Os objetos invisíveis de Guedes | The invisible objects of Guedes

Radicar Materiais Diversos (2003) na definição dança sugere uma recusa à reflexão acerca do papel do espaço, do corpo, do criador e espectador num objecto artístico. Esta proposta de Tiago Guedes trabalha precisamente a necessidade dos elementos reagirem e trabalharem entre si.
No limite, Materiais Diversos permanece inclassificável, não sendo teatro ou dança, mas antes um discurso criativo sobre a falibilidade das definições, reconhecendo então uma nova dimensão de prazer, entrega e partilha.

Assente numa procura sobre a funcionalidade do gesto, o espectáculo parece questionar-se sobre o modo como o espectador se prepara para a recepção de uma proposta artística, no que isso possa representar uma disponibilidade ausente de expectativas, interpretações e comparações. Este discurso centra-se a um outro nível (talvez emocional) que força o espectador a ser cúmplice num jogo pré-calculado, cuja margem de erro é reduzida. Aqui promove-se um bem-humorado e lúdico esquema através de uma libertação dessas interpretações impostas. Materiais Diversos quer propor leituras, em vez de forçar uma.

Podendo ser visto como um intra-díptico que se desenvolve numa estrutura de permanente ilusão, aproxima-se de uma lógica de teatro convencional, estabelecendo uma espécie de realidade paralela que se ancora na crença do espectador. No entanto, este jogo de espelhos em que Materiais Diversos se apresenta (os materiais que Tiago Guedes manipula ao longo do espectáculo, 1º de forma invisível, depois dando a ver o que já lá estava), não significa que dependa de forma opressiva da relação espectador-criador, mas antes reclama um lugar para o corpo social e a sua inerente volatibilidade.

Será talvez por isso que o coreógrafo se deixa cair para o meio do lixo.
Seremos todos uma espécie de utensílios e importa menos a forma, mas antes a universalidade dos gestos.
Nesse sentido, antes que possamos afirmar que é uma proposta de dança, deveremos olhá-la como um cruzamento de universos performáticos partilhados por um conjunto vasto de criações não só de dança. Ultrapassando determinados pré-conceitos, seremos capazes de receber esta proposta como uma metáfora acerca da dimensão finita do corpo, não só pensada na influência que exerce na recepção da mesma, mas estabelecendo um outro filtro de realidade.

A percepção desta dimensão transporta o espectador para um outro nível de crítica e questionamento acerca das fronteiras de uma performance como objecto artístico. Mas também um olhar sobre o modo como se processam reflexões acerca do quotidiano e do lugar da arte nesse quotidiano.

Tiago Bartolomeu Costa* é produtor de teatro e escreve o blog O Melhor Anjo.

It is easier to classify Materiais Diversos (Various Materials) as a dance proposal than allow it to become a reflexion about the setting, the body, the creator and the viewer in an artistic object. Tiago Guedes’s performance works upon that precise need of definition forcing the elements to react for and between themselves. In a final analysis, Materiais Diversos remains unclassifiable – not being dance nor theatre -, setting itself as a creative statement about the fallibility of those definitions, recognising otherwise, a new dimension of pleasure, willingness and sharing.

In its search to understand the gestures’ functionality, Materiais Diversos seems to ask himself to what extent is the viewer ready to receive a proposal that demands an absence of expectations, interpretations and comparisons. What Tiago Guedes develops is a poetic speech about the nature of the gesture and its need to belong to choreography. This speech is set on an intellectual level forcing the viewer to be an accomplice, watching a pre-calculated game leaving a tight margin for error. A well-humoured and playful scheme bet on freeing himself of imposed interpretations. It means to suggest, not to force.

Materiais Diversos can be seen as an inner-diptic, creating an eminently illusory structure and approaching a conventional theatre as it creates a parallel reality anchored on the viewer’s belief. For that matter, before we can state that Materiais Diversos is a dance proposition, we should look at it as a summoning of performed universes shared by the plurality of the stage works.

The inner understanding of this show takes us to a whole new level of criticism and questioning about the performance’s dimension as an art form, inside and outside our daily life’s and, to its furthest extent, as a means to rethink the quotidian through art.

Overcoming all mandatory and safe definitions, we will be able to accept Tiago Guedes’ piece as a metaphor for the body’s endless dimension as an influence receiver and reality filter. This game of mirrors in which Materiais Diversos evolves doesn’t mean, nevertheless, that the show depends upon the correlation performer-viewer, as we tried to clarify before, claiming, instead, a place for the social body and its unavoidable volatility. Hence the reason why Tiago Guedes throws himself to the garbage at the end of Materiais Diversos. We are all characters, and he doesn’t care so much for the story as he cares for the way its universality is shown.

Tiago Bartolomeu Costa* is theater producer and the owner of the weblog O Melhor Anjo.