Perfomance e história: Zeca Ligiéro e o Instituto Hemisférico

* Arthur Moreau, colaborador do idanca.net, cobriu o 8º INSTITUTO HEMISFÉRICO, um encontro bienal que acontece em diversas partes da América do Sul. Este ano o evento aconteceu em São Paulo e, além do relato, Arthur preparou uma série de quatro entrevistas com alguns dos participantes: Diana TaylorBeth LopesZeca Ligiéro e Lúcio Agra.

Abaixo vocês podem conferir a terceira entrevista, com Zeca Ligiéro:

Zeca Ligiéro: José Luiz Ligiéro Coelho possui doutorado em Performance Studies – New York University, onde conheceu Diana Taylor. Fundou com ela e outros professores o Instituto Hemisférico, e, desde então, é colaborador do mesmo. Atualmente é professor da UNIRIO e Coordenador do Núcleo de Estudos das Performances Afro-Ameríndias (NEPAA). A entrevista foi feita no dia 17 de janeiro.

1 – Como foi a fundação do Instituto Hemisférico? Qual foi a motivação para esse empreendimento?

        Zeca Ligiéro: O Instituto surge com a proposta da Diana Taylor. Eu tinha terminado o meu doutorado na NYU [New York University], no Departamento de Performance Studies. Eu já conhecia a Diana e me encontrei com ela. Ela disse que tinha um projeto que queria conversar comigo. Falei ótimo!, vamos conversar. Ai ela me disse do projeto, que seria a criação do Instituto Hemisférico congregando, inicialmente, quatro universidade que eram a NYU [onde a Daina é professora] UNIRIO [onde Zeca é professor], a PUC do Peru [representada pelo prof. Luis Peirano] e a Universidade Autónoma de Nuevo León, do México [Javier Serna]. Então, começamos a nos reunir e tal, ela me mandou o projeto, deu algumas ideias e eu achei um projeto super ambicioso com esse nome Instituto Hemisférico de Performance e Política. Mas enfim, vamos lá! Vamos ver como vai ser isso. Inicialmente, a ideia do Instituto era fazer um evento anual que aconteceria em países diferentes, a criação de um arquivo digital e também estabelecer cursos dados pelas várias universidades.

        Então, a partir dessa ideia eu me prontifiquei a organizar o primeiro evento. Em 2000 fizemos o primeiro encontro do Instituto das Américas, no Rio, na UNIRIO. A partir dai que as coisas começaram a acontecer. A gente começou a convocar artistas. A ideia dela era trabalhar com artistas e ativistas políticos e também sacerdotes, enfim. Era uma coisa muito ampla. A partir desse primeiro evento nós conseguimos apoio da Fundação Ford Foundation e o projeto deslanchou. Tivemos o segundo evento em Monterrey, na Universidade Nuevo León, México. O terceiro no Peru. Mas então verificamos que é muito complicado produzir um evento anualmente e, então, passamos a ter o evento a cada dois anos.

        Basicamente, foi essa a estrutura que escolhemos. Depois do terceiro encontro, outras universidades foram entrando no projeto. A coisa foi tomando um vulto muito grande. Hoje em dia, não sei quantas universidades participam. São muitas dos Estados Unidos. Outras querendo entrar.

        O projeto é muito ambicioso. Eu acho ele muito importante porque é uma oportunidade rara de encontrar arte a latina americana, a arte das Américas. No Brasil principalmente, o fato de nós falarmos português nos isola do resto da América. O México se sente parente da Colômbia. A Colômbia copia um pouco o México. A Argentina tem muito a ver com o Uruguai e o Paraguai porque falam a mesma língua, fica mais de se comunicarem. As publicações circulam entre eles. Companhias de teatro circulam, o cinema circula. E a gente vive a parte um pouco. Lembro, por exemplo, na minha infância, eu assistia a filmes mexicanos. Fui criado assistindo eles e adorava. Hoje em dia não tem mais esse acesso. No processo de globalização a gente basicamente só consome produtos norte americanos. A não ser uma exceção de arte, um festival, mas enfim, mas basicamente a gente consome enlatados americanos, seja através da televisão, seja através da própria indústria cultural. Então, eu acho que esse evento trabalha um pouco na contramão, no sentido de convocar artistas, intelectuais, pensadores acadêmicos pra trocar informações. Vejo, então, como um grande processo de troca.

        Na realidade eu sou uma pequena parte disso. Embora eu tenha trabalho em todos os eventos, acabou o Instituto centralizando-se mais em Nova Yorque e agora ele tem uma sede fixa lá.

2 – Vocês que fundaram o Instituto Hemisférico se inspiraram em quais conceitos? Quem inspirou vocês para configurarem a ideologia do Instituto?

        ZL: Olha, na realidade essa ideia é uma ideia da Diana. Eu acho que nós a ajudamos no sentido de desenvolver a ideia dela. Colaboramos com a ideia dela. Pra você ter uma ideia, quando ela propôs, em 1998, criar uma rede através da internet e criar todo um sistema eu disse que sim, que iria fazer, que iria participar. Queria que a UNIRIO entrasse nesse projeto. Mas a UNIRIO não tinha nem rede de computadores. Então quando ela me mandou o servidor eu não sabia nem o que que era isso. Eu achava que servidor era um megacomputador. Mas na realidade era um computador igualzinho aos outros. Dai eu falei: “Ué! Isso que é servidor?!” E quando o computador chegou na UNIRIO a Universidade não tinha rede. Nós tivemos que fazer uma rede pirata com a autorização do CBPF, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, um órgão do Governo Federal, que é um prédio que fica ao lado. Esse instituto controlava o centro de computação da UNIRIO. Eles autorizaram um ponto de rede lá, no CBPF, e de note puxamos um cabo de um prédio da UNIRIO, o famoso ‘gato’ pra poder ter um computador da UNIRIO integrado na rede da NYU. Isso depois virou uma piada, porque eu tinha dito que a UNIRIO estava preparada para receber o servidor. Foi uma mentira para poder participar. Se eu disse que não tínhamos rede seriam apenas três universidades e não teria uma universidade brasileira.

        A partir dai criamos vários cursos, demos vários cursos conjuntos, compartilhamos a website. Com o tempo, ficou inviável ter uma rede tão grande porque nós tínhamos computadores espelhados e a quantidade de informação era muito grande. Também éramos sujeitos a hackers. Dai a NYU acabou centralizando. Eles têm um megacomputador e nós fornecemos material que entra no site do Instituto Hemisférico em Nova Yorque. Os nossos materiais são estocados lá e isso dá uma garantia que você bossa baixar uma peça de teatro minha, ou do Zé Celso, ou uma peça de teatro da Jesusa Rodríguez, do México, e por ai vai. São centenas de materiais que podem ser baixados gratuitamente. Isso é um banco de dados impressionante. Acho que não existe no mundo, talvez, outro banco tão complexo, tão completo sobre as atividades artísticas da América Latina. Indistintamente, seja em português, em inglês ou em espanhol. Particularmente, esse trabalho me enriqueceu muito, pois embora, eu já tivesse contato com a produção em inglês, estudei nos Estados Unidos e tal. Uma vez morando em Nova Yorque, você muito tem contato com o mundo latino. Há quinze anos eu não tinha conhecimento nenhum sobre o que estava acontecendo na América Latina. Tinha um conhecimento vago.

        Então esse simpósio foi realizado em Córdoba, na Argentina, foi realizado um encontro no Peru, no México… Então isso me permitiu entrar em contato com esse repertório, com esses contextos.

        Isso refletiu quando, na mesma época que eu estava trabalhando com a Diana, eu estava criando o meu núcleo, que é o Núcleo de Estudos das Performances Afro-Ameríndias, NEPA, que está completando 15 anos nesse ano. Através disso eu consegui documentar materiais e atualmente o meu núcleo congrega pesquisadores que viajam para fazer pesquisas e isso ampliou nosso universo.

        Como eu estava dizendo anteriormente, nós estamos trabalhando na contra-mão da cultura de massa. O sentido que políticas mais progressistas apontam para essa integração com a América Latina. Trabalhamos contra a cultura de massa principalmente veiculada pelos meios de comunicação. Recebemos notícias apenas das tragédias da América Latina. Não recebemos notícias sobre escritores latino-americanos. Aliás, eu vou fazer um parênteses. Alguns jornais de São Paulo abrem essa perspectiva. Vocês aqui, de São Paulo, são melhores servidos, mais integrados. Não é atoa que o Memorial da América Latina fica aqui. O Rio de Janeiro se acha tão auto-suficiente, que fica de costas para o Brasil e de frente para a América do Norte e para a Europa. Temos essa deficiência.

3 – Atualmente qual é a sua relação com o Instituto Hemisférico?

        ZL: Minha relação é de colaborador. Tenho participado de todos os encontros. Tenho participado do board da diretoria até agora, mas parece que haverá uma reforma. Enfim, sou um colaborador e a ideia é dar continuidade a esse trabalho. Tanto eu me beneficio com meu grupo quanto como também nós trazemos para o Instituto algum tipo de trabalho que é caro para ele, porque trabalho com performance afro-brasileira mesclado com a performance indígena ou ameríndia. Isso tem uma repercussão no Instituto porque existe uma demanda.

        Tenho materiais que estão sendo incluídos no acervo, como minhas peças. Eu sempre participo ou como acadêmico, dando palestras, participando de mesas redondas, ou eventualmente como performer. Nesse encontro eu fiz uma performance [“Festas e Carnaval”, apresentada na USP]. É uma colaboração, um work in progress, como os americanos falam. Uma colaboração sempre em processo.

4 – Como o sr. percebe, de modo geral, as recentes produções intelectuais e artísticas da performance aqui do Brasil?

        ZL: É uma pergunta ampla. A gente tem dentro do que chamamos de performance temos várias possibilidades. Temos performance e arte, que é uma atividade que vem da década de 1960 e que vem acontecendo em vários lugares. E também tem os estudos da performance, e dentro desse temos dois grandes campos: performance e arte e as performances culturais. As performances culturais nós englobaríamos o estudos de vários tipos de performance: os folguedos (que antigamente chamávamos de folclore) as performances religiosas, enfim. O outro campo seria performance artes (performing art), que é uma atividade que sai das artes visuais, que tem a ver com a instalação, com a provocação de rua.

        Acho que no Brasil estamos vivendo um momento muito rico. Existe, por exemplo, uma rede de teatro de rua, uma rede de pessoas que fazem performance. Então eu acho que é um momento de muita troca, de muita efervescência. Isso não acontece somente nos grades centros, em São Paulo, no Rio. Acontece também em outras capitais e mesmo nas cidades do interior.

        Em relação ao estudo da performance, é uma disciplina que vem sendo implantada em várias universidades. Aqui mesmo em São Paulo tem um encontro de estudo da performance chamada NA PEDRA, que é um grupo de antropologia. Já teve, se não me engano, três encontros os quais participei. É muito interessante. Há grupos na Bahia e em vários lugares. Esse encontro, agora, que estamos fazendo, vai estimular mais esse processo de intercâmbio.

        É interessante quando vemos pessoas que estão fazendo performance arte na rua. Por exemplo, vemos pessoas pintadas na rua fazendo estátua. Isso é uma performance e vamos ver mais. Também vemos a performance do vendedor com a cobra e quando é que ele vai soltar a cobra. Isso é uma performance e sempre foi. Hoje em dia vemos com outros olhos. Porque a performance é uma forma de expressão. Cada vez que você está se expressando esta criando uma performance. Esse entendimento que temos hoje, no passado não tínhamos.

        Vejo performances em todos os lugares. Você sai de casa, você vai encontrar alguém na rua fazendo uma performance. Esse tipo de encontro nos ajuda a ler o que que esta em volta. À vezes nós passamos e não percebemos. Um dia que estávamos caminhando de metrô para algum outro lugar, com om grupo do Instituto Hemisférico, eu era, talvez, o único brasileiro no grupo. Parecia turista, alto, branco, diferente pela maneira de me vestir. Íamos em fila. Aquilo parecia já uma performance. Não estávamos fazendo uma performance [proposital]. Mas para uma pessoa desavisada, parecia uma procissão de turistas. E dai um cara da rua começou a fazer sons estranhíssimos de animais. Um coroa, meio bêbado. Ele reagiu de uma forma performática. Aquilo provocou riso em todos. Ninguém esperava que um senhor, assim, um rapaz médio, vestido como eu como você começar a emitir sons de animais. Eu não sei porque ele fez aquilo. Mas ele resolveu fazer uma performance. Foi uma reação que ele teve diante daquele quadro de turistas.

        Estamos sempre rodeados por essa tal da performance e o Brasil é o país da performance. Talvez o carnaval seja o grande evento performático que todo mundo vira outra pessoa e se sente livre para virar outra pessoa, sendo ele mesmo.