Pensar alguns bons motivos… | Some good reasons…

Impossível deixar o II Seminário Internacional de Economia da Dança, ocorrido no Rio de Janeiro nos dias 9, 10 e 11 de novembro, sem inúmeras questões – antigas e novas -, sem se remexer com as falas dos convidados perpassando os eixos temáticos escolhidos para o encontro. Helena Katz nos trouxe a importância de se construir um discurso que venha responder indagações correntes quando se pensa a dança em uma lógica de produto-consumo e não de processo-criação, reverberando a fala de Canclini na urgência de se criar o que ele denominou de uma agenda de tarefas. Esclarecedora e instigante ainda é pensar na fala de Christophe Wavelet quando nos diz que “o poder de uma obra de arte não pode ser diminuído pelas grandes mídias e pelos políticos que nos governam”, questionando até que ponto os festivais fazem o jogo do entretenimento e do turismo globalizado, e nos levam a ignorar que uma obra de arte, em sua experiência estética, é uma proposição de estranhamento e não pode ser um ato de consumo sumário. Revigoradora a escuta dos relatos e alertas apresentados no evento, nos quais presenciamos a força de se rememorar algumas conquistas e a exposição de desafios gritantes como as questões da informalidade e a importância do trato conceitual das situações vividas.

No trabalho de grupo, os desdobramentos surgiram na detecção da relevância e urgência de se promover a formação e o fortalecimento da comunidade, através de um levantamento de redes existentes em fóruns locais, bem como no desenvolver de estratégias de disseminação de informações. Por exemplo, através de seminários de economia da dança em várias cidades do país durante o ano de 2010. E os nomes foram surgindo… Recife, Salvador, Goiânia, Rio de Janeiro, Ceará, Piauí.  Fiquei entusiasmada e apostei na ideia de indicar Manaus como candidata. Afinal, ganhamos o direito de sermos subsede da copa de 2014, somos a sétima economia entre as capitais do país, e a Zona Franca tem obtido um satisfatório resultado de faturamento. Enfim, todas as informações configurando um excelente quadro para a realização de negócios nos setores mais tradicionais da sociedade. Ambiente propício para a exposição de indicadores e a geração de debates, não fosse o tema “economia da dança” soar tão estrangeiro ao cotidiano dos prováveis apoiadores. Desde então tenho refletido sobre como convencer a cidade, seus habitantes, suas instituições, seus empresários, que este é um bom investimento, um negócio de altíssima qualidade. Pensei então em desenvolver algumas primeiras considerações, que possam servir como impulsos para o pensamento argumentativo e convidativo a empreitadas ainda inéditas na capital amazonense.

Primeiro momento. Há que se dizer onde as coisas dão certo. O Núcleo do Dirceu, do Piauí, é o que me vem de imediato. Uma aposta fantástica em procedimentos criativos que se evidenciam em frescor de movimento e resistência vitoriosa a políticos toscos e abruptos. Sou fã inconteste do trabalho do Dirceu. Quem sabe, talvez eu possa mostrar algum vídeo para os pretendidos parceiros e convencê-los de que é possível criar estéticas impregnadas de nossa vivência urbana e florestal, com uma assinatura livre das caricaturas de um regionalismo raso. Cito ainda o maravilhoso exercício do Café das Marias, no Ceará, apostando na economia solidária, com sua moeda alternativa, enfrentando diariamente o desafio de pensar sobre como valorar o trabalho cultural. E finalizo os exemplos com o Festival Diagnóstico, relatado por Sacha Witkoswki, resistindo às intempéries de Goiânia, com todas as dificuldades… Olha! Região Nordeste e Centro-Oeste, exatamente aquelas que, junto com a Região Norte, segundo declaração de nossos senadores, na sessão de 19 de outubro deste ano, ficam apenas com 20% da atenção do BNDES. Bom pensar que tais resultados seriam potencializados caso fossem oferecidas condições apropriadas para a criação.

Segundo momento.  Pode-se relembrar que no Amazonas surge um novo cenário para a dança em Manaus a partir do final da década de 1990, com a criação do Corpo de Dança do Amazonas e do Ballet Folclórico, enquanto corpos estáveis do Teatro Amazonas, e posteriormente do curso superior de dança (bacharelado e licenciatura), na Universidade do Estado do Amazonas, em 2001. O Seminário seria uma excelente oportunidade para uma avaliação dos tempos atuais, seus pontos de tensão, bem como, e principalmente, a luta pela sobrevivência dos grupos independentes, dentre os quais cito a Índios.com Cia. de dança, o Pesquisa Cênica Corporal Uma, o Corpo de Arte Contemporânea e a Companhia de Intérpretes Independentes. A resposta que obtive prontamente dos diretores e coreógrafos destes grupos manauaras quando lhes solicitei por e-mail que respondessem sobre a manutenção dos grupos e a produção dos espetáculos evidenciou a necessidade de exposição dos problemas e do compartilhamento da situação, buscando pensar em conjunto algumas alternativas à dependência quase exclusiva dos editais nacionais e locais. Um quadro longe de ser endêmico, por configurar-se em várias outras cidades do país.

Terceiro momento. Externar o valor da profissão. Sua influência na construção da cidadania, de um corpo crítico, instigador, irrequieto, com prontidão para ações rebeldes e criativas… capaz de dialogar continuamente com o seu ambiente. E volto à fala inicial de Christophe Wavelet quando nos alerta para o fato de que a mercadoria, o produto, exige de nós um mero prolongamento do eu, enquanto na experiência estética busca-se um estranhamento do que fomos e do que pensamos ser, permitindo movimento, oportunizando crescimento de autonomia. Afinal, este não é o tão almejado e, ao mesmo tempo frustrado, objetivo de nossas instituições formais de educação? Talvez aqui se configure o instante de maior tensão para o convencimento dos parceiros, porque implica em apostar em uma lógica diferenciada, que considere  em  primeiro lugar  o ser humano e em segundo os ganhos financeiros. Procedimento que escandaliza o capitalismo! Mas não custa tentar…

Por fim, aproveitando então a dinâmica das redes e reconhecendo sua potencialidade para promover uma enxurrada de encontros, assim como a urgência de nos beneficiarmos através da construção coletiva do pensamento, seja virtual ou em tempo real, externo um convite à Região Norte e Manaus, principalmente, para que nos alimentemos com mais alguns – ou muitos outros – motivos para realizarmos um Seminário de Economia da Dança em 2010.  É claro que estou puxando a brasa para o meu tambaqui. Mas podemos também estender a todos os outros estados a pergunta: por que é importante realizar um Seminário de Economia da Dança em sua cidade?  Então a minha proposta é escrevermos a várias mãos, provocando um redemoinho de sinapses…

Ítala Clay é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica: Artes pela PUC-SP, onde atualmente é doutoranda. Foi coordenadora pedagógica do Curso de Dança da Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) no período de 2001-2007 e coordenadora do Programa Arte na Escola – pólo Manaus (2005-2006).

Para saber mais sobre os Seminários Economia da Dança realizados pelo Festival Panorama em 2008 e 2009, participe do blog clicando aqui.

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It would be impossible to leave the II Dance Economy Seminar, held in Rio de Janeiro from November 9 to 11, without countless questions – old and new -, without feeling restless with the speeches of the participants about the thematic axis chosen for the meeting. Helena Katz brought the importance of building a discourse to answer questions that arise when we think about dance in a product-consumption logic and not in a process-creation one, reverberating Clanclini’s speech about the urgency of creating what he called a task schedule. It is also enlightening and instigating to think about Christophe Wavelet speaking of how “the power of an art piece can´t be diminished by the mainstream media, and by the politicians that govern us” , asking to what extent Festivals play the game of entertainment and globalized tourism and lead us to ignore the fact that an art piece, in its aesthetic experience, is a proposal of defamiliarization and cannot be an act of instant consumption. It was invigorating to hear the reports and alerts presented during the event, in which we witnessed the strength of remembering some achievements and the enunciation of striking challenges, such as the issues of informality and the importance of conceptual handling of situations experienced.

In the work groups, unfoldments emerged from the acknowledgement of the relevance and urgency of promoting development and strengthening the community through a mapping of the existing networks in local forums, as well as creating strategies for disseminating information. For instance, through dance economy seminars in many cities around the country during the next year. And the names kept coming up… Recife, Salvador, Goiânia, Rio de Janeiro, Ceará, Piauí. I was excited and I invested in the idea of naming Manaus as a candidate. After all, we won the right to co-host the 2014 World Cup, we are the seventh economy among the country’s capitals and the Free Economic Zone has been obtaining reasonable revenue results. All the information configures an excellent situation for business in the most traditional sectors of society. A favorable environment to display markers and generate debates, if it wasn´t for the fact that the term “dance economy” sounds so foreign to the reality of likely investors. Since then I have been reflecting about ways to convince the city, its inhabitants, its institutions, its businessmen, that this is a good investment, a very high quality business. So I thought about developing some considerations that could serve as impulse for argumentative thinking that would be inviting to still unprecedented endeavors in the capital of Amazonas.

First moment. We must talk about where things are working. Núcleo do Dirceu, from Piauí, is the first thing that comes to mind. An amazing bet on creative procedures that show movement freshness and winning resistance to coarse and blunt politicians. I am an unconditional fan of Dirceu’s work. Who knows, maybe I could show some videos to intended partners and convince them that it is possible to create aesthetics impregnated with our urban and forestal experience, free from the caricatures of shallow regionalism. I also mention the wonderful experience of Café das Marias, in Ceará, investing in solidarity economy with its alternative currency, facing daily the challenge of thinking about how to assign value to cultural work. And I finish with the examples of Festival Diagnóstico, reported by Sacha Witkowski and its resistance to the difficulties in Goiânia… Look! The Northeast and the Midwest regions, exactly those that, along with the North region, only receive 20% of the attention of BNDES (Brazilian Development Bank), according to a statement from our senators last October 19th. It is good to think that such results could be much increased if there were proper conditions for creation.

Second moment. We could remember that in the Amazon a new dance scene emerged in Manaus after the end of the 1990’s, with the creation of Corpo de Dança do Amazonas and Ballet Folclórico, the stable companies of the Amazonas Theater and later, the dance graduation course in the Amazon State University, in 2001. The Seminar would be an excellent opportunity for evaluating the current times, the tension points, as well as the struggle for the survival of independent groups, among which I mention Índios.com Cia. de Dança, Pesquisa Cênica Corporal Uma, Corpo de Arte Contemporânea and the Companhia de Intérpretes Independentes. The answer I immediately received from the directors and choreographers of these groups from Manaus when I asked them by e-mail to talk about the maintenance of groups and show productions made clear the need to expose problems and share experiences, seeking to jointly think about some alternatives to the almost exclusive dependency on national and local grant programs. A situation that is far from being endemic, since it takes place in other cities of the country.

Third moment. Externalizing the value of the artistic profession. Its influence in building citizenship and a critic, instigating, restless body, ready for rebellious and creative actions… able to dialogue continuously with the environment. And I return to Christophe Wavelet’s initial speech warning us about the fact that merchandise, products, demand a mere prolonging of the self, while in artistic experience one seeks defamiliarization of what we were and what we think we are, allowing movement, creating opportunities for autonomy. After all, isn´t this the longed for, and at the same time, frustrated goal of our official learning institutions? Maybe this is the point in which there is more tension in trying to convince partners, because it implicates investing in a different logic, one that puts the human being in the first place and financial gain in second. A procedure that scandalizes capitalism! But it´s worth trying…

Finally, taking advantage of networks and recognizing their potential to promote a flood of encounters, as well as the urgency to benefit from the collective construction of thought, be it virtual or real time, I make an invitation to the north region and specially Manaus for us to nurture ourselves with some – or many other – reasons to organize a Dance Economy Seminar in 2010. Of course I´m defending my territory. But we can also extend to every other state the question: why is it important to have a Dance Economy Seminar in your city? So I propose we work together, creating a whirlpool of synapsis…