São Paulo Cia. de Dança ou a aposta no desuso | São Paulo Cia. de Dança or betting on disuse

Quando acreditamos desaparecidos em determinados ambientes, eis que surgem com um outro invólucro – mas o que eles querem é: engula, não mastigue. Pode ser entendido também como aceite, não questione! São poderosos replicadores mentais dispostos, e a postos, no pool de memes sob o comando do divirta-se.

O layout da São Paulo Companhia de Dança carrega esse imperativo bloco de infestadores mentais, cuja pedra-de-toque é a urgência, contrariamente à noção de fruição, de saboreamento que a arte pode nos oferecer. Dá-nos pronto um prato, indigesto pode ser quando temos expectativas filosóficas e artísticas mais duradouras. As prováveis torções mentais, uma operação típica de cérebros humanos, são constrangidas a retornos, a obviedades composicionais e urdiduras em desuso.

Depois dos acontecimentos na História da Dança dos séculos 19 e 20, e da mudança dos parâmetros das atividades artísticas afeitas ao mundo da dança clássica, e não mais restritos ao projeto estético czarista russo, assistimos a uma tentativa de recuperação do meme divirta-se com a justificativa de uma dada acessibilidade ao grande público (?!).

Níveis de competência que se estabelecem nessa rede produtora e os mecanismos que a alimenta estão limitados a um grau de negligência das múltiplas camadas informacionais a nós informadas e em nós enformadas. Tal atitude pode gerar o aludido layout, em que determinados pedaços de sua produção se agudiza em grosseiro diletantismo. Porque jovialidade combina com exploração e novos usos para velhas ferramentas ou novas ferramentas para velhos usos.

Como nos imaginamos canhotos quando somos destros

No pool de memes, sob o comando do divirta-se, o alvo está voltado para o entretenimento com graus diferenciados de afastamento e proximidade de um outro conjunto de pool de memes, sob o comando da curiosidade por novos modos de modelagem de elementos da dança clássica. Quando exageradamente afastados entre si, prevalece em geral a velharia feérie, o exostismo desbragado e a subestimação do alcance de nossas mentes às operações lógicas de sofisticadas tramas coreográficas. Prevalece a mera justaposição de passos da sala de aula para quaisquer temáticas imaginadas.

Assim, tanto faz o recorte proposto à cena: os propostos devaneios de Ballo ou a proposta “luminosidade ritualística” de Gnawa – os produtos anunciados como “novos” no layout da SPCD – são mensageiros do engula, não mastigue!. A atordoante atmosfera de Ballo – são tantos os grands battements! – parece ironizar com a própria justificativa da peça de Ricardo Scheir: ‘tratar das relações humanas e combinar as linguagens clássica e contemporânea’. Mas como assim se na cena desfilam os tipos assemelhados propostos por Petipa? Onde estão os traços da linguagem contemporânea? De fato, isso não importa quando o layout está moldado pelo pensamento feérico.

O coreógrafo espanhol Nacho Duato é conhecido por se imaginar modelando traços de culturas díspares por meio de ferramentas da dança clássica. Ao contrário, por exemplo, da criteriosa filtragem exercida em Jiri Kylian, na produção de Duato a escolha parece mais apressada: a cada mover-se dos corpos uma batida percussiva guia lá o jogo malemolente dos quadris e a melodia guia os instantes “românticos”. Tamanha sutileza tem uma nomeação = exotismo desbragado.

Ironicamente, mais uma vez, o meme aceite, não questione, um dos principais traços do conjunto do pool de memes divirta-se, evidencia a contraposição por um projeto filosófica e artisticamente conservador quando há mais de três décadas a atual diretora artística Iracity Cardoso fora parte da modernização do ex-Corpo de Baile Municipal, atual Balé da Cidade de São Paulo.

À parte, as tentativas de cada um dos intérpretes de se fixar como uma individualidade alternativa ao modelo que vivencia se tornam infrutíferas. Em muito, alguns laivos para se sobressair da massa morna modelada na cena.


É o que temos! Quem sabe, amanhã uma lufada filosoficamente complexa poderá…? Por enquanto, a emulação opera com energia desmedida e assim quando é enleva traços centralizadores e cegos ao entorno.

Marcos Bragato é presidente da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) 2007/ 2009. Como jornalista, atuou como crítico de dança no Jornal da Tarde e Folha da Tarde, e como divulgador científico no Jornal da Tarde. Colaborou para a extinta Revista Dançar. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Atualmente é Docente do Departamento de Artes da UFRN.

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Companhias estáveis em lados opostos

When we think they have disappeared from certain environments, they show up with a different wrapping – but what they mean is: Swallow, don´t chew. It could also be understood as Accept, don´t question! They are powerful mental replicators disposed and placed in the meme pool under the Have Fun instruction.

The layout of São Paulo Companhia de Dança carries this imperative block of mental infestants, whose touchstone is the urgency contrary to the notion of fruition, the enjoyment art can offer us. It hands us a ready dish that could be stodgy when we have more lasting philosophical and artistic expectations. The likely mental torsions, an operation typical of human brain, are constrained to return to compositional obviousness and warps out of use.

After the happenings in Dance History in the 19th and 20th centuries and the shift in the parameters of artistic activities inclined to the world of classic dance, and no longer restricted to the Russian czarist aesthetic project, we watch an attempt to reclaim the Have Fun meme justified by a supposed accessibility for the public in general (?!).

Levels of competency established in this production network and the mechanisms that feed them are limited to a degree of multiple information layers informed to us and formed in us. Such attitude can generate the alluded layout, in which certain pieces of its production sharpened into coarse dilettantism. Because joviality matches with exploration and new uses for old tools or new tools for old uses.

how we imagine ourselves to be left-handed when we are actually right-handed

In the meme pool under the Have Fun instruction, the target is aimed at entertainment and the proximity with another set of meme pools, under the instruction of curiosity for new ways of modeling classic dance elements. When exaggeratedly apart from each other, in general, stale féerie, unbridled exotism and the underestimation of our mind’s reach of the logical operations of sophisticated choreographic meshes prevail. The mere juxtaposition of steps from the classrooms to any imagined theme prevails.

Thus, no matter which is the scope proposed for the scene: Ballo’s proposed reveries or Gnawa’s “ritualistic luminosity” – the products advertised as being “new” in SPCD’s layout – are messengers of Swallow, Don´t Chew! The stunning atmosphere of Ballo’s – there are so many grands battements! – seems to mock the very justification of Ricardo Scheir’s piece: ‘deal with human relationships and combine the classic and contemporary languages’. But how so, if there are types similar to those proposed by Petipa on stage? Where are the traces of contemporary language? In fact, it doesn´t matter when the layout is shaped by feeric thinking.

Spanish choreographer Nacho Duato is known to imagine himself shaping traces of disparate cultures using tools from classic dance. On the contrary, for instance, of the judicious filtering exercised by Jiri Kylian, in Duato’s production the choice seems more rushed: at each movement of the body a percussion beat guides the swaying of hips and the melody guides the “romantic” moments. Such subtlety has a name = unbridled exotism.

Ironically, once more, the Accept, Don´t Question meme, one of the main traces of the set of the meme pool Have Fun reveals the contraposition of a philosophically and artistically conservative project when, over three decades ago, Iracity Cardoso, the current director, was part of the modernization of the former Corpo de Baile Municipal, currently Balé da Cidade São Paulo.

On the side, the attempts of each performer to establish themselves as an individuality alternative to the standard they experience become unfruitful. At most, some traces stand out in the lukewarm mass shaped in the scene.

That´s what we have! Who knows, tomorrow a philosophically complex breath of air could…? For now, emulation operates with excessive energy and thus, when it enthralls traits that are centralizing and blind to the environment.

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