Pesquisadoras lançam site inédito sobre História da dança

No dia 25 de março na Livraria Blooks, em Botafogo, será lançado o site Temas de Dança . O site tem como objetivo aprofundar, ampliar e difundir a pesquisa em história da dança no Brasil. A página é um dos resultados do projeto de pesquisa Reestruturando Histórias da Dança, coordenado pela pesquisadora e artista Flavia Meireles com a participação das pesquisadoras Giselle Ruiz, Mariana Patrício, e Sofia Caesar, e da produtora Bárbara Fontana. O site foi projetado pela artista gráfica Mariana Aurélio.

Em 2011 o grupo Reestruturando Histórias da Dança ganhou o edital do Fundo de Apoio à Dança (FADA) da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro com o objetivo de aprofundar e repensar a pesquisa em história da dança no país. Um dos objetivos do grupo era criar um modo de fazer e pensar a história fugindo à linearidade e a criação de cânones que estabelecesse uma separação rígida entre os que estão dentro e fora dessa historiografia linear. Para concretizar essa nova perspectiva a estrutura hipertextual do site foi fundamental, estruturando a pesquisa em cinco temas que dialogam diretamente. O pesquisador pode assim criar seu próprio roteiro de pesquisa sem precisar se guiar por uma narrativa única da relação entre arte, história e pensamento. Os temas são: Artista em trânsito; Estratégias de Criação; Historiografia da Dança, Pensamento do Corpo/Corpo do Pensamento; e Colaborações.

O evento contará com um coquetel de lançamento e uma mesa de apresentação e debates sobre o site com as pesquisadoras envolvidas no projeto. Outra atividade prevista é a doação de livros para as bibliotecas da Faculdade Angel Vianna, do  Centro Coreográfico do Rio de Janeiro e da Univercidade; A livraria Blooks aproveita a ocasião para ampliar a sua seção de dança expondo durante o lançamento uma vitrine exclusiva de livros especializados no tema, nacionais e importados.

O idanca.net entrou em contato com duas das pesquisadoras que idealizaram o projeto, Flavia Meireles e Mariana Patrício, e a entrevista você confere aqui:

1. O site é fruto do Projeto de Pesquisa Reestrurando Histórias da Dança. Em que consiste essa pesquisa?

Esta pesquisa consiste na reunião de pesquisadores interessados em trabalhar a partir do tema História da dança. Fazem parte dela as pesquisadoras Flavia Meireles, Giselle Ruiz e Mariana Patrício. Temos como assistente de pesquisa a graduada em dança e design Sofia Caesar e coordenação de produção de Barbara Fontana, além de diversos parceiros. A pesquisa tem a intenção de problematizar tanto o ato de historiografar (note que adotamos histórias, no plural) quanto os conteúdos que abordamos, apresentando diversas perspectivas de um mesmo tema. Funcionamos através de encontros semanais para discutir leituras e material audiovisual selecionado. Teremos um histórico deste percurso registrado no site. Percebemos, nestes seis meses de pesquisas juntas (e muitos anos de pesquisas solitárias), que o que poderíamos fazer, neste primeiro momento, era definir alguns critérios por onde abordar os temas. Passamos meses discutindo só isso e, é claro, o assunto não está esgotado. Entretanto, definimos cinco pontos de partida para estruturar tanto nossa pesquisa quanto o site, que é um dos resultados. Dessa maneira, o site reflete o clima dos encontros para a pesquisa. Além disso também pesquisamos em videotecas parceiras, levantamos o catálogo das bibliotecas especializadas em dança no Rio de Janeiro (tivemos, aliás, muita dificuldade nessa catalogação pois a organização da nossa memória ainda é feita de maneira muito precária, por inúmeros motivos), fizemos entrevistas com artistas e professores de dança. Foi uma empreitada e tanto que está somente no começo.
O intuito da pesquisa é, agora que temos um site, reunir mais pesquisadores entorno dos temas que criamos, ser um lugar de divulgação das pesquisas dos artistas e pesquisadores e, principalmente, uma fonte de pesquisa diferenciada. Em vez de catalogar o material de dança existente (já existem alguns sites especializados nisso) propomos levantar alguns temas, algumas articulações das informações já disponíveis. Procuramos também dar visibilidade a aspectos da história e memória que acreditamos estarem eclipsados na enxurrada de informações de que dispomos hoje em dia. A ideia é buscar critérios, olhares e, a partir daí, perspectivas.

2. Há uma preocupação da pesquisa em relação à linearidade canônica da história. De que forma vocês buscaram problematizar isso? Como isso se coloca como problema no estudo histórico da dança?

A maneira mais comum de se relacionar com a história é através da linearidade do tempo, a divisão por cronologia. Isso, claro, organiza nosso pensamento, mas, ao mesmo tempo, perdemos a dimensão de que a história é construída em contextos específicos. Não há mais como sustentar uma só história hegemônica em nenhum campo do saber. É com essa boa dificuldade que lidamos. Problematizamos isso criando nossos próprios critérios e mostrando o seu modo de feitura, também apontando possíveis buracos neles. Acreditamos que a explicitação da construção e dos contextos específicos deixa a pesquisa como menos pretensão de abarcar um todo (que ninguém abarca) e a deixa mais clara também. É bom pra todo mundo, é ponto de conversa porque está incompleta, por não tem ponto final.  O estudo da dança, mais particularmente no Brasil, encontra-se em um momento bastante interessante: de 10 anos pra cá temos muita coisa produzida no país, temos faculdades de dança espalhadas por todo o país, mais pesquisadores,  mais acesso aos livros de línguas estrangeiras, a videos, enfim, temos abertura mas não temos ainda suficientemente locais para pesquisar esses materiais. Nosso site não se propõe, é claro, a dar conta disso, mas é uma contribuição neste sentido, de aproximar pessoas, principalmente. Um site de consulta que quer reunir gente. Por isso temos um lançamento real, numa livraria (a Blooks, uma de nossas parceiras) e,  não apenas a colocação online do conteúdo. Há uma dimensão presencial neste estudo que também é conteúdo!

3. A pesquisa é dividida em 5 temas: Artista em trânsito; Estratégias de Criação; Historiografia da Dança, Pensamento do Corpo/Corpo do Pensamento; e Colaborações. Como vocês chegaram a eles? O que  representam nesse contexto de propor outras narrativas distintas das lineares?

Eles foram fruto do percurso desta fase da pesquisa. No site teremos uma entrada que explica exclusivamente como chegamos a eles. Eles também são fruto dos investimentos individuais de anos de pesquisa de cada uma das participantes. É um somatório de coisas que expressam esse desejo, de abordar a história a partir de uma estrutura aberta onde os temas se conectem sem a necessidade de se encaixarem em um mesmo bloco cronológico ou geográfico. Nesse sentido, artistas de épocas ou estilos diferentes podem dialogar em “Estratégias de Criação” por abordarem ou questionarem  sistemas de valores semelhantes. Assim como em “Pensamento do corpo/Corpo do pensamento”,  a dança e a filosofia podem dialogar abertamente sem a necessidade de submeter uma ou outra à uma lógica explicativa ou causal,  e por aí vai.

4. Vocês acham que o conciliar da proposta do projeto de pesquisa com a própria estrutura hipertextual do site, poderá permitir outras formas para pensar a dança?

Essa é a aposta! Na verdade a própria estrutura do site já permite o abandono dessa linearidade onde uma coisa vem depois da outra através de um nexo causal.

5. Um dos campos de pesquisa do projeto foi o acervo da videoteca do Ponto de Cultura da Associação Cultural Panorama. De que forma a linguagem audiovisual compôs esse processo de reestruturação das histórias da dança?

Tanto a videoteca do panorama quanto o Acervo Mariposa, este último coordenado pela Nirvana Marinho, de São Paulo, são fontes já existentes de catálogos e queríamos acessar justamente isso. O acervo do Panorama é mais ligado ao próprio festival, se refere a videos que foram enviados para participar do festival. O Acervo Mariposa já é um acervo com proposta de disponibilizar os trabalhos dos artistas e fazer com que os artistas fiquem mais a vontade em compartilharem seus materiais. A linguagem audiovisual é fundamental na nossa pesquisa, ter imagem em movimento e som pra pesquisar é ampliar certamente, a pesquisa. São muito importantes essas iniciativas de manter acervos destinados à dança, com todas as dificuldades que essa empreitada apresenta.

6. Qual a expectativa que vocês tem com esse site? Público alvo que querem alcançar?

A expectativa é a que ele seja útil para a pesquisa, que as pessoas queiram contribuir e que proporcione encontros com o conhecimento e com pessoas. O público alvo são pessoas interessadas na dança, não só pesquisadores de dança, pesquisadores de outras áreas e até (seria lindo) não-artistas, não-dançarinos.

7.  Lançado o site, terminada a pesquisa, há alguma expectativa de prosseguir com o projeto?

Claro. O lançamento é somente uma das ações. o trabalho continua. Entretanto agora nosso desafio é buscar recursos financeiros para dar continuidade. Um velho problema no país: manutenção. É importante dizer que pudemos, com os recursos do FADA 2011 pagar mensalmente as pesquisadoras e assistente de pesquisa, algo próximo mesmo a uma bolsa do sistema acadêmico. Isso é fundamental para que as pessoas dediquem tempo e experiência das suas vidas para a pesquisa. Além disso tivemos a designer Mariana Aurélio, que tem intimidade com a dança, e que pode fazer a transposição do que falávamos como desejo para linguagem computacional. Então a expectativa é  seguir com o projeto e as pessoas e instituições que quiserem fazer parceria conosco, é só entrar em contato que veremos as possibilidades de efetivá-las. Parcerias também são saídas para continuar funcionando e agradeçemos as parcerias desde a copiadora (onde tivemos apoio de xerox e impressão, a Copy & print), passando pelas videotecas, pela livraria Blooks que nos apoia no lançamento e com desconto em livros (reservamos parte da nossa verba para compra de livros para a pesquisa e para compra de livros para doação para três bibliotecas especializadas em dança no Rio de Janeiro). Também fomos apoiadas pela Confraria Carioca, com vinhos e espumantes para o lançamento.

8.Como vocês acham que o empenho em pensar historicamente a dança,a partir de uma não linearidade, pode influenciar na produção artística do campo? 
 

A questão não é tanto influenciar a produção artística, mas deixar que os processos próprios à criação interfiram e afetem a forma como a pesquisa teórica em dança se constrói. Isso impede que se crie um abismo entre a chamada pesquisa científica e a produção artística. São necessários outros critérios para definir o rigor e o valor tanto de uma área quanto da outra. O objetivo é deixar-nos mais inventivos e criteriosos em nossa própria produção teórica e cênica, para desenvolver uma relação mais pulsante e viva com a matéria do que se compõe essas práticas: a relação entre corpos, sujeitos e o mundo que os rodeia.

9. O site a ser lançado é um dos resultados do projeto de pesquisa, que  ganhou o edital do Fundo de Apoio à Dança (FADA) da Secretaria Municipal de Cultura. Quais outros resultados são esperados?

O primeiro resultado já concluído foi um curso gratuito, com duração de 05 dias e carga horária de 15 horas no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro,  que aconteceu entre os dias 10 e 14 de dezembro de 2012.
O próximo passo é a  doação de muitos exemplares dos livros publicados recentemente para uma biblioteca de dança. Esses livros foram escolhidos baseados em nossas pesquisas. Assim, existe uma coerência entre o que inicialmente está no site e os livros que doamos, para que as pessoas tenham acesso às referências das discussões. Doaremos para a escola e faculdade Angel Vianna, para o Centro Coreográfico do Rio de Janeiro e para a Faculdade de Dança da Univercidade. A cerimônia de doação será durante o lançamento. Alunos destas instituições, leiam os livros!
Gostaríamos muito de levar adiante o site e continuar não só atualizando, mas integrando pesquisadores em dança do Brasil. Para isso precisaremos de apoio. Vida longa ao Temas de Dança!

Serviço:

Lançamento do site Temas de Dança  coquetel e debate com as pesquisadoras.
Quando: 25 de março às 19:00
Onde: Livraria Blooks – Praia de Botafogo, 316. Rio de Janeiro. Tel: 2237-7974