Papo de adolescente

A formação de público se apresenta como uma preocupação constante para os artistas de dança contemporânea e, analisando o perfil do público brasileiro desse segmento, percebemos uma ausência de adolescentes. A platéia geralmente se concentra numa faixa etária dos 20 aos 50 anos, o que demonstra também uma ausência de pessoas mais velhas e crianças. Mas gostaria de discutir nesse artigo o diálogo entre a dança e o público adolescente.

A falta do espectador entre os 12 e 18 anos nos espetáculos de dança contemporânea me surpreende, pois vejo nessa faixa etária uma platéia em potencial. A imagem e o movimento se fazem sempre presentes nas atividades de entretenimento dos adolescentes brasileiros, através da televisão, do computador, dos videogames. E a dança contemporânea vem promovendo uma interação diferenciada com o espectador, e com as novas tecnologias, que me parece ter apelo para conquistar uma platéia adolescente.

“Ao contrário da grande maioria dos adultos de hoje que aprenderam a se comunicar com o mundo por meio da cultura do livro, ou seja, pelo processo do pensamento lógico e racional sobre o mundo, as gerações jovens experimentam e compreendem-no primordialmente por meio das sensações”[1]. Esta citação de Isabel Marques, em seu livro Dançando na Escola, reforça a idéia de que a dança contemporânea feita no Brasil hoje traz elementos de interesse para um público adolescente, visto que esta arte tem cada vez mais trabalhado com o universo da improvisação, do sensório, se afastando um pouco da lógica narrativa .

Claro que esta premissa precisaria de mais estudos e aprofundamentos para sua fundamentação, o que não pretendo fazer neste momento. Por enquanto é uma superficial observação que me serviu como ponto de partida para refletir como promover um maior diálogo da dança contemporânea com o espectador adolescente.
A formação artística oferecida nas escolas é um ponto a ser pensado nesse contexto. Como o próprio livro de Isabel Marques aponta, a disseminação da dança nas escolas não promove uma conexão entre o conteúdo das aulas e a realidade de seus estudantes. Existe ainda uma prática pedagógica ultrapassada, que não promove o desenvolvimento artístico-crítico do aluno.

Outra questão a ser refletida é sobre a ‘cultura de ir ao teatro’ (se referindo ao teatro como o espaço físico onde espetáculos são apresentados). A vida social dos adolescentes não inclui uma programação no teatro. Os shoppings, cinemas e boates são os pontos mais freqüentados por esse perfil de público. Dentro do contexto sócio-cultural do país podemos detectar uma lacuna na formação do brasileiro, que até tem contato com o teatro quando criança, mas depois se desvincula completamente dessa prática, só retornado a freqüentar espetáculos na vida adulta.

Diante dessa realidade me deparei com o projeto A Escola vai ao Teatro – Arte-educação através da Dança, promovido pela Anti Status Quo Companhia de Dança (ASQ), de Brasília. A iniciativa compreende na realização de atividades de apreciação estética, análise crítica e aulas práticas de dança para alunos do ensino fundamental e médio de escolas públicas do Distrito Federal.

O projeto foi construído em cima da Abordagem Triangular do ensino das artes, sistematizado por Ana Mae Barbosa. Segundo a diretora e coreógrafa da ASQ, Luciana Lara, a metodologia do projeto se baseia em três ações básicas: o contextualizar, o apreciar e o fazer. Com esse pensamento a Companhia implantou um projeto que promoveu o deslocamento do aluno da escola para o teatro, e o envolveu em quatro horas de atividades. Na programação, o aluno pôde assistir um vídeo sobre a dança feita em diferentes contextos e várias partes do mundo; falar sobre a sua experiência com dança; assistir ao espetáculo “Coisas de Cartum” da ASQ; fazer uma apreciação crítica da apresentação; e no fim participar de uma aula de dança junto com a companhia.

A iniciativa se demonstrou uma eficiente e importante ação de aproximação do público adolescente com a dança contemporânea. Ao acompanhar as atividades desenvolvidas pelo projeto, na temporada de duas semanas realizadas em novembro de 2006, percebi como a intersecção das diferentes atividades promoveu um diálogo real entre os alunos das escolas e os artistas participantes do projeto.

Ao intercalar atividades de apreciação com debates foi possível perceber no aluno a constante necessidade de buscar no seu mundo formas de entender o que estava sendo apresentado de novo. As referências ajudaram na reflexão sobre sua relação com a dança no cotidiano e a descoberta de uma dança expressada como arte. E no final, o aluno teve como experiência prática de uma aula de dança com os integrantes da ASQ. “É por meio de nossos corpos, dançando, que os sentimentos cognitivos se integram aos processos mentais e que podemos compreender o mundo de forma diferenciada, ou seja, artística e estética” [2].

Outro ponto importante do projeto é o estímulo ao público adolescente em freqüentar os teatros. Em sua primeira edição, em 2004, o projeto envolveu cerca de 2.400 alunos. Em 2006, o projeto levou 3.600 alunos para o Teatro Plínio Marcos, onde foram desenvolvidas as atividades. Infelizmente a iniciativa não se caracteriza como uma ação contínua, sendo feita de forma pontual, dependente do patrocínio de empresas ou de incentivos culturais para sua realização.

No texto de apresentação do folder do projeto, a Companhia critica a falta de ação governamental para implementar uma das premissas básicas da educação que consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais: “promover o contato (do aluno) com a produção artística, excursões a teatros e galerias”. O projeto A Escola vai ao Teatro – Arte-educação através da Dança se coloca como uma iniciativa importante de suprir uma lacuna de política educacional, promovendo ações importantes de diálogo entre o público adolescente e a arte.
Notas:

[1] Marques, Isabel A. Dançando na Escola. 2º Edição – São Paulo: Cortez, 2005.

[2] Idem.