de ir a todos, mas pense em uma editoria com um editor e três ou quatro repórteres. Um editor, no caso do Jornal do Estado, sem repórteres. Não é viável ir a tudo e ligar para todos os realizadores. Quanto a ler e se informar sobre arte, tenho certeza de que isso acontece, mas os jornalistas são tão abrangentes quanto possível.”

Mas o próprio Jornal do Estado, desde que ele trabalhava lá e também hoje em dia, me parece que tem contornado isso de uma maneira legal. Tenho visto matérias que dão conta de criar algumas relações interessantes entre a informação que recebem dos artistas e a realidade local, trazer referências de outras áreas. Mas, mesmo pra isso, precisa conversar com os artistas, pesquisar sobre o assunto e freqüentar a cena de arte. Eu falo desse exemplo, mas tenho visto alguns casos, não só aqui como em outros lugares.

Aí o jornal pode ganhar uma função da maior importância, que é a de intermediar essa comunicação entre a produção artística e o grande público. O Marcelo conta de uma entrevista que deu pra uma jornalista de Fortaleza que, segundo ele, “ajudou enormemente a traduzir o Bull dancing, por meio de questões e observações pertinentes. Porque o jornalista pode fazer isso, tornar acessível para o público em geral um assunto especifico”.

Me parece que, pensando nessa tradução, a gente começa a falar de uma possibilidade concreta, mais do que a crítica. Quando falamos desse jornalismo de cultura, estamos falando de profissionais que geralmente não têm uma formação específica em arte[2], mas que se especializam na atividade de comunicar e, no caso dos jornais, para um público anônimo, amplo, também não especializado.

E, se essa comunicação entre jornalista e público a princípio funciona – vamos tomar isso como pressuposto, porque não é bem o nosso tema aqui – dá pra investigar como está o outro lado, que é a comunicação entre artista e jornalista.

Curso básico de reciclagem

Acho que antes de mais nada é preciso explicar, porque não é todo mundo que sabe, como acontece na prática essa comunicação entre o evento de arte e o caderno de cultura, seja esse evento uma peça, uma exposição, um encontro, uma palestra, um festival, qualquer coisa.

Quando é uma produção que envolve mais dinheiro, o mais comum é que tenha o intermédio de uma assessoria de imprensa contratada pela produção do evento ou por alguma instituição relacionada. Essa pessoa se encarrega de enviar releases e fotos pros jornais e portais, vídeos pras TVs, contactar blogs da área e às vezes algumas publicações específicas. Às vezes o assessor de imprensa só escreve o release e quem cumpre essa função de fazer chegar aos lugares é um produtor.

Existem também os raros casos em que a iniciativa parte do outro lado, e o jornalista descobre e se interessa pelo assunto, entra em contato com a produção e resolve fazer uma matéria. Mas, na maioria das vezes, considerando a precariedade de recursos em que vive a produção artística brasileira, é o próprio artista que tenta dar conta de elaborar um textinho, juntar as fotos que o amigo fez com a câmera digital e mandar um e-mail pra imprensa com o título Sugestão de pauta.

Aproveito o ensejo pra explicar que só isso não adianta nada. Mandar o e-mail e esperar que publiquem é quase pior que não mandar. Mesmo que nada esteja acontecendo na cidade, pode contar que a redação recebeu mais 9237492387239 sugestões de pauta, que talvez o e-mail não chegue, talvez vá pra pessoa errada. O bom é mandar e telefonar logo em seguida. E perguntar: “Recebeu? As imagens chegaram? Como tá a pauta essa semana? Rola de colocar alguma coisa?” Também não adianta mandar com dois meses de antecedência nem em cima da hora. Duas semanas, dez dias antes do evento tá de bom tamanho.

O Alessandro menciona mais algumas coisas que ajudam: “Os melhores releases são os mais objetivos, que explicam claramente do que se trata, onde vai ser e a que horas. E quanto vai custar para o público. Releases com muitas viagens conceituais não servem atualmente para o jornal. É necessário pensar em uma editoria pequena com pouco tempo para decifrar informações obscuras e com pouco tempo para ligar para a produção para checar um dado tão básico quanto o preço do ingresso. Mandar o release sem uma fotografia em boa resolução anexada é perder uma boa chance de ter a imagem publicada.” E eu acrescento: fotos feitas por um profissional ou um amigo muuuuuito competente, em 300 dpi, preferencialmente coloridas, e pelo menos duas opções: uma horizontal e uma vertical.

Estou falando disso tudo não só pra prestar um serviço à comunidade artística independente, que muitas vezes não tem grana pra pagar assessoria de imprensa, mas também pra falar de como o artista brasileiro, de forma geral, ainda tá despreparado pra lidar com tudo o que envolve a veiculação do seu trabalho. Esse despreparo, é claro, tem a ver com muita coisa, desde os cursos de formação em arte até uma série de práticas de mercado, que vão acostumando o artista a se considerar amador ou a confiar que um terceiro vai se encarregar desses probleminhas de ordem prática. E no Brasil, sinceramente, isso não tem o menor cabimento. Mas é questão pra outra hora.

Aqui, acho importante dizer que os dois lados precisam de mais preparo pra elaborar essa informação que, em última instância, precisa chegar ao cidadão comum. A falta de conhecimento também por parte de alguns jornalistas – repito, alguns – às vezes é medonha, e o artista precisa ter tato pra sacar se é hora de sorrir, de repreender gentilmente, de mudar de assunto.

O Marcelo, respondendo a uma pergunta minha, fez alguns pedidos à imprensa de Teresina que eu estendo à imprensa daqui e de outros lugares, porque falam de atitudes que não são nada incomuns: “Que eles viessem ver os espetáculos, de vez em quando, pra poder falar melhor da próxima vez. Que eles pensassem 10 vezes antes de fazer ctrl+C ctrl+V com os releases. Que não achassem que a imprensa é a salvação dos artistas, que fazemos qualquer coisa para sermos descobertos por eles, e que estamos eternamente gratos por um momento de atenção”.

Esse último me lembrou de muitas vezes ter observado essa postura, tanto em mim quanto na imprensa. Lembrei de um jornalista me falando uma vez: “Olha, eu vou te conseguir uma capa, mas tenho que fazer essa entrevista agora”. Chovendo, eu no meio da rua, desesperado em época de estréia, cheio de pepino da produção pra resolver, carregando um monte de equipamento pesado, tentando achar um táxi e dando entrevista no celular. Só pra não perder a capa do caderno de cultura. Será que valia a pena?

Pra colocar na parede

O que eu queria mesmo era ter dito assim: “Beleza, queridão, não precisa então, tá? Beijo, tchau, fica com deus”. Mas não disse. Não disse porque não queria queimar o meu filme. Não disse porque era importante garantir, talvez não tanto aquela capa, mas aquele canal de comunicação com o público não especializado. Hoje já não me parece que esse canal seja o único e começo a pensar se é o mais eficaz.

De fato – agora falando de forma mais genérica – quando a gente consegue espaço em certos jornais impressos, em certos sites e programas de TV, isso ajuda a trazer público, sem dúvida. Talvez não aumente tanto a quantidade, mas ajuda a levar outras pessoas que não são aquelas que já iriam normalmente. Mas não é sempre que isso funciona. O Marcelo disse uma coisa legal: “Às vezes o e-flyer ou o boca-a-boca funcionam mais. [O jornal] não traz necessariamente um público, mas deixa o público saber que está acontecendo, e serve pelo menos como fator de insistência”.

No caso específico do jornal, esse espaço talvez tenha ganhado tanto valor nos últimos anos também pela oferta e procura. O espaço vai ficando cada vez mais restrito, diante de uma produção mais numerosa, e isso aumenta a cobiça por aqueles centimetrozinhos de papel.

Os dois, Marcelo e Alessandro, lembraram também do jornal como registro histórico. Quando a gente elabora os nossos portfólios e currículos, sempre junta os recortezinhos de jornal. Quando vai mandar projetos, tentar participar de um festival ou qualquer outro evento, manda os recortezinhos de jornal. Eles provam que o trabalho realmente existiu, que teve ação no mundo, que constou na história, que teve algum valor.

O Alessandro disse o seguinte: “Infelizmente uma publicação em jornal impresso ainda tem uma aura de valorização do produto cultural divulgado, mas essa aura já não corresponde à realidade. Digamos que essa aura ainda tem uma inércia residual.”

E que alternativa a gente tem? Ele, que hoje trabalha na edição de seis blogs, acha que esse suporte é uma boa saída. “As publicações on-line e a divulgação na Internet têm muito mais chances de atingir um público bem específico de uma forma mais barata, eficiente e abrangente”, ele disse e eu concordo plenamente. Isso, é claro, se for pensar em chegar ao nosso público de sempre, aquele que já freqüenta os eventos de arte. Pra chegar ao cidadão comum, acho ainda têm que se construir outras alternativas.

Pensei num negócio agora, vejam se é uma idéia idiota. Achei que, se a gente quer atingir outros públicos, pode ser uma boa perverter um pouco essa especificidade que ele menciona. Encontrar na Internet jeitos de chegar também em outras pessoas.

Talvez não dê pra divulgar uma montagem de Hamlet-Máquina num blog sobre pesca. Mas eu lembrei de uma história verídica.

Bom, eu faço parte de um coletivo de artistas chamado Couve-flor e a gente tem, ou tinha, sei lá, uma comunidade no Orkut (eu não entro no Orkut, tenho medo). Uma vez uma mulher entrou em contato com a gente, era de uma comunidade chamada Eu amo couve-flor, que tratava do vegetal mesmo. Eles trocavam receitas, essas coisas. Ela se interessou pelo coletivo, se ofereceu pra ajudar a divulgar o nosso trabalho por lá. Não sei se algum de nós respondeu ao e-mail dela, mas eu pelo menos não dei a mínima. Poxa, e era uma oportunidade legal. E devem ter tantas outras oportunidades aí que eu nem imagino.

E também esses dias aí, desde que eu publiquei o outro texto, teve tantos comentários falando em alternativas pra chegar em segmentos diferentes, se interessando mesmo. Tô otimista, acho que tem jeito de construir isso. Seja na Internet mesmo, pessoalmente, panfletando em lugares diferentes, fazendo os eventos acontecerem em lugares diferentes, criando parcerias com pessoas e instituições diferentes.

Não como um modo de boicotar o caderno de cultura, mas de inaugurar outros espaços pra conseguir aquilo que a gente procura no jornal: fazer o trabalho existir, agir no mundo, constar na história, ter algum valor. Acho que isso, inclusive, pode contribuir pra criar mais espaço pra arte na imprensa.

Mas reforço aqui que é igualmente necessário melhorar a conversa entre artista e jornalista, ou entre artista, assessor de imprensa e jornalista. Por parte de muita gente no jornalismo cultural, que precisa realmente se informar melhor, mas também por parte de muito artista que, por não ter idéia, e às vezes nem procurar saber como a coisa realmente funciona, não assume a sua responsabilidade nessa relação.

Epílogo: dicas do Marcelo Evelin pra dar entrevistas

Eu pedi pro Marcelo passar umas dicas de como dar entrevistas. Tá meio fora do assunto agora, mas eu achei ótimo e vou colocar algumas aqui, pra finalizar:

“Se for pra TV tem que pensar que o segundo vale ouro. Então, tem que engatar uma dinâmica de falar e ir direto ao assunto, sem titubear. Pro jornal tem que fazer pausas e tentar acompanhar o repórter escrevendo. Se for gravada, também não dá pra disparar. Quando falar o nome de alguém, principalmente estrangeiro, tem que se oferecer pra ajudar na grafia. É importante pensar no que pode funcionar como divulgação e falar disso, o que às vezes significa responder a uma coisa que não foi perguntada. A melhor matéria quem faz é você, que sabe do assunto, que tá vendendo o peixe.”


[1] Ele se refere aos jornais paranaenses, no caso.[2] Considerando que formação não é só acadêmica.*

Gustavo Bitencourt mora em Curitiba, Paraná. É performer, designer gráfico, programador, redator, tradutor, entre outras várias coisas. Em 2004 foi bolsista da Casa Hoffmann, onde foi co-curador e co-organizador do Ciclo de Ações Performáticas. Em 2005, dirigiu Hamlet, Príncipe da Dinamarca. É integrante do coletivo Couve-flor Minicomunidade Artística Mundial. Em 2007 integrou dois projetos de pesquisa recebedores do prêmio Klauss Vianna: O que me move a mover, em colaboração com Michelle Moura e Elisabete Finger, e o solo Bife, com a colaboração de Wagner Schwartz, Octávio Camargo, Fábia Guimarães e Ricardo Marinelli, que estreiou em 2008.