Outras Formas de olhar a dança popular

A relação entre arte e entretenimento é uma das questões centrais levantadas pelo espetáculo Outras Formas, de Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira, apresentado em fevereiro, no X Festival Nova Dança de Brasília. A dupla leva para palco os bastidores da dança popular, especificamente do frevo, apresentando outra forma de olhar o folguedo, além do que é visto pelos turistas no carnaval.

No espetáculo Outras Formas, os intérpretes dialogam com a estética do frevo, sem precisar recorrer ao passo ou ao formato do espetáculo popular. Movimentos saltitados, repetidos, virtuosos e rápidos é o que invoca a presença desta dança em cena, estabelecendo um dialogo com imagens e iluminação presentes nas obras do artista plástico inglês Richard Hamilton.

Ao longo da apresentação, o duo vai assumindo o tom crítico do discurso do mestre Nascimento do Passo, presente na trilha sonora. Retirado do livro Danças Populares como Espetáculo Público no Recife de 1970 a 1988, de Goretti Rocha, o depoimento de Nascimento questiona a sub valorização do frevo, vista apenas como dança de entretenimento e não como arte.

A discussão a respeito da valorização da cultura popular está presente na trajetória artística de Ângelo Madureira desde do início, quando integrante do Balé Popular do Recife. O grupo, fundado em 1977, foi responsável pela difusão das danças populares na sociedade pernambucana. O Balé Popular, liderado por André Madureira, tem um longo trabalho de pesquisa dos folguedos tradicionais, recriando sua movimentação para a cena e difundindo seus passos através de oficinas, utilizando uma nova metodologia, chamada Brasílica.

Ângelo dá continuidade ao trabalho da família Madureira, ao fundar em São Paulo a Escola Brasílica (2000). O seu encontro, e intercâmbio, com a bailarina clássica Ana Catarina Vieira levou para outro âmbito artístico a discussão acerca das culturas populares.

No primeiro espetáculo da dupla, chamado Somtir, os intérpretes discutiram o tema usando recursos cênicos recorrentes das manifestações populares, tocando instrumentos ao vivo e improvisando textos. Outras Formas mantém uma relação mais sutil com a linguagem da dança popular, porém mais inventiva. Questões presentes em Somtir foram aprofundadas, e apresentadas com mais clareza no segundo espetáculo.

A maior satisfação é observar que a dupla vem construindo uma linguagem corporal própria, baseada nas influências estéticas das duas carreiras. É a intenção do movimento que revela a presença do frevo, do maracatu ou da dança moderna incorporados pelos intérpretes. Ao primeiro olhar, a movimentação não parece diferente do que é apresentado por muitos grupos de dança contemporânea. Mas é o pensamento por trás da criação que revela uma linguagem autêntica, a qual nem mesmo os criadores sabem dar nome.

* Liana Gesteira é bailarina, jornalista e pesquisadora do Acervo Recordança.