o papel do corpo em Big Bang Boom (de Michelle Moura), por Anderson do Carmo

Idealizado pela artista Sheila Ribeiro,  o 7×7 é um projeto de manifestações crítico-poéticas em torno de trabalhos artísticos escritos por artistas. Desde 2009, o 7×7 olha para o que acontece em dança contemporânea por aí. Nascido durante o Festival Contemporâneo de Dança (SP), já cobriu o Festival Panorama (RJ), Olhares sobre o Corpo e  FID (MG), Panorama Sesi (SP), Bienal SESC de Dança 2013 (Santos), dialogando com os eventos de dança do Brasil e produzindo + de 100 críticas artísticas. O 7×7 hoje é:  Arthur Moreau, Caroline Moraes, Rodrigo Monteiro, Bruno Freire, Laura Bruno e Lucia Naser. O idança, parceiro desde sempre, publica mais uma série de 7 críticas do projeto. Para conhecer + sobre,  acesse o site.

Michelle Moura X Anderson do Carmo = disponibilidade criada sou, certeza destruída fui

Por Anderson do Carmo em torno de Big Bang Boom de Michelle Moura, durante a Bienal Sesc de Dança 2013

Eu: certeza a qual se agarra no momento em que percebemos um lugar-labirinto de imprevisibilidade. Âncora de e em si que resiste às criações, às destruições e a tudo que nos vãos dessas transcorre. Eu-imagem-sintoma, eu-delírio-certeza, eu-clausura-escapatória, eu-superfície-aplainada, eu-estanque, eu-para-ser-no-mundo. Eu: promessa jamais feita que se procura a todo custo cumprir. Que coisa é essa que chamamos de eu?

Um conjugar permanentemente do verbo ser. Uma institucionalização patológica do tempo verbal. Câmbio de um ser corpo para um ter corpo. Blindagem de um atrito entrópico por um desejado controle. Estanque à afetação. Eu criado sou, devir destruído fui.

Há um acidente na planície branca do chão em volta do qual nos reunimos. Sua aparição é o que dá a ver meu desejo por uma certeza plana e branca que não contenha dúvidas. Sua aparição no espaço estático é o que dá a ver potência de movimento no transcorrer do tempo. Sua aparição como manifestação de uma força a priori, dá a ver a latência de forças outras que habitam o tempo de um por vir. Sua aparição não impõe diferença: esta emerge no atravessamento de disponibilidade ocorrido nos corpos não vistos. Acidente, relevo, deslocamento, aproximação, expectativa, aceleração, frear, amontoados, aberturas, alargamentos e dobras.

As dobras do papel nos re-apresentam um corpo. Um corpo que é com o papel. Um corpo orgânico que é com um corpo inorgânico. Um corpo que é com outro corpo. Um corpo que é com. Um corpo que me diz que ele só pode ser com. Um corpo que me diz que a subjetividade se dá no atrito entre o que não mais é e o que ainda não é.

 Não há como ser corpo na solidão: só se é com. Não há sequer como ter corpo na solidão: o embate entre ter corpo e ser corpo invade a solidão de meu corpo sendo sentido com a imagem de meu corpo sendo visto.

Os corpos de Big Bang Boom são corpos sendo sentidos e não corpos sendo vistos; a dança-vestígio que operam e tornam aparente pela e na topologia do papel nos nega um sentido-significado e nos oferece um sentido-direção: a transitoriedade aparenta ser o único modo de permanência; ao desaparecer permaneço como vestígio. Dentro criado é fora destruído; vazio destruído é cheio criado; abandona-se uma blindagem em favor de um possível estado poroso. Na medida em que o corpo que é posse de um eu transforma o papel em sujeito da dança, o sujeito-papel – por sua vez – transforma a noção de posse que esse eu tem sobre o corpo que julga sua propriedade. Da horizontalidade fendida por presenças até a verticalidade imponente do devir-fóssil ao qual temos acesso apenas enquanto vestígio, um labirinto erguido entre os entendimentos de “sujeito” e de “objeto’’ sublinha minha ingenuidade ao tentar entender dicotomicamente tais termos.

Se há momento em que eles se insinuam assim caretões (sujeito de um lado e objeto de outro) é quando, em seu revelar, o corpo está envolto em camadas de significados de fácil aderência: nas roupas. O que se dá a ver é um sujeito que dança; um sujeito que sabe que dança e se prepara para isso, se veste para dançar. Pequena certeza e um tufão de disponibilidade. Talvez até necessária. Sem certeza se pode articular minimante um discurso? Mesmo este discurso sendo um gaguejo?

Dança-labirinto que não coleciona descobertas, mas que em sua transitoriedade formal se depara com porquês.

Dança-branco-nuvem, pontual no manuseio de algo que pode se desfazer ao ser abraçado.

Dança-explosão na qual se engaja para uma deriva.

*Anderson do Carmo é bailarino do Grupo Cena 11 Cia de Dança e pesquisador das artes ligado ao CEART-UDESC. Tem interesse em investigar, ativar e engajar-se em procedimentos que produzam uma dança simples, honesta e elegante.