Ai, Ai, Ai, de Marcelo Evelin / Foto: Rogério Ortiz

Pela sustentabilidade na dança | Seeking sustainability for dance

A 10ª edição do Panorama SESI de Dança, que aconteceu entre os dias 5 e 15 de agosto, em São Paulo, teve algumas particularidades que merecem ser destacadas. A começar pela curadoria compartilhada entre Christine Greiner, professora do Departamento de Artes do Corpo da PUC, e a produtora Gabriela Gonçalves. “Nós, pesquisadores da arte contemporânea, temos observado uma contaminação entre os papeis, que não são mais tão necessariamente individualizados”, disse Christine Greiner em entrevista ao idança. “E resolvemos testar isso na prática para ver se daria certo”.

Outra diferença desta edição foi a escolha dos artistas. Em dez dias de programação, com duas apresentações em cinco deles, havia no total nove artistas (ou grupos de artistas). Ou seja, tratou-se de preencher o espaço promovido pelo SESI com artistas que, de alguma forma, dialogassem entre si, dando ao espectador e aos próprios artistas a possibilidade de entrarem mais profundamente em contato com as questões propostas pelos espetáculos.

Na primeira semana, por exemplo, o trabalho das cariocas Marcela Levi e Denise Stutz e Felipe Ribeiro dialogavam com o vídeo dança Carta branca à Lia Rodrigues, já que as duas tiveram passagem pela Lia Rodrigues Companhia de Danças. Já Marcelo Evelin trouxe do Piauí dois momentos-chave do seu trabalho, o solo Ai, Ai, Ai, que há 15 anos marcou fortemente a sua trajetória, e Mono, peça fundamental na sua atual fase à frente do Núcleo do Dirceu. Desta vez, os solos autônomos criados em Mono foram testados no formato de palco. Os três intérpretes-criadores (com seus respectivos mentores fictícios – Joseph Beuys, Nijinsky e Hijikata) colocaram-se em três palcos distintos enquanto o público podia eleger se assistia às obras da plateia ou do palco. “Não estou mais convencido de uma forma de espetáculo com começo, meio e fim acontecendo num palco”, disse Marcelo Evelin. “Tenho pensado em como explorar o meu pensamento de dança em outros formatos, tentando chegar mais próximo do que eu busco e do público”.

A segunda semana do Panorama começou com outros dois solos, Delírio, de Ângelo Madureira, e Como superar o grande cansaço, de Eduardo Fukushima. O mais jovem criador do Panorama não por acaso ilustra a capa do catálogo deste ano, indicando a continuidade da pesquisa em dança. Uma escolha muito acertada da curadoria, que não só evidenciou o contraste entre os dois artistas, como suas semelhanças. Em Delírio, Ângelo apresenta o virtuosismo das danças populares permeadas por uma narrativa onírica, enquanto Eduardo dança o cansaço em movimentos abstratos e quase automatizados. No entanto, os dois, que trabalharam juntos em Baseado em fatos reais, de Ângelo e Ana Catarina Vieira, trazem consigo uma insistência de movimentos que levam à criação e à projeção de futuro. Este, seguido do solo de Marcelo Evelin, talvez tenha sido o segundo ponto alto do Panorama, lotando o teatro do SESI numa terça-feira paulistana.

Ai, Ai, Ai, de Marcelo Evelin / Foto: Rogério Ortiz

'Ai, Ai, Ai' / Foto: Rogério Ortiz

Na noite seguinte, foi apresentado Clandestino, de Ângelo e Ana Catarina Vieira, obra onde os dois começaram a discutir questões acerca do que eles chamam de ‘público turista’. Depois dele, viriam desdobramentos destas questões em espetáculos como O nome científico da formiga, O animal mais forte do mundo, SomtirBaseado em fatos reais. “Muitas vezes o público sai de casa para ver um espetáculo novo, mas não é bem assim que acontece, pois já existe uma pré-disponibilidade, e até mesmo um preconceito sobre o que vai assistir”, diz Ângelo. “Em Clandestino resolvemos adotar este posicionamento político”. e

Na mesma noite, Vera Sala refez para o Panorama Estudo para Macabéa, e na noite seguinte, Corpos ilhados, obra que aponta para as instalações que viriam a seguir na sua carreira. Mais um ponto alto do Panorama, que contou ainda com a remontagem de Guia de ideias correlatas, do grupo catarinense Cena 11, e com a presença de Cláudia Müller tangenciando as artes plásticas. Numa época em que muito se fala em sustentabilidade (ecológica, econômica, humana), o Panorama conseguiu criar um ambiente onde o entendimento de dança pode ser reciclado a partir de uma rede de ideias que se comunicam e se renovam a todo momento. Os criadores podendo evoluir a partir da atualização de antigas ideias-chave, e o público podendo construir também um pensamento (sustentável) de dança.

Abaixo, assista à video-reportagem feita por Debora durante o Panorama SESI:

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=OcfcpA8L3p4[/youtube]

Deborah Rocha é jornalista e dançarina de Dança Clássica Odissi.

Leia também: Panorama Sesi tem curadoria compartilhada

The 10th edition of Panorama SESI de Dança took place between August 5 and 15, in São Paulo, and had some specificities that deserve to be pointed out. For starters, the curatorship was shared among Christine Greiner, a professor at the Arts of the Body Department of PUC, and Gabriela Gonçalves. “We, researchers of contemporary art, have observed a contamination between different roles that are not necessarily individualized anymore”, said Christine Greiner in an interview for idança. “And we decided to put this into practice to see if it would work”.

Another difference in this edition was the selection of participating artists. In the ten-day program, with two presentations in five of them, there was a total of nine artists (or groups of artists). That means the festival gathered artists that somehow dialogued each other, providing the possibility for them to get in touch deeply with the issues proposed by the pieces.

In the first week, for instance, the works of Marcela Levi and Denise Stutz and Felipe Ribeiro dialogued with the videodance Carta Branca à Lia Rodrigues, since both women were once members of Lia Rodrigues Companhia de Danças. Marcelo Evelin brought two important pieces of his work from Piaui. The solo Ai, Ai, Ai, which strongly marked his career 15 years ago and Mono, an essential piece of his current moment ahead of Núcleo do Dirceu. This time, the independent solos created for Mono were tested in a stage format. The performers (with their respective fictional mentors – Joseph Beuys, Nijinsky and Hijikata) placed themselves on three different stages while the spectators were allowed to choose watching the piece from the stage or the audience. “I’m not convinced anymore about a show format with beginning, middle and end taking place on a stage”, said Marcelo Evelin. “I’ve been thinking about how to explore my conceptions about dance in other formats, trying to come closer to what I´m searching and to the audience”.

The second week of Panorama started with two other solos, Ângelo Madureira’s Delírio and Eduardo Fukushima´s Como superar o grande cansaço. Not by chance, the youngest creator at Panorama is on the cover of this year´s catalogue, indicating the continuity of the dance research. A very wise choice of the curators made clear not only the contrast between both artists, but also their similarities. In Delírio, Ângelo presents the virtuosity of popular dances through a dreamlike narrative, while Eduardo dances fatigue in abstract movements that are almost automatic. However, both artists, who worked together in Ângelo and Ana Catarina Vieira’s Baseado em fatos reais, bring along persistence of movements that lead to creation and projection of the future. Followed by Marcelo Evelin’s solo, this was probably the highlight of Panorama, filling up the theater on a Tuesday night.

On the following evening, Ângelo and Ana Catarina Vieira performed Clandestino, a piece in which they started to discuss issues regarding what they call “tourist audience”. After that, came developments of those issues in shows like O Nome Científico da Formiga, O Animal mais forte do Mundo, Somtir e Baseado em fatos Reais. “The audience often leave the house to see a new show, but that´s not what happens, because there’s always some pre-availability and even a pre-conception about what they will see”, says Ângelo. “In Clandestino, we decided to adopt this political stance”.

In the same evening, Vera Sala, remade Estudos para Macabéa for Panorama. In the following evening, she presented Corpos Ilhados, a piece that indicates the installations that later became part of her career. Other highlights were the re-staging of Cena 11’s Guia de Ideias Correlata and the presence of Cláudia Müller grazing visual arts. In a time when there´s much debate about sustainability (environmental, economic, human), Panorama was able to create an environment where the understanding that dance can be recycled from a network of ideas that communicate with each other and renew themselves at every moment. The creators are able to evolve from the actualization of old ideas and the audience can also build a (sustainable) thinking about dance.