Polêmica cerca São Paulo Cia. de Dança

Nesta terça-feira (26/02), a São Paulo Cia. de Dança divulgou os nomes dos 37 bailarinos selecionados para seu corpo de baile (para saber mais leia aqui). Em meio à primeira formação, a companhia já nasce cercada de polêmica. Em 29 de janeiro, a reportagem intitulada “São Paulo ganha a sua cia. oficial”, escrita pela crítica de dança Helena Katz no jornal O Estado de São Paulo, deu início a uma acalorada discussão sobre a criação da São Paulo Cia. de Dança. Neste contexto, o Idança recebeu do coreógrafo paulista Sandro Borelli um texto criticando a nova companhia. Em se tratando de um espaço democrático, o Idança entrou em contato com as diretoras da nova companhia, Iracity Cardoso e Inês Bogéa, e pediu para que elas enviassem uma resposta. As duas optaram por enviar um texto escrito pelo secretário de Cultura João Sayad. Os dois textos estão publicados abaixo.

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Por Sandro Borelli

No Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo de 29 de janeiro, chama a atenção a reportagem cujos título e subtítulo são: “São Paulo ganha a sua cia. oficial” e “Secretário João Sayad busca excelência e anuncia R$ 13 milhões para instituição”. Num primeiro momento, pode-se pensar: “Que legal, uma nova companhia de dança sempre é bem-vinda”. Mas, com uma leitura mais atenta, percebe-se a cilada armada. Uma visão pautada pela tecnocracia, ultrapassada, que confunde política cultural com ação midiática. Um secretário que fala como economista fala realmente em cultura? Sua falta de conhecimento sobre dança é de provocar estupefação, indignação e horror, de ruborizar. O secretário diz estar em busca de excelência na dança e comenta: “Você não contrataria um excelente diretor administrativo para a sua empresa se ele não fosse brasileiro?”

Prosseguindo, com notório e admirável conhecimento de causa faz, ainda, uma comparação de mau gosto: “O que você escolheria: salvar a Varig ou começar uma Gol? É mais fácil começar algo novo do que consertar o já existente”. Parece que o secretário considera o que fazemos uma arte falida, uma dança que não deu certo. A partir de que conhecimento faz uma afirmação tão sem propósito quanto essa? O que o secretário chama de “busca de excelência”? Somos nós, cidadãos, quem esperamos secretários, gestores, governantes com excelência. Será que também teremos a chance de procurá-los na Europa, em Nova Iorque ou quaisquer outros lugares que nos permitam construir uma política de alto nível, como o secretário sugeriu para a dança?

Outra afirmação curiosa do nosso secretário de cultura é a de que o teatro, ao contrário da dança, já produz com excelência. Por onde será que o secretário transita? O teatro tem a sua excelência sim e, certamente, em sua maioria, trabalha, sem sede própria e sem contratos via CLT. Ajudaria-nos muito se o secretário, aproveitando seu notório conhecimento de economia, pudesse mencionar quantos grupos de teatro possuem artistas contratados via CLT. Será que ele tem noção das péssimas condições enfrentadas pela grande massa de artistas trabalhadores no estado de São Paulo? Ou será que se refere aos acobertados pela mídia televisiva? Realmente, fico na dúvida!

Cultura não é balcão de negócios, não é pregão, não é bolsa de valores. A dança não precisa desse tipo de mentalidade de governo que o secretário propõe. A dança precisa de um projeto cultural sério e ético, que privilegie a formação de uma classe, que privilegie uma mudança de pensamento. Onde estão as propostas consistentes, honestas, sérias, inteligentes, sobretudo ousadas, da política pública envolvida nessa ação? Quando discutiremos os aspectos estéticos e éticos da Cultura? Quando discutiremos a dança, essa arte tão fragilizada, como a poesia também, com um espaço cada vez menor e com um pensamento singularmente pobre e medíocre como o apresentado?

Existem propostas no governo estadual nas quais está inserida uma reflexão sobre a sobrevivência dos grupos e criadores que optam por trilhar rumos artísticos que discutem, agridem, instigam, duvidam e polemizam? Isso não poderia ser incluído na pauta de algumas das reuniões que acontecem a portas fechadas entre valorosos burrocratas-gestores de cultura? Que tal falarmos do combate à fome, à fome de cultura que extermina diariamente milhões de brasileiros que se alimentam de restos podres de enlatados e plastificados abertos e jogados nos lixões? Que tal tratarmos seriamente da inclusão social, sobretudo da inclusão de criações artísticas que subvertem os valores predominantes impostos, que resistem e questionam? Que tal banirmos essa kultura-Hembratur? Criminoso, nefasto e fascista desprezar produções de uma grande dimensão estética, desprezando também as funções sociais e políticas dessas criações. E são várias, secretário.

Grande imbecilidade manter vínculo placentário com as culturas européia e estadunidense, achando que isso irá minimizar os efeitos de uma sociedade mal informada que produz julgamentos equivocados, tendenciosos, estreitos, hipócritas e exclusivistas. Grande imbecilidade achar que os próximos gestores desempenharão melhor seus papéis. Ou que serão menos devastadores. Ou que abalarão os códigos culturais institucionalizados. Que imbecilidade a minha em ter acreditado nisso um dia.

Infelizmente, estamos condenados a conviver com senhores ensebados com suas jugulares em nossas gargantas e com suas idéias empoeiradas por algum tempo ainda. Felizmente, artista é como barata, rato ou escaravelho, não existe meio possível de exterminá-lo. Pois bem, 2008 está começando, vamos celebrar e cantar juntos o hino do Estado de São Paulo e festejar a sua companhia de dança.

Parabéns.

Sou artista e, portanto, estou condenado a viver para sempre.

Sandro Borelli é coreógrafo.

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Por João Sayad

Começa a Companhia de Dança do Estado de São Paulo.

Por que criar uma companhia de dança financiada pelo governo?

Dançar exige longo treinamento, talento, tenacidade, técnica, comprometimento. A dança exige a vida de quem se apaixona por ela. E, ingrata, abandona cedo os artistas que se dedicaram a ela.

Exige mais do que a juventude do artista – pede palco especial, iluminação, coreógrafos, cenário, músicos e muito trabalho. Sem apoio, a dança virtuosa, maravilhosa, não consegue florescer.

É verdade que existem excelentes grupos como o Cisne Negro, Corpo, Quasar, Debora Colker, Stagium e tantos outros que exibem o talento e, principalmente, o esforço e a perseverança dos artistas que os lideram. A Companhia de Dança se junta a este esforço, trazendo e preparando novos artistas, formando público e criando novas oportunidades aos criadores brasileiros que se agregam à comunidade da dança no Estado e no País.

A dança é expressão artística da Europa, já a partir do século XVII. E, como a música erudita, que atrai tanta gente todas as semanas à Sala S. Paulo, não sobrevive sem apoio público, pelo menos inicial.

Dançar é um dos talentos brasileiros e muitos de nossos bailarinos trabalham hoje no exterior. A Companhia de Dança não pretende ser um mercado de trabalho exclusivo para esses profissionais; ela contratará os melhores artistas, sejam eles brasileiros ou não. Mas ela, certamente, pretende ser uma alternativa adicional.

O lançamento da Companhia de Dança atende exatamente aos objetivos de nossa política cultural:

apoiar expressões artísticas expulsas pelo mercado, pela indústria cultural ou pela moda e que demandam recursos de longo prazo que a sociedade civil não consegue angariar;

apoiar manifestações que fazem parte da tradição artística brasileira, pois aqui encontram artistas e público interessado;

estimular uma linguagem que tem origem na arte erudita da elite européia, mas que vem abrir diálogo com o hip-hop, com as danças da cultura popular e com a dança contemporânea.

O lançamento da Companhia de Dança é parte do movimento de apoio à dança no Estado de São Paulo. Em seguida, construiremos um novo teatro, com as características especiais que a dança exige, no lugar onde está hoje a antiga rodoviária da cidade. Entre as ações que estamos fazendo, aumentamos os recursos de fomento para a dança e enfatizamos a presença de cursos de formação, tanto das Oficinas Culturais quanto nas Fábricas de Cultura.

Boa sorte para a nova companhia! E muito sucesso!

João Sayad é secretário de Estado da Cultura de São Paulo