Sobre performances, por Lúcio Agra

* Arthur Moreau, colaborador do idanca.net, cobriu o 8º INSTITUTO HEMISFÉRICO, um encontro bienal que acontece em diversas partes da América do Sul. Este ano o evento aconteceu em São Paulo e, além do relato, Arthur preparou uma série de quatro entrevistas com alguns dos participantes: Diana TaylorBeth LopesZeca Ligiéro e Lúcio Agra.

Abaixo vocês podem conferir a quarta e última entrevista, com Lúcio Agra:

Lúcio Agra: é professor do curso de Comunicação das Artes do Corpo, da PUC-SP, universidade a qual se formou doutor no curso de Comunicação e Semiótica. Também é professor do curso de especialização Performance e Linguagens Contemporâneas, do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Compareceu ao 8o Instituto Hemisférico como performer e como público. Conversei com o Lúcio, ex professor meu, no dia 17 de janeiro.

1 – O que você destaca na programação do 8o Instituto Hemisférico?

Lúcio Agra: Eu destacaria principalmente a presença da Pocha Nostra ; foi uma coisa que a gente batalhou muitos anos, eu mesmo sonhava disso acontecer. A Violeta Luna, que a gente acabou de ver, fez parte do grupo. De todos os participantes que tradicionalmente costumam estar no Hemi, a Pocha é, talvez, independentemente do próprio evento, uma entidade da maior importância. É um coletivo e uma proposta de performance que ultrapassa as noções tradicionais associadas a esta linguagem e mesmo ao teatro. Eu acho que a gente precisava ver isso aqui, particularmente em São Paulo, porque eles já estiveram no Brasil, nos encontros do Hemisférico que aconteceram em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. E em São Paulo eles nunca tinham se apresentado. Para uma cidade que tem uma história de performance muito singular como a gente pode ver aqui – alguns estão sem credencial e muitos outros performers nem estão aqui – eu acho que é de suma importância que a Pocha viesse como veio, enfim. Talvez não com tudo com o que poderia acontecer, mas são as circunstâncias. Lamentavelmente o Guillermo Gomez-Peña, não pode vir por motivos pessoais. Ainda assim eu assinalaria essa apresentação como o ponto alto do evento.

2 – Você sentiu falta de algum tema ou algum artista que você acha que seria importante estar na agenda da programação?

        LA: Senti falta de toda a performance brasileira. Esse é um evento que tem muitos artistas de teatro que até onde sei, nunca reivindicaram proximidade com a performance antes. Estão aqui fazendo palestras, dando espetáculos, que é uma ideia totalmente avessa a performance. Algumas exceções como, por exemplo, o Teatro da Vertigem – posso falar isso com tranquilidade porque convivi de perto, até quando o Renato Cohen era vivo – tem relações com isso. Há todo um interesse, de que eu sou testemunha, do Vertigem, desde sempre, com relação à performance. Mas há outros artistas aqui, talvez com exceções de participantes individuais, que nunca haviam proclamado esse interesse.

        Eu poderia dizer, por exemplo, não quero citar nomes, que quase todos os artistas da performance que eu conheço atualmente em trabalho no Brasil não estão presentes aqui [para apresentar algum trabalho ou participar de palestra].  Eu estou, e mais um ou dois, no caso o Marcos Bulhões e o Marcelo Denny. Cito nomes das pessoas que estão e prefiro não citar as que não estão para não criar embaraço a elas e ao próprio evento. Isso me soa estranho. Acho que é uma opção, é uma escolha da organização do evento, mas eu não sou obrigado a dizer que eu concordo com ela. Não que isso seja uma admoestação, que fique bem claro. É só uma observação. Eu não vi presentes pessoas que são a performance e por outro lado vi pessoas que não comumente estão reivindicando essa posição e que estão presentes aqui.

3 – Mais ou menos dentro do que você disse agora, vimos aqui muitas apresentações identificadas com teatro ou dança…

        LA: Elas são, inclusive, apresentadas como tal. São apresentadas com a denominação “espetáculo” e são apresentadas como formas teatrais. Está escrito explicitamente que são peças de teatro. Agora, é claro que você pode argumentar que, dependendo do ponto de vista, a performance engloba tudo, etc. Tá bom. Mas daí, então, teremos que desenvolver essa discussão, que não está, me parece, sendo desenvolvida aqui. Muito embora tivéssemos, em julho de 2012, a visita do Richard Schechner a São Paulo, que é super ligado ao Hemisférico, e ele tenha feito uma observação muito interessante, na palestra que ele fez no congresso de antropologia [no Tuca, Teatro da PUC-SP], ele disse assim: “Para mim, hoje em dia, o teatro é um ponto na história da performance.”

4 – Você acha que aqui seria um bom lugar pra essa discussão sobre teatro, dança e performance e seus lugares políticos?

        LA: Eu diria de outra forma. Eu propus um grupo de estudos aqui cujo trabalho seria tratar da pergunta “quem somos nós da performance latino americana?” A pergunta é feita para nós entendermos isso de alguma maneira. Se nós descobrirmos que na verdade nós, que fazemos performance, somos todos devedores do teatro, que há uma mescla curiosa entre teatro e performance na América Latina, no Brasil, tudo bem. Agora, eu acharia interessante que isso fosse discutido… [toca o sinal de alerta de apresentação que ocorrerá logo mais no teatro do SESC Vila Mariana] Eles vão soar os três sinais do teatro. Eu vejo que as pessoas não conseguem se desfazer de uma conexão com isso. Eu gostaria de perguntar por que o teatro está interessado na performance? Por que pessoas do teatro estão querendo participar de um encontro que é, desde 2000, nomeadamente, um encontro de performance? Não questionar dizendo “o teatro não é performance! A performance não é teatro”, não quero entrar nesse papo furado. A Violeta Luna, que acabamos de ver, não faz teatro. Porque a Pocha Nostra, que vimos ontem, não faz teatro. Porque Nao Bustamante, que vimos agora, não faz teatro. Não faz porque não faz mesmo. Eu nunca vi a Nao Bustamante, a Violeta Luna, ou o Pocha Nostra, ou Susana Cook, ou qualquer dos outros artistas ligados ao Hemisférico dizendo que estavam fazendo uma peça de teatro. A menos que eles tenham uma história de teatro anterior que eu não estou sabendo. Os livros da Diana Taylor, até onde eu li, são livros que são comentários sobre performance. Tenho três livros dela.

        Então eu acho que tem uma questão aqui que seria muito interessante debater. Mas acho uma pena que o evento não está querendo discutir isso ou não parece querer discutir. Ou talvez isso não é o que se queira discutir. Eu não sei. Eu também tenho uma perplexidade. Estou traduzindo essa perplexidade. Eu acho que esse encontro demonstra uma contradição que é rica, que é interessante e que eu acho que deveríamos prestar mais atenção a ela.

5 – Você acha que a característica do espetacular, que a espetacularidade não cabe à performance?

        LA: Isso é uma discussão bem longa, né? Não dá pra falar em poucas palavras aqui, não. Eu sou avesso à palavra espetáculo e não estou sozinho nisso, conheço gente de teatro que também não gosta do termo. Detesto essa palavra. Detesto por causa de todas as conotações e toda comodidade que ela representa. As pessoas, não querendo fazer esforço de pensar em outra possibilidade, falam que vão fazer “um espetáculo”. Conheço gente de performance que até usa essa palavra e conheço gente de teatro que a detesta. Acho que há um problema nessas denominações, e não só na palavra espetáculo, em outras como “dramaturgia”, “ator”, o próprio termo “performer”, e a palavra “performance” que é problemática também.

        Agora, eu acho que é uma pena que muitas vezes a gente não se coloca para discutir isso. Do meu ponto de vista, com toda a modéstia que possa ter, acredito que é muito difícil se trabalhar com a noção de espetáculo e performance. Há elementos da tradição do show business ou do espetáculo que são usados pela performance e alguns que são usados de forma extraordinária. Estamos aqui com pessoas que vem dessa tradição, que parodiam (paródia não quer dizer esculhambação,  quer dizer homenagem, é um canto paralelo) as tradições mais difíceis e complexas do espetáculo, por exemplo, estadunidense, que são riquíssimas e que são dificílimas de se desenvolver. Claro que hoje já não tem mais cabimento nenhum algumas dessas formas, como teatro musical do jeito era feito na década de 1940. Mas não podemos achar, em absoluto, que aquilo é uma coisa vagabunda. Muitíssimo pelo contrario. É uma tradição que eu, inclusive, admiro.

6 – O 8o encontro do Hemisférico ajuda a reforçar os movimentos político e artístico da performance em São Paulo?

        LA: Eu acho que ajuda bastante. Acho que ter vindo pra São Paulo foi fundamental. Foi um dos ganhos mais interessantes. Com todos os problemas que possa ter, com todas as contradições que traga consigo – e traz -, isso definitivamente coloca a performance em discussão. Por exemplo, o simples fato de que a revista de programação do SESC–SP colocou o 8o Encontro Hemisférico de Performance e Política, sendo o SESC-SP um co-produtor do evento, nas rubricas de teatro e de dança já dá uma ideia da importância que tem. Qualquer um percebe que aí tem uma coisa para ser discutida. Não se poderá arrastar isso eternamente, sem que as pessoas se deem conta de que algo está acontecendo. Então, nesse sentido, acho maravilhoso e fundamental que o Hemisférico venha aqui. Com todos os equívocos possíveis e com todos os acertos possíveis. Acho muito importante, sim.