Um lugar para renovar o amor

Um ano após seu falecimento, Marcelo Braga retorna aos palcos em Romeu, com interpretação cênica e direção final do bailarino e coreógrafo João Saldanha, seu companheiro de vida e trabalho por mais de 20 anos. Escrito durante o tratamento de um linfoma cutâneo de célula T, o autor e ex-bailarino expõe na obra questões íntimas de forma reflexiva e bem humorada, que chegam agora através da presença e voz de Saldanha.

O segundo solo criado por Braga é, antes de tudo, uma história de amor. Partindo do personagem central da obra de Shakespeare, que desde a adolescência marcou sua vida de forma definitiva, o artista se aprofundou em questões apontadas em seu primeiro trabalho, O Homem Vermelho, vencedor do Prêmio FADA 2011 e do Klauss Vianna 2012.

À pedidos de Marcelo, o coreógrafo assumiu o projeto, que é patrocinado pela Secretaria Municipal de Cultura, tornando possível a realização desta obra póstuma. Porém, algumas adaptações foram necessárias. Saldanha tornou-se o narrador do texto e convida o público à uma viagem pelas paixões, virtudes, medos e canções do autor.

Em entrevista ao Idança.net, João Saldanha fala mais um pouco do projeto, sua criação e continuidade.

Idança: Assim como em O Homem Vermelho (2012), para este trabalho Marcelo Braga partiu de suas próprias reflexões durante o tratamento de linfoma. Como é para você dar voz a essas questões?

JS – Marcelo Braga estava construindo uma trilogia que abordava a questão da sobrevivência sobre a perspectiva de uma doença rara, fez O Homem Vermelho e mal havia terminado de escrever, começou a conceber Romeu, deixou apenas um texto introdutório de Copacabana, aquela que seria a última abordagem sobre suas questões existenciais. Na verdade a voz é do Marcelo, eu sou um mediador atravessado por ele que procura ser ora narrador de uma história, ora a personagem em questão. Como é um texto que tem a possibilidade da morte muito presente e, pelo fato de termos sido companheiros por 25 anos, é um mergulho emotivo dentro do amor da minha vida, um lugar para renovar esse amor e entender que existem esses ciclos os quais não fomos e não estamos muito bem preparados. Concluo ser uma preparação para a minha vida solitária, sem o Marcelo.

Idança: Quais adaptações foram necessárias para dar continuidade ao projeto?

JS – Muitas, o projeto teve que ser postergado, eu estava com uma criação a caminho, em plenos ensaios, as datas foram mudadas diversas vezes, os espaços disponíveis para a encenação também por questões relativas a programação e mudança de gerência do espaço, a cenografia foi modificada, a ficha técnica também por questões de agendas, nossa, uma série de fatores aconteceram desde a morte do Marcelo. Apesar de todos esses acontecimentos a criação está de pé, é um texto excepcional, de uma inventividade e coragem singular que espero fazer a altura de sua concepção.

Idança: Por mais de 20 anos você e Marcelo Braga atuaram juntos em diversos trabalhos. Nesta peça, vocês também assinam juntos a cenografia e desenho de luz. O que você ressalta de mais significante nesses dois componentes dentro da obra? Como você acha que eles se complementam?

JS – A parceria entre nós por ser muito intensa e contínua em diversas expressões no campo artístico se firmou pela escuta e pela simplicidade, quando estamos falando de iluminação, eu não sou um iluminador, mas sou muito sensível a luz como corpo complementar dentro da linguagem, sem muitos eventos que ilustrem e salientem essa função, a de iluminar um trabalho. A luz está lá, mas não é um evento a parte. No caso da cenografia, eu adaptei alguns pontos que eram importantes para uma dramaturgia de mesa, de leitura, então o público atua na espacialidade proposta, ele participa nessa esfera de revelações e invenções propostas pelo autor, no caso, pelo Marcelo. O todo é complementar!

Idança: Como surgiu a ideia da participação virtual da atriz Simone Spoladore? Qual seu significado dentro do projeto?

JS – Eu convidei a Simone Spoladore, primeiro por ela ser uma parceira do Marcelo, pela morosidade que existiu entre os dois em tão breve tempo de contato. Ela é uma atriz muito particular, que se dispõe aos mais diversos mergulhos para expressar e comunicar a sua arte. Uma artista reservada, exposta e criativa com um rosto cinematográfico, nos padrões elevados do que cinematográfico significa. Simone é a síntese da imagem da atriz, é menina, é mulher, é um homem quando quer, é um ser que não se firma pela sexualidade, ao contrário do que pode parecer, então essa multiplicidade de virtudes expressam a sutileza de sua participação em Romeu.

Idança: Quais aspectos do Romeu de Shakespeare o trabalho busca ressaltar? Em que medida o diálogo com esta obra clássica traz luzes a contemporaneidade?

JS – O trabalho não busca ressaltar nenhum aspecto além do que a própria obra de Shakespeare vem tramando nesses séculos de convivência com a existência dos homens e das mulheres que inventou, trata-se de uma paixão do Marcelo, que desde adolescente tinha uma atração pelo texto e nos primórdios de sua carreira de bailarino, fez parte de uma montagem do Ballet quando dançava na Fundação Clóvis Salgado, Palácio das Artes, em Belo Horizonte. O que torna parte do mundo de hoje é a trança feita pelo autor, que extrai de suas experiências vividas e de sua inventividade, um argumento para abordar a morte que nos acompanha nesse processo que entendemos como vida e mescla com Carlos Zéfiro, cartunista de cordel erótico para dar tempero ao assunto.

Romeu estreia dia 22 de dezembro, às 19h, na Sala Multiuso do Espaço SESC, no Rio e segue em temporada até 24 de janeiro de 2016.

Foto: © Renato Mangolin

Serviço:

Romeu, de Marcelo Braga
Versão, atuação e dramaturgia: João Saldanha

O espetáculo estreia dia 22/12, mas retorna ano que vem. A temporada segue até 24/1/2016, de quinta a sábado, às 19h; Domingos, às 18h.
Local: Sala Multiuso – Espaço SESC – Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana – RJ
Ingressos: R$ 20 (R$10 meia-entrada e R$ 5 associados SESC)
Classificação: 14 anos