Pantanal torna-se palco para a dança durante o Festival América do Sul

O Festival América do Sul (FAS) ocorreu de 1 a 5 de maio, em Corumbá, interior de Mato Grosso do Sul. A cidade faz fronteira com a Bolívia e fica na região sul do Pantanal, maior planície alagada do planeta. O Festival, que já teve dez edições, é produzido pela Fundação de Cultura de MS e envolve apresentações de dança, circo, teatro, música, exposição de artesanato, exibição de filmes, artes plásticas, fotografias, palestras e oficinas com artistas de países da América do Sul.

Distante cerca de 440 quilômetros da capital Campo Grande, Corumbá é um dos maiores municípios em extensão do Brasil – é mais extenso, por exemplo, que o território da Holanda – e povoado por cerca de 105 mil habitantes. Habitualmente, o calor é de quase 40 graus e o pôr do sol tem qualquer coisa de espetacular, principalmente se visto da Praça Generoso Ponce, de frente para o Rio Paraguai, por cima de onde os pássaros cantam em revoada nos fins das tardes.

Foto: Júlia Miranda

Foto: Júlia Miranda

Atualmente não há grupo ou companhia de dança profissional na cidade. A produção está centrada em iniciativas de educação e acesso à cultura, como o projeto Oficina de Dança, da prefeitura, que atende cerca de 600 pessoas entre crianças, adolescentes e idosos e o Instituto Moinho Cultural Sul-Americano, ação social de ensino de dança e música a 360 crianças e adolescentes de Corumbá e das cidades bolivianas vizinhas, Puerto Suarez e Puerto Quijarro, patrocinada pela mineradora Vale.

A presidente da Fundação de Cultura e vice-prefeita, Márcia Rolon, considera importante que a dança profissional ganhe espaço em Corumbá e acredita que a criação de uma Cia. Municipal seja o caminho: “estamos tentando montar uma Cia. Municipal com patrocínio e apoio do Município. Vai ser um grupo pequeno de 8 a 10 bailarinos selecionados por uma banca. Além disso, temos que incentivar grupos independentes a captarem recursos”, afirma.

 A dança no festival

O FAS é uma das poucas oportunidades para o público corumbaense assistir a companhias de fora do estado e do país. “Corumbá é longe. Para chegar até Campo Grande, por exemplo, são mais de seis horas de viagem de ônibus, por isso é raro que o pessoal daqui vá ver dança em outros lugares. Hoje, os dois principais eventos que acontecem aqui envolvendo dança são o Corumbá em Dança, que contempla mais a dança local, e o Festival América do Sul, que traz artistas de fora”, explica Meire Freitas, psicóloga, mestre em educação e dançarina, que atuou na Oficina de Dança até o ano passado.

Este ano, cinco companhias de dança integraram a programação do FAS. As apresentações aconteceram nas ruas da cidade e em um palco, ao ar livre, numa região com vista privilegiada para o porto e o rio. A paisagem é linda e o calor é ardido e úmido. Os pássaros e também os mosquitos sempre aparecem. O público ficava em pé na frente do palco e alguns moradores assistiam de suas sacadas.

 Espetáculos

A L’explose Danza Contemporánea, da Colômbia, apresentou “Por quién lloran mis amores?”. Coreografado e dirigido por Tino Fernández, o espetáculo aborda o universo feminino. A intérprete Luisa Fernanda Hoyos constrói, seminua, caminhos e dança entre 300 copos de cristal em um jogo de risco. A apresentação, em um palco alto, dificultou a visualização do público: “a obra originalmente foi feita para que o público visse de cima, então fizemos algumas mudanças na coreografia. Mas foi especial, o público foi receptivo, se conectou com a obra”, afirma a intérprete.

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Foto: Everson Tavares

Não foi a primeira vez que a L’explose se apresentou no Brasil, já estiveram em outras cidades brasileiras. A diretora de dramaturgia, Juliana Reyes, considerou a apresentação em Corumbá importante: “me pareceu interessante o festival ser pensado como um evento da América do Sul. Reconhecer os países que estão mais próximos é uma coisa bela. O Brasil é um lugar muito interessante para a dança contemporânea. É sempre bom voltar aqui, sobretudo porque vemos uma força, uma potência. O vínculo entre Brasil e Colômbia na dança vem se estreitando.”.

A Focus Cia. de Dança, do Rio de Janeiro, apresentou o espetáculo “As canções que você dançou pra mim”, dirigido e coreografado por Alex Neoral. No palco, quatro casais são embalados por um grande pout-pourri com 72 canções de Roberto Carlos. A música foi o estímulo principal para a criação: “durante nossas viagens, brincamos muito de um jogo em que você canta uma música e o outro precisa cantar outra que comece com a mesma palavra que a sua música terminou. Então pensei nas músicas do Roberto Carlos e em como as canções poderiam emendar umas nas outras.”, explicou Alex.

Foto: Everson Tavares

Foto: Everson Tavares

A apresentação teve clima de descontração e brincadeira. Os movimentos dos bailarinos remetiam ao ballet clássico e jazz dance. O público, de pé em frente ao palco, também dançou e cantou. Um senhor de cerca de 60 anos, de boné, bigode e sandálias, cantava com sentimento e arriscava uma movimentação livre e orgânica.

A Cia. do Mato, de Campo Grande, apresentou o espetáculo “A meu ver”. Criado e dirigido por Chico Neller, um dos coreógrafos mais importantes do estado. A música forte e melodiosa, os tons sóbrios dos figurinos e a movimentação que passava de uma dança mais lírica a movimentos mais articulados, criaram clima de concentração na plateia.

A Cia. Juvenil Moinho Cultural Sul-Americano, de Corumbá, encerrou as apresentações de dança do festival com o espetáculo “O lado de dentro”, uma homenagem ao músico e compositor Geraldo Espíndola. A Cia., composta pelos alunos de dança do instituto, se apresenta regularmente durante as edições do FAS. A bailarina Lavínia Aparecida Rodrigues da Silva, 15 anos, ressalta a importância do evento para eles: “durante o festival nós vemos coisas diferentes, podemos mostrar nosso trabalho para os turistas que vêm participar e temos um pouco de contato com os bailarinos de outros lugares.”.

Além das apresentações no palco, o centro de Corumbá recebeu “Sem cerimônia: ser cidade”, uma intervenção itinerante do Conectivo Corpomancia, de Campo Grande. O projeto foi contemplado pelo Prêmio Funarte Artes na Rua 2011 e foi pensado para interferir no cotidiano da cidade explorando a fronteira entre movimentos cotidianos e dança. O público acompanhou os artistas por um circuito de performances entre os corpos e a cidade de Corumbá – suas calçadas, canteiros, vitrines, postes, faixas de pedestre.

No final da última performance, o sol sumia no horizonte enquanto uma das intérpretes se equilibrava em uma linha traçada com giz no chão, onde também estava escrito “tudo que é sólido desmancha no ar”. Sem ensaio, garis da cidade começaram a se aproximar com aquela elegância própria dos agentes de limpeza da cidade, que vestem laranja e mesmo assim são discretos e sutis. Entraram na cena silenciosamente, como se fosse a deixa para finalizar. A atmosfera de Corumbá muitas vezes é mágica.