Onde os membros se encontram: uma conversa com Alice Ripoll

Há mais de dez anos marcando uma presença singular no cenário da dança, a coreógrafa carioca Alice Ripoll apresenta um diversificado repertório, assinando composições instigantes.

Como intérprete, já trabalhou com coreógrafos como Dani Lima, em Coreografia para Prédios, Pedestres e Pombos (2010) e João Saldanha, em Senhora dos Afogados (2011), atuando também como professora e diretora de movimento para peças teatrais.

É diretora da Cia de dança R.E.C., com a qual realizou os espetáculos Cornaca (em parceria com Juliana Medella) e Katana, este último em coprodução com o Festival Panorama, em 2012.

Atualmente assina a direção do espetáculo O princípio da casa dos pombos, primeiro solo da acrobata gaúcha Camila Moura, que estreou dia 7 de junho, no Parque das Ruínas, no bairro carioca de Santa Teresa.

O Idança traz um bate-papo com a coreógrafa, que fala um pouco sobre algumas de suas últimas realizações.

 

Idança: Como surgiu a ideia do solo “O princípio da casa dos pombos”?

Alice Ripoll: A Camila me apresentou uma movimentação que ela estava pesquisando. Logo de cara, alguns elementos se apresentaram como pontos interessantes para serem desenvolvidos. O principal foi uma movimentação lenta, constante, que se alimenta de si própria, mas que nunca é satisfeita.

Fomos então nos aprofundando sobre esta ideia na movimentação e no imaginário. Trabalhamos sobre como nos adaptamos aos fenômenos que são novos ou que se repetem, absorvendo, digerindo, tal como os animais ruminantes que estão em constante processo de mastigação e digestão.

Durante o processo de criação do trabalho eu estava fazendo aulas de dança com o João Saldanha. Um dia, respondendo a uma aluna que sentia um desconforto em uma determinada posição, João disse algo como “Você está procurando uma posição confortável que resolva? Eu ainda não encontrei”. Associei esta questão com o que eu estava desenvolvendo com a Camila, esta busca de ajustes constante, e também um certo desconforto que persiste, dentro dele encontramos lugares bons, onde vivemos coisas intensas, e depois precisamos de novos ajustes.

Tem uma relação forte com a inércia: tanto a inércia do movimento, como se nada pudesse parar aquilo, gerando belas imagens sobre o infinito; quanto à inércia do repouso, onde se experimenta o forte prazer do relaxamento, mas que se não é interrompido pelo dia, pela vida, se aproxima da morte.

 

Idança: O  “Princípio da casa dos pombos” é um conceito da matemática, que diz que se tivermos uma dada quantidade de casas para acomodar tal quantidade mais um pombo, sempre poderemos afirmar que uma dessas casas abriga pelo menos duas aves. Quais as referências presentes neste princípio que contribuíram para a elaboração do espetáculo? Quando foi possível enxergar que ele se encaixava?

Alice Ripoll: Buscamos no nome uma relação com a repetição infinita, situações cíclicas, etc. O “Princípio da casa dos pombos” é um conceito da matemática que, embora trate de uma evidência extremamente elementar, é útil para resolver problemas que envolvem conjuntos infinitos. O nome carrega uma atmosfera de fantasia e humor, e faz referência a um animal também conhecido por realizar um eterno retorno, o “pombo correio”.  Todo pombo retorna geralmente a seu próprio ninho e encontra repetidamente o caminho de volta em longas distâncias.

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Camila Moura em “O princípio da casa dos pombos” Crédito: Renato Mangolin

Idança: Este é o primeiro solo da acrobata gaúcha Camila Moura. Como foi a colaboração entre vocês? Já tinham trabalhado juntas antes?

Alice Ripoll: Eu e Camila nos conhecemos em 2006. Na época eu estava realizando um videodança chamado “Jornada ao Umbigo do Mundo”, com o Alex Cassal. Precisávamos de intérpretes, e a Camila participou do filme. Nessa ocasião ela me contou que trabalhava com circo, especialmente a linguagem da contorção. E o meu trabalho como coreógrafa sempre tendeu para uma pesquisa de um corpo que se dobra, se enrola em si mesmo, onde os membros se encontram em posições inusitadas, estranhas. Então desde essa época, tivemos vontade de realizar um trabalho juntas. No ano passado a Camila me convidou para dirigir um solo para ela, começamos a nos encontrar e pesquisar, até aprovar o projeto no edital de fomento da prefeitura (em Circo).

 

I: Em outro projeto seu, “Katana” (2012), o desafio está presente como tema dentro do universo dos heróis. De que maneira você acha que existe um diálogo com este novo trabalho, no âmbito da criação de formas e movimentos como algo desafiador? Como foi criar propostas tão diferentes?

AR: Realmente, são propostas bem diferentes. Um dos desafios na movimentação da Camila vem do grau de dificuldade das acrobacias e contorções. O artista circense talvez se aproxime do universo fantástico ao almejar coisas impossíveis ou muito virtuosísticas com o corpo. E descobri que o mais interessante de trabalhar com uma linguagem que você não conhece tanto, é que a sua ignorância proporciona um olhar novo sobre aquilo. No caso das posições de contorção, por exemplo, as tiramos do lugar de “fim”, como costuma ser abordado no circo, e botamos no lugar de “meio”, de passagem, a serviço das coreografias ou da teatralidade.

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“Katana”, na 21ª edição do Festival Panorama. Crédito: Andreia Salame

I: Intérprete, criadora e diretora em vários trabalhos, como você enxerga, dentro da perspectiva dança, essas atuações? E como elas se apresentam?

AR: A criação é o que amarra tudo. Quando o processo criativo é o foco, quero dizer, a prática cada vez mais constante do momento onde o corpo e o pensamento estão criando, fica muito parecido estar atuando como intérprete, diretora ou coreógrafa. Ou até pensando no figurino, na trilha, etc. É um estado bem específico que busco atingir cada vez mais. É o lugar da expressão, da crônica, da experimentação. Na minha prática o corpo precisa estar envolvido ao máximo, implicado, vibrando diferente, mesmo que o corpo não esteja presente na obra.

 

I: Você também está envolvida com o projeto “Entrando na dança 2014 – Criações Comunitárias”, em que trabalhará com a criação de um espetáculo com o atual fenômeno do funk, o ‘passinho’. Quais são as suas expectativas em relação a este trabalho?

AR: O primeiro contato que tive com os bailarinos foi fantástico, estou animadíssima com o projeto. O passinho é um fenômeno cultural, artístico e de identidade, é uma explosão de energia, é mais uma amostra da avassaladora potência criativa dos jovens da periferia carioca.

“O princípio da casa dos pombos” fica em cartaz até 19 de julho, aos sábados, no Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas, no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro.

 

Serviço:

O princípio da casa dos pombos, com Camila Moura

Data: 14, 21 e 28 de junho e  5, 12, 19 de julho, aos sábados
Horário: 16h
Local: Centro Cultural Municipal Parques das Ruínas – Rua Murtinho Nobre, 169 – Santa Teresa, RJ
Telefone: (21) 2215-0621 | 2224-3922
Lotação: 80 lugares
Ingressos: Grátis. Distribuição de senhas 30 minutos antes do espetáculo.
Classificação etária: 12 anos
Duração: 60 minutos

Ficha técnica:
Direção: Alice Ripoll | Criação e Interpretação: Camila Moura | Cenário e Figurino: Raquel Theo | Direção musical/Trilha sonora: Daniel Castanheira | Direção de Produção: Carolina Goulart | Preparação Corporal: Julio Nascimento | Professor de Pilates: Cláudio (Espaço Pylates) | Iluminação/desenho de luz: Andréa Capella | Design gráfico/arte: Roberto Unterladstaetter | Fotos: Renato Mangolin | Vídeo: Renato de Paula | Assessoria de Imprensa: Mônica Riani