“Tem muita gente no palco e pouca gente na plateia”

“Quem disse isso foi o cantor Chico César”, afirmou Lau Siqueira, atual secretário de Cultura do Estado da Paraíba, quando perguntado se existe, de fato, espaço para o artista da dança desenvolver seus trabalhos. E por “desenvolver” entendem-se implicadas as perspectivas de dignidade e manutenção – noções ligadas a uma identidade laboral, em que o indivíduo consegue dar continuidade às suas pesquisas e investigações, no caso da arte, especificamente.

O cenário da política cultural nos estados do Nordeste é um ponto de tensão importante e significativo a ser estudado e analisado no cenário brasileiro, não apenas em tempos de tormenta, mas em tempos de bonança também. Quando o atual ministro da cultura, Juca Ferreira, no livro A cultura pela palavra (2013) coloca que é necessário que existam políticas de estado e não de governo, ele delineia com simplicidade e coerência o que um outro ministro da cultura, da década de 1980, o economista paraibano de Pombal, Celso Furtado, já pontuava: precisamos evidenciar a criatividade pelo potencial que ela possui para além das margens que ela mesmo cria.

Podemos então pensar: e o que a produção de políticas culturais em/de/para dança, seja na esfera que for – federal, estadual, municipal -, tem a ver com a criatividade e com o que ela gera? “Praticamente tudo”, é uma resposta que se encaixa com extrema perfeição na pergunta acima. Mas antes precisamos compreender que ideia temos de política cultural.

Se fizermos uso da colocação do atual ministro, posta acima, podemos considerar que política cultural é aquela que é para o povo, para o cidadão; aquela política focada numa ideia de continuidade, ou seja, de manutenção; aquela política atenta aos aspectos sustentáveis de um ordenamento artístico, que consegue atravessar a obviedade de uma gestão, avançando com o tempo, sendo sempre revista e analisada, mas tendo sempre como fundamento o povo brasileiro e o acesso à cultura como guias estruturantes.

Se pensarmos nos diversos modos de existir da dança – companhias, grupos, coletivos, artistas independentes etc – então a noção de política cultural se amplia, ou pelo menos deveria se ampliar. Porém não é bem isso que acontece.

Muito dificilmente o artista que ganhou uma subvenção em 2014 ganhará a mesma em 2015, vivendo de longas e profundas admiradas ao abismo, sem saber quem o jogará primeiro – ou se ele mesmo se jogará (de desespero? Talvez.). Essa lógica é simples: editalização – assunto muito discutido no campo da dança no país e negado como política pública.

De fato, o edital é um instrumento político. O problema é que ele não deveria estar só, mas está. Ele tem atravessado o tempo aparentemente bradando a sua competência em reger o que vai ser criado, como vai ser criado e em quanto tempo algo vai nascer e vai morrer. O edital tem delimitado o que é produzido e, pior ainda, como deve ser produzido.

Logo, considerá-lo como uma política cultural encarcera a produção em dança num aspecto temporal onde o artista é forçado a trabalhar num ritmo produtivista, sem necessariamente se dar conta da potencial contribuição (ou não) que está dando (ou não) à dança. O fator tempo destrói a potência para construir um problema. E um problema grave, pois gera um tipo, uma noção, uma ideia de criatividade que tem solidificado o fazer artístico da área numa lógica de “cadeia de produção” e “economia” complicadas de se entender nessa esfera artística.

A concepção de política cultural vai (ou deveria ir) por outro caminho: atenta às lógicas de produção inerentes à dança – processuais por natureza. “Mostrar um resultado”, consequência de toda pesquisa, para a dança, deveria ser sempre questionável, pois há quem assim o faça e há quem assim o negue, sendo isso a sua própria criação. Mas o que temos visto nessa estratificação da editalização, por falarmos tanto nisso, é que ela tem forçado as barreiras e construído uma criatividade a serviço do agora, o que tem produzido um tipo de plateia e gerado uma política pobre de observação do seu entorno (diga-se artistas).

Mas existe algum problema em percebermos a criatividade em dança dentro desses parâmetros produtivistas? Também acredito que não, porém a questão é que ela, assim como o edital como política cultural, têm funcionado como única resposta: se você não se encaixar nesse modo de produção, perde a vez. Que vez?

Tal colocação lembra muito a palestra da escritora nigeriana Chimamanda Adichie sobre O perigo de uma única história (2009): “A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles são incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única história” (2009).

A dança como linha de produção não funciona para todos os artistas, especialmente num país com a abrangência cultural do Brasil, que conta com os mais diversos modos de existir, como fio dito anteriormente. Precisamos pensar a sustentabilidade das ações em dança para além do aparente único instrumento político como real forma de se fazer política cultural. É necessário reafirmarmos as temporalidades da criação em dança, sejam elas quais e quantas forem, sem negá-las, pois, as implicações dessa inobservância, impactarão consideravelmente no futuro da produção artística em dança. Mas para tanto é necessário que a lógica do desenvolver, dita acima, caminhe de mãos dados com a perspectiva do fazer artístico.

Por conseguinte, pergunto: teria então o artista algum papel a cumprir nessa imperiosa e necessária (des) reformulação? Penso que esse seja um bom tópico para outro texto.

 

 

Joyce Barbosa é artista da dança, de João Pessoa (PB). Trabalha com a Paralelo Cia de Dança há 12 anos, e juntos, realizam o ImprovisA-ÇÃO – jam de dança – e o Falar Dança, ações independentes, uma vez por mês, na sede da companhia. Também é professora de dança no Centro Estadual de Artes. Doutora pela PUC-SP, mestre em dança pela UFBA e mestre em direito econômico pela UFPB.