Um fio entre vazios | A wire between emptiness

Os retratos não criam formas: procuram um fio que já existe, mas que só olhar do fotógrafo torna visível. São expressões, pontuações, gestos parados no ar, prontos para se concretizar. O fato de as obras estarem lá, naquele espaço sem geometria da memória, condiciona a mirada, ajusta o foco que move cada trabalho, em retrospecto.

Carlos Antolini deixa as marcas da dança no papel, transformando o cenário dessa arte no Estado. Pois este é o primeiro livro de fotos da dança cênica em Vitória, e aqui se pode ver uma história com interrupções e continuidades. Grupos do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, da Bahia, e de Minas Gerais – que passaram por Vitória ou cruzaram com a companhia de Mitzi, sua mulher, em outros lugares do país – criam um novo ponto de vista para o que se faz e o que se pode fazer na dança daqui. Não são apenas impressões de instantes, mas relações que cada foto cria em si e em contraponto com as outras, compondo um verdadeiro mosaico.

Já ficam claras, desde o início, as linguagens distintas que se irá percorrer: depois dos primeiros gestos doces e naturais, vem uma dança expressionista, que deixa emergir dramas ocultos; vem também dança clássica, autos festivos, dança moderna e dança contemporânea, reunidas numa ordem singular.

Da cidade de Vitória, temos aqui o registro de companhias que não tiveram continuidade, como a Cia. de Mulheres (1994 a 1999), e o Grupo Resfulengo (1998 a 1999). Outras, ainda, como a Homem Cia. de Dança, criada em 1999; a Quorum Cia. de Dança criada em 1999; o Grupo Neo-Iaô, fundado em 1986 e que em 2001 passa a se chamar Cia. Magno Godoy de Dança e Teatro; o Balé da Ilha, de 1999, a Cia. Enki de Dança, de 2001; o Grupo NegraÔ Dança Afro, criado em 1991 e o Corpo em Cena, que teve início em 1989.

O livro Retrato do Gesto registra também alguns encontros de artistas, em momentos singulares, reuniões temporárias de grupos para determinados trabalhos. À sua maneira, é uma história de resistência: resistência às dificuldades de sobreviver dessa arte no nosso país.

A diagramação sobrepõe imagens de diferentes tamanhos, dispondo lado a lado diversas linguagens, que se tornam ao mesmo tempo próximas e distintas, instalando um espaço peculiar para descoberta e discussão da nossa dança. Cadências, pausas, silêncios propõem que se repare, através das imagens, o quanto cada gesto porta em si de significados. Cada foto manifesta uma permanência: a anterioridade da dança, o enfrentamento da matéria, a presença singular de cada corpo e de cada grupo no espaço e no tempo.

Tudo isso agora transforma a arte da cena, efêmera por sua natureza, num modelo de permanência. Como se alguma coisa quisesse se esconder por trás dessa superfície, marcada por tantos movimentos e tantas pausas, desenhada nas formas da interioridade e da exterioridade. No limite do impalpável, as fotos contêm em si as marcas concretas e imanentes de cada dança, buscando aberturas para o movimento, para o qual não parece haver jamais um ponto final. E as fotos não estancam nada: são um gesto a mais na linha da dança, pedindo agora, com seu silêncio cheio de vida, o complemento cuidadoso e rigoroso do olhar.

Pictures do not create forms: they search for a wire that already exists, but only the photographer’s look makes visible. They are expressions, punctuations, gestures stopped in middle air, ready to materialize themselves. The fact that the pieces are there, in that space without memory geometry, conditions the look, adjusts the focus that moves each work, in retrospective.

Carlos Antolini leaves the marks of the dance in paper, transforming the scene for this artform in the region. For this is the first photo book on stage dance in Vitória, and here we can see a history with its interruptions and continuities. Groups from Espirito Santo, Rio de Janeiro, Bahia and Minas Gerais – that had passed for Vitória or had crossed with the photographer’s wife Mitzi’s company, in other places of the country – create a new point of view for what is done and what can be done in local dance. They are not only impressions of instants, but the interrelations that each photo creates in itself and with the others, composing a true mosaic.

Organized in chronological order, the photographies project shades, traces of existing bodies. The first photo is from 1987, precisely from Cia. de Dança Mitzi Marzzuti’s. Created in 1986, it was one of the first professional dance groups in Espirito Santo. We then follow a photo of her sister’s work, Ingrid Mendonça, and Jorge Pombo’s (Ingrid created the Vitória Porto Cia. de Baile Flamenco in 1992).

Are already clear, since the beginning, the distinct languages thata one will follow: after the first natural and sweet gestures, comes an expressionist dance, that allows to emerge occult dramas; also comes classical dance, dramatic popular dances, modern dance and contemporary dance, congregated in a singular order.

From the city of Vitória, we have the register of companies that had no continuity, as Cia. de Mulheres (1994 – 1999), and Grupo Resfulengo (1998 – 1999). Others, still, as Homem Cia. de Dança, created in 1999; Quorum Cia. de Dança created in 1999; Grupo Neo-Iaô, established in 1986 and from 2001 called Cia. Magno Godoy de Dança e Teatro; Balé da Ilha, from 1999, and Cia. Enki de Dança, from 2001; Grupo NegraÔ Dança Afro, created in 1991 and Corpo em Cena, that began in 1989.

The book also registers some artists’s meeting, at unique moments, temporary meetings of groups for specific works. In its own way, is a resistance history: resistance to the difficulties to survive of this artform in our country.

The design overlaps images of different sizes, disposing diverse languages side by side, what becomes at the same time next and distinct, installing a peculiar space for discovery and question of our dance. Cadences, pauses, silence propose we notice, through the images, how much meaning each gesture carries in itself. Each photo manifests a permanence: the priority of dance, the confrontation of the substance, the singular presence of each body and each group in space and time.

All of this transforms now the arts scene, ephemeral by nature, into a permanence model. As if something wanted to hide itself in the back of this surface, marked by many movements and many pauses, drawn in forms of interiority and exteriority.

Borderline untouchable, the photos contain in themselves the concrete and imanent marks of each dance, searching for openings for the movement, which seems to have to final point. And photos do not stop anything: they are another gesture in the line of dance, asking now, with its silence full of life, for a careful and rigorous complement of the eye.