Um modo de programar cada vez mais complexo | A new way of program, more and more complex

Grande quadro circular cuja disposição permite que o espectador, no centro, veja os objetos como se do alto de uma montanha estive a observar todo o horizonte circunjacente. Essa definição encontrada no Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa para a palavra Panorama bem define o modo de ser do Panorama Rio Dança, que teve sua XIV edição entre os dias 29 de outubro a 07 de novembro deste ano.

Nestes últimos quatro anos em que venho acompanhando o evento, que consiste na média de dez dias por edição, aproximadamente quarenta espetáculos de produção nacional e internacional, não estive do outro lado da cena e sim entre uma e outra, ou melhor dizendo, no meio, entre todas elas.
O horizonte circunjacente o qual o espectador que acompanha a programação tem como perspectiva é habitado, entre outras coisas, pela cena radical da dança contemporânea. Não somente em termos de sua elaboração estética, mas também, na maneira pela qual o espectador se engaja enquanto audiência.

Tenho observado que esse deslocamento da relação do público com a obra decorre da efetivação de um programa que vem tornado seu modo de organização cada vez mais complexo. Nos moldes tradicionais, os festivais não competitivos apresentam a seleção de seus espetáculos em espaços tradicionais e, em alguns casos, os criadores convidados oferecem um pequeno curso para a comunidade interessada. Diferente deste modelo, o Panorama tem um espaço reservado para os criadores estreantes, promove residências com objetivo de criar obras, que irão compor sua programação, viabiliza a criação de outras obras produzidas em colaboração entre um artista brasileiro e outro de um outro país, promove discussões sobre temas pertinentes à criação, à produção, à política cultural, além de apresentar espetáculos convidados.

Não bastando isso, o evento acontece em locais diferentes da cidade do Rio de Janeiro (Centro, Copacabana, Humaitá, Tijuca); nem sempre em teatros (Real Benemérita Beneficência Portuguesa 2004, Paço Imperial 2004, ruas do centro da cidade 2003 e 2005); em alguns casos, o espetáculo só recebe um espectador por vez (Porta das mãos Michel Groisman, Danças privadas Francisco Camacho, O que você desejar… Alex Cassal, Laura Sämy, Löis Lancaster 2004 e Dani Lima 2004 e 2005); em outros, ele está disperso por um espaço muito grande e o público deve realizar seu próprio trajeto (x-mal Mensch Stuhl Angile Hiesl performance-instalação onde idosos, sentados em cadeiras fixadas em fachadas de prédios, nos arredores da praça Tiradentes, faziam ações corriqueiras 2003). Sem falar na duração das obras, que podem ser de apenas 15 minutos ou durar todo um dia.

Concebido dessa maneira, o Panorama Rio Dança segue a tendência de outros festivais fora do Brasil, submetendo o espectador a uma experiência diferente de fruir uma dança, que em muitos casos não é convencional. A somatória entre o deslocamento operado no modo de ver o espetáculo mais o teor daquilo que é visto resulta numa percepção ainda menos comum. Os comentários em torno das obras são muito distintos, mesmo entre pessoas que partilham certos pontos de vista semelhantes.
ÿndice da complexidade que se dobra nesta experiência.

É óbvio que um evento dessa natureza está carregado também de problemas. O mais importante deles, talvez seja, a presença maior de artistas estrangeiros que de outros estados do próprio Brasil. Este problema deriva-se da falta de política pública para os artistas da dança no Brasil. Fundamentalmente nos Estados Unidos, antes das guerras no Oriente Médio e em alguns países da Europa, os artistas são subvencionados pelos seus governos para atender convites de eventos internacionais fora de seus países. Assim um grande grupo francês que participa do evento, representam um custo financeiro menor, para a produção do evento, que a vinda de um único artista do Ceará sem apoio de seu estado, por exemplo.
Desse modo a curadoria tem restrições reais.

A participação de artistas franceses, ingleses, alemães, portugueses, espanhóis é muito comum. Muito embora, nesta última edição, viu-se três artistas do continente Africano: Augusto Cuvilas (Moçambique), Faustin Linyekula (Congo), Steven Cohen e Elu (ÿfrica do Sul); e um grupo da República Tcheca: Lhotáková & Soukup Dance Company. Mas a dança produzida no Brasil ainda é pouco representativa, carecendo de estratégias que viabilize o acesso à programação.

É importante deixar claro que o Panorama não é o único evento importante de dança contemporânea. O FID, em Belo Horizonte, por exemplo, depois de dissolver sua programação por todo o ano, acaba de abrir uma nova frente: o FID editorial, com a publicação de títulos importantes de estudos teóricos da dança. Espalhados pelo Brasil o Festival de Dança do Recife, a Bienal de Dança do Ceará e em outra dimensão, mas não menos importante, o Festival de Dança de Araraquara, no interior de São Paulo, são nichos de resistência onde a dança contemporânea tem espaço garantido.

É impossível fechar os olhos para o desenvolvimento que a dança contemporânea no Brasil vem vivendo, com todos os contrates e desigualdades de oportunidades que lhe são peculiares.
Esta cena vem chamando a atenção de programadores de festivais e teatros importantes, sobretudo da França e Inglaterra. Não somente pelos trabalhos instigantes que nós estamos produzindo aqui, mas também pelo contexto criado pelos festivais, e, nesse sentido, o Panorama Rio Dança vem desempenhando um papel relevante.

* Paulo Paixão é Doutorando do Programa de Comunicação e Semiótica da PUC/SP, Professor de dança da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará.