Políticas públicas para dança: Três destaques

Todos têm acompanhado os recentes debates, discussões e entreveros a respeito, sobretudo da nomeação de um representante de dança para o Ministério da Cultura. Poderíamos aqui nos deter em analisar como a classe encaminhou e comportou-se nesse processo político. Meu ponto de atenção é a constatação de que isso só aconteceu com a organização de classe que se deu em torno da autonomia da dança em razão da problemática estabelecida pelo Conselho Federal de Educação Física, que resultou em vitória para a classe de dança.

Isso também se verifica nos doze relatórios dos pesquisadores que atualizaram a base de dados Rumos Dança, sobre a dinâmica cultural em diversas cidades brasileiras. Constatou-se que praticamente todas as conquistas de política cultural para a área foram resultado de esforços de movimentos de classe.

Para além da dança – desde a atualização do sistema de propriedade intelectual – nunca se debateu tanto a regulamentação de direitos autorais, levantamento de cadeias produtivas das chamadas indústrias criativas e políticas específicas para as diferentes áreas artísticas. Convergindo ou divergindo, o fato é que se ativou a discussão em torno dos interesses comuns.

Isto aconteceu porque havia um ambiente favorável surgido com as últimas eleições presidenciais, uma vez que esta representou um marco histórico político-social do país que certamente contribuiu para a implantação de políticas públicas para arte e cultura.

Profissionais como Sigrid Nora, Gilsamara Moura e Marcelo Proença encontraram abertura e respaldo para seus projetos nas Secretarias de Cultura das suas cidades, todas administrações petistas.

Escola Preparatória de Dança.Em 1997 a Prefeitura de Caxias do Sul, (RS) na sua política de descentralização e acesso à informação, aprovou a criação da Cia. Municipal de Dança de Caxias do Sul e a Escola Preparatória de Dança (1998), possibilitando o crescimento cultural daquela comunidade e a participação na sua formação.

A Companhia mantém um espaço de preparação de dança, onde atende alunos da rede pública de ensino e crianças integrantes de programas da Fundação de Assistência Social, num total de 70 vagas. Numa exemplar sistematização de conhecimento, a EPD, oferece 16 disciplinas que atendem às necessidades daquela comunidade. São 3 horas e meia por dia, 5 dias por semana, com merenda escolar, vale transporte, uniforme e todo material e equipamento necessários às aulas.

A condição de participação é que essas crianças, de 8 a 12 anos, estejam estudando na rede pública. A formação se completa em 8 anos. A direção da escola e da Companhia é de Sigrid Nora e a coordenação pedagógica é de Verònica Gomezjurado. Bom é notar a coerência existente entre o projeto artístico da companhia e o projeto educacional da escola. Ainda melhor é perceber que tudo isso se constrói com R$ 90 mil por ano e que a iniciativa privada contribui através dos mecanismos de fomento à cultura.

Núcleo de Dança de Votorantim A Quadra Cia de Dança estruturou em 2001, um projeto de entorno social para ampliar o programa cultural da nova administração pública (PTB/PT). Concebeu-se um projeto de intensa participação da comunidade objetivando a maior atuação dos professores do ensino formal, pais e alunos. A chave é a indissociação do desenvolvimento físico, emocional e intelectual da criança e do jovem com a dança, para que possam refletir e construir um espírito crítico.

A comunidade ajuda na instrumentalização do projeto, discutindo a elaboração das estratégias e meios e esta tentando criar uma associação com o objetivo de sustentar a continuidade do projeto e não depender das oscilações políticas.

São 325 alunos que recebem aulas de dança clássica e contemporânea além de eventuais oficinas em outras áreas artísticas. São 9 núcleos de criação orientados por Marcelo, Rodrigo, Clayton, Lidi e Sil que não interferem nas escolhas e processo criativo de seus alunos, apenas criam e coordenam procedimentos, dando acesso à informação e oportunidade de novas experiências. O custo anual desse projeto é de 95 mil Reais.

Escola Municipal de Dança Iracema Nogueira Em Araraquara (SP), até 2002, existia apenas um Departamento de Cultura dentro da Secretaria da Educação e uma Fundação que exercia o papel de facilitadora na contratação de espetáculos e eventos. A Prefeitura, gestão 2001/2004 (PT), criou a Secretaria Municipal de Cultura e transformou a Fundação de Arte e Cultura do Município, cuja presidente é Gilsamara Moura, com o objetivo de criar e implantar políticas públicas.

A Escola Municipal de Dança Iracema Nogueira é espelhada na Escola Preparatória de Caxias do Sul. O projeto da EMD foi aprovado como lei em agosto de 2002. A partir daí recebe 80 crianças de baixa-renda, de 8 e 10 anos, por ano, matriculados na rede pública municipal ou estadual. A formação é de 6 anos, com 2 aulas diárias (3 horas), de dança contemporânea (3 aulas semanais), ballet clássico (2 aulas semanais), teatro, musicalização, capoeira, dança de rua, canto, filosofia para crianças, história da arte, introdução à anatomia, todas as disciplinas com 1 aula semanal.

A Prefeitura subsidia passe escolar, uniforme, material didático, instrumentos musicais, merenda e a assistência da Secretaria da Saúde, Educação, Promoção Social e do Centro de Referência do Jovem com orientação sobre sexualidade, violência, drogas, etc.

Mães de alunos da escola se auto-organizaram e formaram um grupo de costura que hoje desenvolve seus trabalhos na Biblioteca Municipal, com todo o apoio da Prefeitura. Os pais também participam e já conquistaram a aquisição de um prédio próprio para a EMD no Orçamento Participativo para início em 2005. O projeto é mantido e coordenado pela FUNDART e o custo anual, atualmente com 160 crianças, é de 120 mil reais.

Há outros exemplos notáveis como o projeto Dançando para não dançar (RJ) e a ONG Corpo Cidadão (MG).Esses projetos funcionam bem porque seus objetivos são claros, porque respondem às necessidades específicas de suas comunidades e por terem uma articulação ampla com o poder público, a iniciativa privada e a comunidade e o mercado. Trata-se de cooperação e reciprocidade, fatores de equilíbrio no dinamismo cultural.

Opostamente há projetos que nascem como ilha, que não têm escuta ou troca estes, naturalmente, estão fadados ao isolamento.

*Sônia Sobral – Gerente de artes cênicas do itaú cultural e uma das organizadoras do idanca.net