Para dialogar com Peirce | For a dialogue with Peirce

A dissertação de mestrado onde este trecho foi tirado teve sua defesa na Universidade Tuiuti do Paraná – Curitiba no dia 31 de julho de 2003. O texto completo está disponível na Biblioteca da Universidade Tuiuti do Paraná – Campus Barigüi.

A Teoria Semiótica como teoria de estudo dos signos, possibilita, na relação com a dança, identificar e analisar os signos coreográficos, apresentando suas múltiplas dimensões e níveis interpretativos. No diálogo com a dança, sua importância está diretamente ligada à inteligibilidade do discurso artístico.

A semiose como processo de auto-geração sígnica, manifesta-se na dança a cada ação desenvolvida em cena, a cada situação criada pelo movimento entre os dançarinos, nas suas relações com o espaço, com o tempo e com a sonoridade. Cria uma trama integrando continuamente novos traços de relações entre os signos e a leitura do discurso coreográfico é elaborada ao longo deste processo.

Na relação entre signos e sentidos, a Teoria Semiótica de Charles Sanders Peirce destaca três pólos de ação: o signo, o objeto e o interpretante, determinando, portanto, que a significação está condicionada à relação triádica entre eles.A leitura do discurso coreográfico é alcançada pelos diferentes níveis de interpretação dos signos enquanto unidades comunicativas, signos específicos da composição, que no desenvolvimento da comunicação, se articulam entre si e com os sujeitos envolvidos com a produção (criador), emissão (dançarino intérprete) e recepção das mensagens (espectador).

Segundo a Teoria Semiótica Peirceana, a interpretação envolve três etapas distintas na ação dos signos com o objeto e interpretante: primeiridade, secundidade e terceiridade. Essas etapas conduzem a ação do interpretante desde o primeiro contato com o signo coreográfico, provocando uma sensação (primeiridade), até a representação simbólica do signo (terceiridade), passando por uma etapa intermediária (secundidade), na qual é possível identificar o signo como algo existente, concreto, inserido no contexto em que se manifesta, e anterior à determinação do seu significado.

Enfocando diretamente o movimento corporal como signo, o contexto coreográfico como objeto, e o espectador como interpretante, delineia-se neste estudo, um percurso de identificação dos sentidos do movimento corporal num diálogo com as tricotomias, conforme o sujeito que o cria ou apreende.

O ícone é um signo da primeiridade, e na dança, aparece como uma qualidade de sentimento, busca sua configuração, mas sem a intenção de formatar algo de maneira interpretativa. É ícone para o coreógrafo na sua fase de experimentação, na qual existe apenas uma idéia visual de movimento. Como signo em si mesmo, apresenta suas propriedades: aspectos formais como amplitude, velocidade, graus de utilização de energia e desenho espacial, como qualidades em si mesmas, independente de qualquer relação com algo exterior. A partir da visualidade que se instaura, o movimento como signo, apenas provoca uma sensação, nada mais.Para o dançarino intérprete, o movimento como ícone é identificado no instante imediato da aprendizagem, em que praticamente copia, repete a movimentação do coreógrafo, mas sem relação direta com seu próprio corpo ou com a narrativa ou contexto; neste momento o dançarino apenas sente a movimentação e pretende dar forma ao que é proposto, sem conexão com o pensamento, a intuição ou o juízo, com a intenção de racionalizar a experimentação motora numa convenção.

Para o espectador, o movimento corporal num primeiro momento, também é ícone porque, como imagem visual traz apenas o desenho, a plástica, o fluxo dos gestos; o espectador percebe apenas, os efeitos do movimento.

Como índice, o movimento “é um signo que se refere ao Objeto que denota em virtude de ser realmente afetado por esse Objeto”, segundo Peirce, que formulou a Semiótica que estamos trabalhando neste artigo. É um signo da secundidade. Torna-se índice para o coreógrafo, quando tem relação direta com o tema em desenvolvimento, informando sobre algo contextual existente. É quando sua forma começa a aparecer; uma idéia se faz presente na relação com o objeto corpo e com o contexto.

Como índice para o dançarino intérprete, se configura no momento em que, tendo seu corpo assimilado a mecânica do movimento, busca alguma idéia que já pode estar conectada com o tema; o seu corpo começa a perceber o movimento como algo existente. As ações passam a ser concretas em relação à motricidade.Ao espectador, o movimento pode chegar a ser indicial, a partir de um contato mais direto com seus sistemas perceptivos, embora sem a identificação específica do que realmente se trata; apenas a sugestão de um contexto externo que sustenta o movimento. Durante todo o desenvolvimento da coreografia, o movimento aponta para algo, sugere que se faça uma leitura.

Na terceiridade o signo passa a ser simbólico. “O símbolo é um signo cuja virtude está na generalidade da lei, regra, hábito ou convenção […]”, na definição de Santaella. O movimento é símbolo para o coreógrafo, quando convencionado ao contexto narrativo, ao discurso coreográfico; quando experimentado, estudado, escolhido como convenção.

Na relação com o objeto – corpo, é símbolo quando o dançarino consegue realmente estabelecer um processo interpretativo e elabora, com a sua linguagem corporal e experiência, um movimento formal, convencionado para comunicar aquela idéia ou fato específico do contexto coreográfico. O dançarino intérprete compreende a temática e a incorpora nesse movimento formal.

Na relação com espectador, a conexão da imagem com o seu repertório possibilita que aquele movimento corporal visualizado nos corpos dos dançarinos, passe a simbolizar algo verdadeiro. No entanto, nem sempre um espectador consegue chegar ao nível simbólico assistindo à coreografia uma única vez, pois entram em rede comunicacional os níveis interpretativos, perceptivos, experiência e repertório.

* Para referências bibliográficas, consultar
PACHECO, G. K. O discurso coreográfico e suas unidades comunicativas. Dissertação de Mestrado. Curitiba, Universidade Tuiuti do Paraná, 2003.
PEIRCE, C. S. Semiótica. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.
SANTAELLA, L. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Editora Pioneira, 2000.Gisele Kliemann Pacheco – Professor of Communication and Languages at Tuiuti University of Paraná, and Professor of Modern Dance at The School of Music and Fine Arts of Paraná.Pacheco’s entire thesis, “O discurso coreográfico e suas unidades comunicativas” (“The choreographic discourse and its communicative units”) can be found at the Tuiuti University of Paraná Library – (Barigüi).The following is a summary of the thesis.

This Master´s thesis was written as part of the requirements for the post-graduate degree in Communication and Languages at the School of Applied Social Sciences of Tuiuti University of Paraná. The objective of this thesis is to investigate the possibilities of dialogue between Semiotic Theory and Dance, thus proposing the identification of choreographic signs and their classification in semiotic categories.

The thesis addresses the contemporary dance of the 20th century with the vocabulary of the poetical, identifying bodily movement, space, time and sonority as signs of choreographic discourse and classifying these signs based on the Semiotic Theory of Charles Sanders Peirce. Peirce´s theory is based on three categories: the “first” (the sensitive and qualititative), “second” (the experience, the event) and “third” (reason) in the precursory of the construction of feelings. It further deals with the elaboration of meaning as a continuous process of semiosis during which choreographic signs articulate themselves and form a structurally organized web that configures choreography.

It is within this web that choreographic discourse is developed, with the visualization of bodily movements as an element of the “bookkeeping” of dance and integrated into a poetic dialogue with other choreographic signs and with bodily, visual and sonorous languages. The thesis describes choreographic discourse as an open system of meaning in which the feelings generated by the syntax of signs depend on perception, repertoire, context and the interpretative capacity of the subjects- the choreographer, the interpretive dancer and the spectator, who are all involved in the process of communication. The theory regards the image as undergoing a process of diversity in its reading, differentiating the tri-dimensional dance performed in front of a live audience, (in other words, in the singular space and time that it occurs), from the dance that is represented in photography or video in the sense of emphasizing the importance of physical support for the reading of the discourse.

As an illustration of the possibilities of applying Peirce´s Semiotic Theory to the classification of choreographic signs, the thesis includes a case study. In this study, the reading is carried out by means of photographic and video images, delimiting iconic, indicatory and symbolic aspects in choreographic discourse so as to demonstrate the progressive precursor of sign identification to the action of the interpreter as a continuous aspect of the process of meaning in addition to sustaining the possibility of dialogue between Semiotics and Dance.

Key words: Semiotics; Meaning; Dance; Signs; Choreographic Discourse.