Quasar: 20 anos em órbita

Fazer 20 anos é um processo inevitavelmente de um duplo olhar, para frente e para trás – para a trajetória passada e para as perspectivas futuras. O aniversário da Quasar Cia. de Dança, comemorado no dia 19 de abril, em Goiânia, por si só seria motivo para muita celebração e para reconhecer uma trajetória marcada por obras antológicas que conquistaram crítica e público no Brasil e no mundo.Para essa comemoração, a Cia. não apenas criou um novo espetáculo, como estreou os primeiros experimentos da sua Quasar Jovem e ainda, de lambuja, deu a oportunidade para que se pudesse ver um pouco da produção local de dança. E, com esta atmosfera nostálgica que tais datas suscitam, é inevitável lembrar do meu primeiro encontro com o trabalho da Quasar. Em 1997, o Conesul Dança levava a Porto Alegre o espetáculo Versus. Uma montagem vigorosa, bem humorada, inteligente, musical. Tudo isso com uma assinatura muito singular de Henrique Rodovalho (leia aqui a entrevista que o idança fez com o coreógrafo), que transpareceria com toda sua força e sensibilidade no trabalho seguinte, Registro, naquelas operações em que o investimento no universo local se abre ao universal de maneira comovente. A montagem ganhou cinco prêmios Mambembe e firmou o nome da Cia. no cenário da dança brasileira. Em duas décadas, a Quasar presenteou o público com obras como Coreografia para ouvir e Só tinha que ser com você (foto 1), esta última embalada pelas vozes de Tom Jobim e Elis Regina.

Pois isso, assistir a Por instantes de felicidade (foto 2), no Teatro Goiânia, é um prazer especial, pois está lá esta história, está lá o bom humor, o cuidado bem arquitetado com o movimento e uma capacidade de “conversar” com o público, que particularmente considero um mérito particular de Rodovalho. Há no trabalho aquele jeito de fazer dança como se a gente estivesse em um bate-papo daqueles que, no seu descompromisso, nos faz tomar pé dessas coisas humanas que nos fazem e nos desfazem cotidianamente, que nenhuma conferência ou tratado pareceria dar conta de traduzir. Os depoimentos do elenco gravados em um banheiro são primorosos, seja pela irreverência dos temas discorridos, como o fetiche por todos os cheiros, a necessidade de ficar só, os ambivalentes sentidos de fumar; seja pelo sentimento de partilha que geram no espectador que também se projeta escondido no banheiro fazendo confissões inimaginadas.

A trilha sonora, sempre outro grande acerto de Rodovalho, é uma saborosa e bem-humorada combinação do universo pop. O cardápio inclui deliciosos pretextos para se dançar à voz de Madeleine Peyroux, Carla Bruni, Shelley Duvall, além das brasileiras Céu e Cibelle. Há também uma divertida abertura com diálogos tirados do filme Kill Bill II. Esse universo sonoro se completa com Moreira da Silva, em Gago apaixonado, canção traduzida corporalmente com extrema competência e bom-humor por Daniel Calvet.

Mas as comemorações foram além do espetáculo e exposição fotográfica. A Quasar antecipou também um pouquinho do seu novo rebento: a Quasar Jovem Cia. de Dança, com coreografias assinadas pelos próprios intérpretes da Quasar: Fernando Martins, Valeska Gonçalves e Camilo Chapela. Com 10 integrantes e estréia prevista para o mês de junho, os jovens bailarinos já anunciam em cena um promissor futuro. Além de abrir espaço para novos talentos, a Cia. também promoveu uma mostra de trabalhos locais e um bate-papo com curadores e programadores culturais do Brasil no Espaço Quasar: Grupo Experimental de Dança, Cia. de Dança Noha, Contato Cia. de Dança, Nômades e Grupo Solo de Dança.

No contexto cultural de nosso país, estas ações locais são de grande importância. Talvez para quem, como eu, fala de fora do eixo Rio-São Paulo, essa sensação seja mais aguda. A trajetória da Quasar por si só já transformou de certa maneira o ambiente de dança em Goiânia, contudo, ao incorporar estas novas ações, a Cia., além de brindar o público com excelentes espetáculos e levar o nome da cidade mundo afora, faz uma determinante e efetiva intervenção, seja na formação, seja na difusão de informações, no diálogo, na troca. Quasares por definição irradiam muito. Ondas, luminosidade, energia. Nos seus vinte anos, a Quasar Cia. de Dança parece traduzir com muita propriedade esta natureza. Nestas décadas, a Cia. firmou seu nome no exterior, ainda que com isso não tenha garantido a tranqüilidade para sua manutenção, num país de políticas culturais tão repletas de contradições. Mas o passado, neste caso, parece efetivar um presente animador e acenar como estímulo constante para prosseguir e avançar. Muitos anos-luz para a Cia.!

Airton Tomazzoni é jornalista, coreógrafo, professor do curso de Graduação em Dança da Fundarte/UERGS, diretor do Centro Municipal de Dança de Porto Alegre, coordenador do Seminário Nacional de Dança e Educação. Diretor da Bailimbembom Cia. de Danças e Afins.