RENDA, difundindo a dança nordestina para o Nordeste

Entrelaçar fios: uma RENDA

 

Joyce Barbosa

“…a rede [está] em constante movimento, como um tecer e destecer ininterrupto das ligações. É assim que efetivamente cresce o indivíduo, partindo de uma rede de pessoas que existiam antes dele para uma rede que ele ajuda a formar.” (Elias, Norbert. “A sociedade dos indivíduos”. Editora Jorge Zahar, 1994).

Segundo Nobert Elias, sociólogo, para entendermos a totalidade da rede é preciso que visualizemos “a imagem de um fio numa trama”. Pois bem, é exatamente sob esse fio que transpassa relações e vai conjugando outras, no intuito de estreitar laços e distâncias na área da dança, que surgiu a Rede Nordeste de Dança, mais conhecida como RENDA.

Essa rede construtiva de artistas teve seu nascimento efetivado durante o 3º Encontro Nacional de Dança Contemporânea, ocorrido na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, em 2010, com a intenção de fomentar o diálogo de dança produzido no Nordeste. A ideia era a de proporcionar a vinda de grupos nacionais e internacionais para aquela região, assim como circular com os espetáculos e performances de cada estado envolvido. Rapidamente, as cidades de Campina Grande, na Paraíba, e Recife, em Pernambuco, foram inseridas na teia.

A circulação dos trabalhos se dá pela articulação de três grandes eventos do segmento em cada uma dessas cidades, que ocorrem, respectivamente, nos meses de junho, julho e agosto: a Mostra Brasileira de Dança, produzida em Recife, sob organização de Iris Macedo; o Festival de Inverno de Campina Grande, produzida em Campina Grande, com direção de Myrna Maracajá; e o Encontro Nacional de Dança Contemporânea, produzida em Natal, comandado por Diana Fontes.

Nessa mesma articulação, o festival, a mostra e o encontro têm como meta, além de suas programações individuais, ações coletivas, com o objetivo de fruir e difundir o Nordeste para o Nordeste, fortalecendo a comunicação entre cada uma das cidades envolvidas: “por estarem afastadas do principal eixo artístico do país, Rio/São Paulo/BH, se faz necessário criar mecanismos, facilitando a comunicação, aprendizagem e reconhecimento da arte produzida no Nordeste, oferecendo-a não apenas aos que a produzem, mas à sociedade em geral”, sinaliza documento elaborado pela equipe que compõe a RENDA.

A vontade dos participantes dessa rede é a de conectar os caminhos, construindo uma espécie de corredor cultural de possibilidades para os artistas independentes, companhias, programadores e produtores, projetando tais ações de maneira longeva, a fim de motivar os artistas da terra a participar de um circuito de arte. Por isso que, recentemente, outras cidades foram adicionadas a essa trama: João Pessoa, também na Paraíba, com a “Mostra Municipal de Dança”, e Salvador, Bahia, com o “Vivadança – Festival Internacional de Dança”.

experimento pina 12 - paralelo cia de dança - joao pessoa - foto de rafael passos

As oficinas e espetáculos são compartilhados dentro desse “corredor” e cada evento colabora com a divisão das tarefas e, consequentemente, com o rateio das despesas, haja vista a RENDA não contar com patrocínios fixos de nenhuma ordem – em 2013, a RENDA ganhou seu primeiro patrocínio. Neste ano, por exemplo, a oficina da gaúcha Carla Vendramin “Diversos corpos dançantes: dança com e sem deficiência”, aconteceu em Recife, mas se estendeu nas ações da RENDA no 5º Encontro, em Natal. Já a “Movasse”, de Minas Gerais, que também se apresentou em Natal, mostrou seu trabalho em João Pessoa, assim como a “Sem Censura Cia. de Dança”, de João Pessoa, que dançou nas três cidades dos eventos.

Este ano o Encontro em Natal rendeu uma articulação importante para a dança, com o debate político intitulado “Pensar a dança”, onde artistas potiguares que estão trabalhando em outras cidades do país, como Vanessa Macedo (Fragmento Cia de Dança – SP), Cosme Gregory (Focus – RJ) e João Vicente (Cia. Lamira – TO), puderam estar presentes, juntamente com gestores e idealizadores de outros festivais de dança pelo Brasil, como Arnaldo Siqueira (PE) e Marize Diniz (MG). Juntos, discutiram questões que envolvem a profissionalização dos artistas da área por meio da expansão e crescimento do número de cursos de graduação em dança nas universidades federais. Discutiram, também, sobre sobre dificuldades na produção em dança em cada estado (participação ou ausência total de subsídios financeiros públicos ou privados), e a idealização de uma cooperativa em dança que conjugue as redes envolvidas nessa parceria, a fim de que ela intensifique o diálogo com outras cidades da região.

Houve também, a pedido das companhias locais, o “Encontro com curadores”. Essa ideia adveio da necessidade dos próprios artistas do município em debaterem de perto seus trabalhos com os curadores de outros festivais que estavam participando do evento, assim como construir uma rede curatorial que possa auxiliar os trabalhos locais e regionais a circularem por outras cidades fora eixo Nordeste.

A busca por outros modos de existir e se fazer presente enquanto artista têm alimentado os idealizadores dessa iniciativa a perceberem e dinamizarem suas ações individuais para além dos seus eventos, convocando uma posição mais agregadora e coletiva no que diz respeito à dança. Proporcionando, de fato, um novo fôlego e uma resistência. Como exemplos disso temos a própria “Mostra Brasileira de Dança” – que, esse ano, não obteve os devidos incentivos financeiros e quase foi cancelada – ou mesmo o “Festival de Inverno de Campina Grande”, que no seu 38º aniversário recebeu apenas vinte mil reais do Governo Estadual.

Mesmo diante das dificuldades já conhecidas pela classe da dança brasileira, em especial do Nordeste, posicionamentos como o da RENDA renovam e refrescam o debate por abrirem de maneira mais clara os canais de discussão, promovendo uma melhor articulação entre os eixos de trabalho na área.

O desejo da rede, futuramente, é estender tais ações coletivas durante todo o ano, para que ela sirva como “plataforma de discussões sobre atividades acadêmicas, artísticas e políticas públicas na área de cultura, com ênfase em dança”, conforme elucida Iris Macedo. Muito embora, nesse momento, segundo ela, todos os envolvidos estejam “focados na realização de ações dentro dos festivais”.

Para Diana Fontes, uma das idealizadoras e rendeiras desse projeto, juntamente com Iris, é preciso “dialogar para poder oxigenar as ideias, articular para poder realizar, fortalecer para poder acontecer.”. Por isso que, na vontade de tecer junto, surgiu a RENDA.

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* Joyce Barbosa é dançarina e diretora artística da Paralelo Cia de Dança. Doutoranda em Comunicação e Semiótica, pela PUC/SP (2013), mestranda em Dança, pela UFBA (2012), mestre em Direito Econômico pela UFPB (2008-2010), graduada em Direito pela UNIPÊ (2002-2007), e possui curso de economia aplicada pela FGV (2010). Estuda economia criativa e políticas culturais na área da dança.