Grupo Verbo Funk / Foto: Aurélio Oliosi

Reflexões em cinco minutos?

Muito se fala sobre a dança produzida na cidade do Rio de Janeiro, porém, fora da capital há iniciativas interessantes que acabam não tendo grande visibilidade. Abrindo espaço para projetos e ideias em andamento no interior do estado, o idança, com apoio da Secretaria de Estado de Cultura (SEC), convidou o coreógrafo Paulo Azevedo, de Macaé, a escrever sobre diversos aspectos da cultura hip hop. Em seu segundo texto, ele toca num tema bastante polêmico entre os pesquisadores e profissionais da dança: os festivais competitivos. A série terá três textos, acompanhe.

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Trata-se de estilo, moda, atitude, rubrica. Gestos e estilhaços de movimentos

compõem uma narrativa urbana sem limites e sinalizam o lugar da performance,

onde a comunicação se organiza de modo distinto.

Atenção! O hip hop está em cena e quer mais espaço, mais tempo.

Quando uma cultura se apresenta com possibilidades de cruzamentos entre manifestações distintas da arte, o resultado tende a ser no mínimo curioso. Mixagem, poesia, voz; cores, texturas, traços; coreografismos, deslocamentos, movimento!

Em W. Benjamim (Obras escolhidas, 1991) pode-se derivar uma reflexão de que a gente ou é corpo ou é palavra.  O convite a percorrer este caminho seria perfeito, não fosse o infinito particular do HIP HOP que tende a se desenvolver na esfera de ambos os domínios (o corpo e a palavra), materializando por consequência a presença de uma linguagem híbrida, potente, inenarrável em todas as suas possibilidades criativas. Porém, vale dizer, ainda, pouco explorada se pensarmos o universo cênico. Neste sentido, eis as duas questões que se apresentam: como traduzir tantas ideias em tão pouco tempo em cena? Cinco minutos são suficientes?

O texto a seguir perscruta uma reflexão sobre os principais inibidores que não permitem que esta(s) dança(s) avance(m) com suas propriedades estéticas e sejam absorvidas de maneiras menos sociais que políticas. Pretende-se avançar na direção de questões que incidem diretamente na produção e circulação das coreografias dos grupos e artistas que aquecem a economia dos festivais competitivos.

Se no Brasil a maioria dos grupos que utilizam o vocabulário das danças urbanas está circulando na dimensão dos festivais competitivos, lotando os ginásios e levando estes mesmos festivais (haja vista o frisson que causam nas plateias enlouquecidas e/ou furiosas) a movimentar um mercado milionário de inscrições, bilheteria e patrocinadores, os quais voltam a se interessar pelo mercado (e não pela dança); em países da Europa, sobretudo na França (apesar de toda a “crise da cultura” com o governo atual), o Hip Hop é um mercado em si, que também lota teatros, mas que detém outra forma de autonomia e contato (leia-se postura) com os programadores dos festivais e suas respectivas agendas. De modo mais transparente, pode-se dizer que, no Brasil, os grupos ainda têm a recepção (esportiva) do prêmio (1º, 2º e 3º lugares) e tal simbolismo pode bastar como contrapartida de horas de ensaio do processo criativo; já na França a política dos grandes teatros percebe o hip hop como marca (e mercado), mas a contrapartida tende a se realizar de outra maneira, através das coproduções e políticas culturais que garantem subvenções.

Por outro lado, esta estrutura monetária da produção de “obras” em tempo pré-determinado (em geral de 5 minutos) limita o processo criativo, superficializa os temas a explorar (muitas das vezes interessantes), banaliza e naturaliza clichês (que já avançaram em outros contextos de clichês para linguagens) e por fim, não permite uma reflexão sobre o corpo que dança ou por que ele dança, como se dá a escuta interna deste corpo, o que ele propõe, do que se compõe, pra quem se interpõe, como se justapõe na presença do outro corpo, no espaço que o converge em território. É verdade que os “meninos” e “meninas” do hip hop estão lá, ali, bem aqui expostos em cena, mas por que se expõem? O que defendem? Ao que resistem? A experiência desta forma passa longe como mecânica do desejo, do risco e do acidente descrito por J. Larrosa (2001), e por isso mesmo não parece representar os anseios de uma juventude que poderia e tem todas as ferramentas para provocar o mundo, fazendo do corpo, da palavra, do verbo aí produzido entre eles uma voz que se tornaria metáfora da diversidade e não a conduta homogeneizante presente nestes lugares. Lugares que agora falseiam seus fins com ações pedagógicas e servem ao dionisíaco apenas fora de cena; dentro dela os adolescentes são “caretas” no romance que em geral narram e não alcançam o gozo (estético). A indústria cultural nos festivais competitivos tem feito do corpo um adorno de suas mercadorias e a dança, a produção de suas ideias, fica em plano secundário.

Quanto à circulação destas breves “obras” o problema parece não ter fim e é aí mesmo que os festivais justificam sua onipresença da bondade. Ora, se os grupos e os artistas não conseguem chegar aos teatros, tampouco fazer parte de suas agendas (salvas experiências louváveis, como as recentemente realizadas no Teatro Cacilda Becker, no Rio de Janeiro), não tem a grande maioria estrutura jurídica para disputar os editais, não tem recursos para produção de espetáculos, o que resta é participar de festivais deste gênero,  “ralando” para conseguir pagar inscrição, fazendo “vaquinha” e muitas festas comunitárias para pagar as despesas (caríssimas) de transporte, hospedagem e alimentação. Tudo para poder mostrar vossos trabalhos, o que é muito digno! Mas, esta seria a única saída, “moçada”?

E se, em vez de utilizar toda esta “correria” para conseguir recursos para participar de eventos que não estão preocupados com o processo criativo, pudesse se investir estes mesmos recursos em ações de formação, bem como pleitear junto às estâncias públicas e privadas através de mecanismos legais mais recursos para a produção de trabalhos em dança. Assim, com mais autonomia corre-se o bom risco de transcender o tempo das máquinas, tornando o espaço um lugar fértil para tantas possibilidades a ser experimentadas, dissecadas, postas, expostas, retiradas se não valer a pena. Mas sentir, tocar, respirar a aventura da criação e não a continuidade da escravidão de seus corpos e a falseada impressão de mérito e reconhecimento do esforço. Talvez seja necessário caotizar os preceitos básicos de que o “importante é participar” quando se sabe que o que se quer realmente numa competição é ganhar. Nem um nem outro, que tal experimentar e subverter a lógica do mercado criando outros festivais, OUTROS formatos de festivais?

P.s. Esta leitura é possível de ser realizada em exatos 5 minutos, mas quanto à sua reflexão, tenham certeza que não!

A foto é do Grupo Verbo Funk. Crédito: Aurélio Oliosi.

Textos de apoio:

BENJAMIM, Walter. Obras escolhidas. 7ª ed., São Paulo: Brasiliense, vol. I, 1991

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Campinas: Leituras SME, 2001

Paulo Azevedo é mestre em Políticas Sociais e diretor artístico do Centro Integrado de Estudos do Movimento Hip Hop (CIEM.h2), em Macaé, onde, entre outros projetos, funciona a Membros Cia. de Dança.

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