Sem Cerimônia: entre o ordinário e a poesia

Corredores, escadas, janelas, rampas que já abrigaram shoppings, cinemas, rodoviárias e hoje vivem repletas de vazio, estarão ocupadas por dança nos dias 22 e 23 de fevereiro, a partir das 17h.

Sem cerimônia – ser cidade, intervenção urbana criada pelo Conectivo Corpomancia e já apresentada em ruas de Campo Grande-MS, em 2012, ocupa agora a antiga rodoviária da capital sul-mato-grossense. “Procuramos experimentar as sensações do local, sua arquitetura, texturas. Cada locação sugeriu uma ação (por exemplo, escorregar) e nos lançamos nessa investigação. Tem um percurso a ser seguido, mas trabalhamos com improvisação em tempo real.”, explica Renata Leoni, umas das intérpretes-criadoras.

Por isso, pode-se dizer que a intervenção é uma mescla de site specific, já que incorpora o lugar à obra, e de “arte pública” que, segundo a Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais, é “a arte realizada fora dos espaços tradicionalmente dedicados a ela”, como teatros, museus e galerias. 

Não é à toa que escolheram tal locação: “Fomos para uma lugar marginalizado da cidade, que já foi um lugar de esplendor. Fomos tirar lirismo, poesia, nostalgia e vazio de um lugar de abandono”, reflete Yan Chaparro, um dos intérpretes-criadores que concebeu a proposta. E complementa: “Não defendemos uma bandeira, defendemos uma percepção mais refinada de política, de ser sujeito em meio a uma cidade que nos absorve, e que tentamos nos impor de alguma forma.”.

A intervenção não deixa de ser também uma provocação para o uso e apropriação, por parte dos moradores, dos espaços públicos numa cidade em que isso é exceção. Trecho descrito pelo escritor, Abílio Leite de Barros, no artigo “Crônicas de uma cidade centenária”, mostra um exemplo de segregação entre povo e cidade que remonta à sua fundação:

“Vinte e seis de agosto de mil oitocentos e noventa e nove seria um dia de festa na vila de Santo Antônio de Campo Grande. Na igreja do protetor os sinos dariam o sinal festivo. Aglomerações, foguetórios, churrascos, folguedos entrariam pela noite ao som de catiras e polcas paraguaias. Afinal, depois de antigas e insistentes reivindicações, o governo estadual assinava a resolução de emancipação da vila, criando o município de Campo Grande. Essa festa, entretanto, não houve. Por uma razão simples: ninguém sabia”.

Sem cerimônia… busca valorizar o que está, aparentemente, esquecido. Os lugares são ordinários, o ponto de partida também, mas a atribuição de valor conferida pelo ato acaba dando tom de cerimônia à intervenção, o que apresenta uma contradição que a negação que há no nome também faz: a negação da cerimônia revela sua presença.

O Conectivo Corpomancia foi criado em 2008, em Campo Grande, quando as dançarinas Ana Maria Rosa, Franciella Cavalheri, Luiza Rosa e Paula Bueno se reuniram para desenvolver o espetáculo Corpomancia: um jogo de dança em cena (2008), criado com base em jogo de tabuleiro de autoria de Paula Bueno e Luciana Cristofari (2006-2008). Desde então, esse “eixo de processos colaborativos” vem desenvolvendo criações como Me=morar, o corpo em casa (2009), Inocência (2012), e Sem Cerimônia (2012-2013), além de diversas videodanças – que estão disponíveis aqui –, oficinas e parcerias político-culturais. 

Sem Cerimônia – ser cidade foi contemplado pelo Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua (Circo, Dança e Teatro)/2011. É uma realização do Conectivo Corpomancia, produzida pela Arado Cultural.

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Serviço:

Local: Rua Dom Aquino, s/n, entrada pela escada.Campo Grande- Mato Grosso do Sul
Dias: 22 e 23 de fevereiro de 2013.
Horário: 17h
Entrada gratuita.
 

Ficha técnica:
Concepção do projeto: Yan Chaparro / Intérpretes criadores das intervenções iniciais: Franciella Cabalheri, Marcos Mattos, Paula Bueno, Renata Leoni e Yan Chaparro / Intérpretes criadores das intervenções finais: Camila Emboava, Franciella Cavalheri, Gustavo Lorenço, Renata Leoni e Yan Chaparro / Figurinista: Mary Saldanha / Produção: Arado Cultural / Assessora de imprensa: Camila Emboava / Vídeo e fotografia:Helton Pérez (Vaca Azul) / Trilha sonora: Jonas Feliz / Design gráfico: Maíra Espíndola

Fontes de pesquisa: 

“Crônicas de uma cidade centenária”, escrito por Abílio Leite de Barros, publicado em Campo Grande: 100 anos de construção, organizado pela Enersul, 1999.

“Afinal, quantos anos tem Campo Grande?”, artigo escrito por Luca Maribondo, publicado no site Campo Grande News, em 11 ago. 2011. Disponível em: <http://www.campograndenews.com.br/colunistas/luca-maribondo/afinal-quantos-anos-tem-campo-grande>.