Ter espaço para ter tempo | Ter espaço para ter tempo

Que responsabilidades tem a comunidade artística na criação de alternativas ao apoio, formação e difusão das artes performativas? Como é que se podem criar dinâmicas nacionais e internacionais que fujam aos circuitos já estabelecidos? E como é que se pode dizer ao poder político e à própria comunidade artística que não é tempo de cruzar os braços mas de aproveitar as energias de todos em nome de um projecto de criação politica, cultural e socialmente implicado?

Para o coreógrafo Rui Horta a resposta está no Espaço do Tempo, o projecto artístico que instalou em Montemor-o-Novo, no antigo Convento da Saudação, em plena planície alentejana, a pouco mais de uma hora de Lisboa.

Quem conhece as imagens de cartão postal da região certamente reconhecerá os imensos campos cultivados, as casas brancas, baixas e pequenas, e terá ouvido dizer que o tempo ali corre com outra velocidade. O Espaço do Tempo é um espaço para se ter tempo. E é verdade que não se consegue fugir às imagens feitas. No alto de um monte, as ruínas do castelo dominam a cidade e há janelas que rasgam as paredes fazendo com que a paisagem entre pelas salas do convento recuperado. Há uma luz imensa que demora a desaparecer quando as tardes caem. E depois há a comida, o vinho, o calor, a simpatia dos habitantes. Mas também há arte, no que isso pressupõe de relação entre criadores, curadoria e públicos.

Rui Horta não tinha previsto tudo quando há cinco anos atrás, com o apoio da Maison de la Culture de Bourges, abriu num antigo convento do século 16, um espaço para residências artísticas longe dos centros urbanos. A circulação pela Europa enquanto coreógrafo, e o distanciamento crítico da cena nacional a que isso obrigou, deram-lhe margem para desenvolver para os outros um espaço de cumplicidade.

Da mesma forma que quando começou houve quem lhe tivesse estendido a mão, queria contribuir para um aprimoramento das condições de criação. «A arte não é um processo escolástico, mas de tentativa e erro». Rui Horta queria dar-lhes a possibilidade para, criando, pensarem o que estavam a fazer. Mas se no início foi o nome do coreógrafo a garantir a visibilidade do projecto, depressa o próprio espaço ganhou autonomia. Se houver um segredo está na vontade de dar aos criadores a oportunidade de desenvolverem os seus projectos artísticos sem a pressão dos estúdios e dos programadores: «estamos aqui por causa dos artistas, para os servir». Longe do modelo francês de Centros Nacionais, poderia dar-se por aproximação o exemplo do Hebbel Theater, em Berlim, ou o Vooruit, em Gent (Bélgica), espaços onde a criação se sobrepõe à produção, a programação se sustenta num modelo de proximidade e a investigação e pesquisa é a razão que justifica o fazer.

Porque o Convento da Saudação não é um «pavilhão multiusos» nem uma «colónia de férias para a Europa do Norte», a própria geometria do espaço, «distribuidora de energias», obriga a uma reflexão sobre a criação que parte do confronto entre o recolhimento dos quartos (agora estúdios e escritórios) e o encontro nos claustros. O espaço é, no fundo, um laboratório para o desenvolvimento de novas linguagens, onde se cruzam artistas com um percurso já reconhecido e outros a começarem. Há tempo e condições para se trabalhar. Nos estúdios, no campo, nas ruas da cidade, durante a noite ou madrugada cedo. E ninguém é obrigado a fazer apresentações públicas dos processos de trabalho: «até se agradece que não o façam. Isso daria uma visibilidade superficial ao trabalho que aqui se desenvolve».

No total são 10 mil refeições por ano e 75 mil euros, que em 2006 se dividem por 25 projectos nacionais e estrangeiros nas áreas da dança, teatro, performance, artes plásticas, improvisação e música. Isto sem contar com o trabalho desenvolvido com as escolas ou os encontros promovidos em colaboração com outras instituições locais ou nacionais, uma vez que fora do centro urbano, um projecto artístico tem que ter uma dimensão sócio-cultural. Tem que se implicar com a cidade que o acolhe. Caso contrário aumenta o fosso entre criadores e matéria de criação. No mesmo fim-de-semana podemos encontrar uma feira do livro e espectáculos de dança, debates, conferências, música ao vivo ou simples encontro não previstos. Desde que se tenha tempo para (saber) estar.

A estes cruzamentos Rui Horta dá o nome de «invisible coaching», proporcionando encontros entre criadores portugueses e estrangeiros escolhidos a partir de cumplicidades ou provocações. Em 2005-2006 nomes como Bruno Dizien, Compagnie 7273, Roberto Olivan, Ina Christel Johannessen, Leili Gueranfar, Jo Stromgren, ou João Fiadeiro, Vera Mantero, Clara Andermatt, Sónia Baptista e Teatro Praga cruzaram o Espaço do Tempo em busca de uma certa ordem criativa. Não há candidaturas, mas uma vontade de aprender em conjunto. É esse espírito de abertura ao desconhecido que impede a institucionalização do projecto. Seria fácil, sobretudo em Portugal onde as condições de produção e as responsabilidades pela continuidade do trabalho estão sempre à beira do precipício, ver no Espaço do Tempo não só uma alternativa, mas sobretudo um porto seguro para a criação. Mas abrir as portas a quem tem vontade de criar implica não fazer concessões. Da mesma forma que não se fazem concessões ao público. E essa filosofia tem inscrito Montemor-o-Novo no mapa da circulação de públicos para a criação contemporânea.

A apresentação regular de espectáculos – que decorrem tanto no Convento como na cidade, no teatro Curvo Semedo e, desde há três anos, em Évora, a capital de distrito -, podem ser a faceta mais visível de um trabalho acerca do fazer contemporâneo. Mas são, sobretudo, oportunidades para pensar que implicação tem a arte na vida quotidiana. É nesse ponto que o Espaço do Tempo quer marcar a diferença. A arte enquanto reflexão sobre a sociedade deve ser consciente das marcas que deixa. E Rui Horta sabe que na criação só há duas hipóteses: ou se vai até ao fim ou não. «A virtude está no extremo», diz

Que responsabilidades tem a comunidade artística na criação de alternativas ao apoio, formação e difusão das artes performativas? Como é que se podem criar dinâmicas nacionais e internacionais que fujam aos circuitos já estabelecidos? E como é que se pode dizer ao poder político e à própria comunidade artística que não é tempo de cruzar os braços mas de aproveitar as energias de todos em nome de um projecto de criação politica, cultural e socialmente implicado?

Para o coreógrafo Rui Horta a resposta está no Espaço do Tempo, o projecto artístico que instalou em Montemor-o-Novo, no antigo Convento da Saudação, em plena planície alentejana, a pouco mais de uma hora de Lisboa.

Quem conhece as imagens de cartão postal da região certamente reconhecerá os imensos campos cultivados, as casas brancas, baixas e pequenas, e terá ouvido dizer que o tempo ali corre com outra velocidade. O Espaço do Tempo é um espaço para se ter tempo. E é verdade que não se consegue fugir às imagens feitas. No alto de um monte, as ruínas do castelo dominam a cidade e há janelas que rasgam as paredes fazendo com que a paisagem entre pelas salas do convento recuperado. Há uma luz imensa que demora a desaparecer quando as tardes caem. E depois há a comida, o vinho, o calor, a simpatia dos habitantes. Mas também há arte, no que isso pressupõe de relação entre criadores, curadoria e públicos.

Rui Horta não tinha previsto tudo quando há cinco anos atrás, com o apoio da Maison de la Culture de Bourges, abriu num antigo convento do século 16, um espaço para residências artísticas longe dos centros urbanos. A circulação pela Europa enquanto coreógrafo, e o distanciamento crítico da cena nacional a que isso obrigou, deram-lhe margem para desenvolver para os outros um espaço de cumplicidade.

Da mesma forma que quando começou houve quem lhe tivesse estendido a mão, queria contribuir para um aprimoramento das condições de criação. «A arte não é um processo escolástico, mas de tentativa e erro». Rui Horta queria dar-lhes a possibilidade para, criando, pensarem o que estavam a fazer. Mas se no início foi o nome do coreógrafo a garantir a visibilidade do projecto, depressa o próprio espaço ganhou autonomia. Se houver um segredo está na vontade de dar aos criadores a oportunidade de desenvolverem os seus projectos artísticos sem a pressão dos estúdios e dos programadores: «estamos aqui por causa dos artistas, para os servir». Longe do modelo francês de Centros Nacionais, poderia dar-se por aproximação o exemplo do Hebbel Theater, em Berlim, ou o Vooruit, em Gent (Bélgica), espaços onde a criação se sobrepõe à produção, a programação se sustenta num modelo de proximidade e a investigação e pesquisa é a razão que justifica o fazer.

Porque o Convento da Saudação não é um «pavilhão multiusos» nem uma «colónia de férias para a Europa do Norte», a própria geometria do espaço, «distribuidora de energias», obriga a uma reflexão sobre a criação que parte do confronto entre o recolhimento dos quartos (agora estúdios e escritórios) e o encontro nos claustros. O espaço é, no fundo, um laboratório para o desenvolvimento de novas linguagens, onde se cruzam artistas com um percurso já reconhecido e outros a começarem. Há tempo e condições para se trabalhar. Nos estúdios, no campo, nas ruas da cidade, durante a noite ou madrugada cedo. E ninguém é obrigado a fazer apresentações públicas dos processos de trabalho: «até se agradece que não o façam. Isso daria uma visibilidade superficial ao trabalho que aqui se desenvolve».

No total são 10 mil refeições por ano e 75 mil euros, que em 2006 se dividem por 25 projectos nacionais e estrangeiros nas áreas da dança, teatro, performance, artes plásticas, improvisação e música. Isto sem contar com o trabalho desenvolvido com as escolas ou os encontros promovidos em colaboração com outras instituições locais ou nacionais, uma vez que fora do centro urbano, um projecto artístico tem que ter uma dimensão sócio-cultural. Tem que se implicar com a cidade que o acolhe. Caso contrário aumenta o fosso entre criadores e matéria de criação. No mesmo fim-de-semana podemos encontrar uma feira do livro e espectáculos de dança, debates, conferências, música ao vivo ou simples encontro não previstos. Desde que se tenha tempo para (saber) estar.

A estes cruzamentos Rui Horta dá o nome de «invisible coaching», proporcionando encontros entre criadores portugueses e estrangeiros escolhidos a partir de cumplicidades ou provocações. Em 2005-2006 nomes como Bruno Dizien, Compagnie 7273, Roberto Olivan, Ina Christel Johannessen, Leili Gueranfar, Jo Stromgren, ou João Fiadeiro, Vera Mantero, Clara Andermatt, Sónia Baptista e Teatro Praga cruzaram o Espaço do Tempo em busca de uma certa ordem criativa. Não há candidaturas, mas uma vontade de aprender em conjunto. É esse espírito de abertura ao desconhecido que impede a institucionalização do projecto. Seria fácil, sobretudo em Portugal onde as condições de produção e as responsabilidades pela continuidade do trabalho estão sempre à beira do precipício, ver no Espaço do Tempo não só uma alternativa, mas sobretudo um porto seguro para a criação. Mas abrir as portas a quem tem vontade de criar implica não fazer concessões. Da mesma forma que não se fazem concessões ao público. E essa filosofia tem inscrito Montemor-o-Novo no mapa da circulação de públicos para a criação contemporânea.

A apresentação regular de espectáculos – que decorrem tanto no Convento como na cidade, no teatro Curvo Semedo e, desde há três anos, em Évora, a capital de distrito -, podem ser a faceta mais visível de um trabalho acerca do fazer contemporâneo. Mas são, sobretudo, oportunidades para pensar que implicação tem a arte na vida quotidiana. É nesse ponto que o Espaço do Tempo quer marcar a diferença. A arte enquanto reflexão sobre a sociedade deve ser consciente das marcas que deixa. E Rui Horta sabe que na criação só há duas hipóteses: ou se vai até ao fim ou não. «A virtude está no extremo», diz