Um novo olhar no palco | new vision on stage

Dentro de uma perspectiva histórica da dança pernambucana, o IX Festival de Dança do Recife teve como marca a ousadia, propondo para o público uma programação mais reflexiva e contribuindo para a profissionalização dos grupos locais.

Desde o ano passado, o Festival vem trazendo para cidade trabalhos de referência da dança contemporânea feita no Brasil e no exterior, em consonância com a programação de outros eventos da área no país.

Os espetáculos trazidos para os palcos recifenses, durante os dias 1 e 5 de setembro, exigiram da platéia mais do que um olhar contemplativo e sim uma abertura dos seus sentidos. Trabalhos como O Banho, de Marta Soares (SP), Olympia, de Vera Mantero (Portugal), O Samba do Crioulo Doido, de Luiz de Abreu (SP) e SKR – Procedimento 1, do grupo Cena 11(SC), causaram estranhamento em grande parte dos espectadores, que muitas vezes não os reconheciam como dança.

Essa postura do público, entretanto, é uma constante diante da produção de dança contemporânea, e não uma especificidade de Recife. O ponto fraco desta edição do Festival foi a falta de espaço para debates e discussões ao longo da programação, para que a reflexão proposta pelos espetáculos pudesse ser aprofundada.

A maior contribuição do IX Festival foi para a profissionalização do cenário de dança local, propiciando aos grupos de Pernambuco estrutura para mostra de seus espetáculos na íntegra. Parte das apresentações eram remontagens, ou releituras, de trabalhos antigos, como fez o Grupo Grial de Dança, a Compassos Cia de Danças e o Vias da Dança. Apenas o Grupo Experimental, e dois novos grupos locais, a Icógnum Cia de Dança e Trupp, mostraram criações recentes. Esse fato, porém, reafirma a necessidade de a cena profissional levar suas obras a público com unidade, que antes eram apresentadas de forma fragmentada.

O perfil anterior do evento tinha uma programação que alternava coreografias locais com nacionais e internacionais, nos mais variados estilos. Na mesma noite, havia apresentações de companhias, escolas e trabalhos independentes, que duravam no máximo 20 minutos cada, mas transformavam a noite numa longa maratona.

Este perfil de festival vinha acontecendo na cidade desde a década de 80, quando houve eventos como o Ciclo de Dança, realizado de 1983 até 1990 e do Projeto Estação Dançar nos anos de 1989, 1990 e 1996, além de outros eventos pontuais como Quartas em I Ato, Dançando na Chuva e Dança para Todos.

Na época, essas iniciativas foram importantes para o desenvolvimento profissional da dança, pois atendiam a demanda do cenário. A programação local, em sua maioria, era composta por coreografias de escolas e academias, que refletiam a produção em dança feita na cidade. Mesmo com a existência de alguns grupos de dança popular nos anos 70 e 80, só a partir da década de 90, houve um intenso movimento de formação e proliferação de companhias da cidade.

Com a consolidação artística de grande parte dos grupos surgidos nos anos 90, houve a necessidade de repensar as políticas voltadas para a dança no Recife. As companhias necessitavam de espaço e qualidade técnica para apresentar suas montagens em eventos da cidade.

Essa necessidade só pode ser atendida com a mudança da organização do Festival, que desde o ano passado foi incorporado como evento oficial da Prefeitura, sob a coordenação de Adriana Faria. A curadoria do Festival tornou-se mais seletiva na escolha dos espetáculos. Se, por um lado, deixou de fora vários grupos de dança popular e academias, por outro, propiciou estrutura profissional para os grupos participantes.

O fato, que acarretou encontros e discussões com os profissionais da área em meados de 2003, resultou na implantação de outro evento na agenda anual da cidade, a Mostra Brasileira de Dança. Esta iniciativa, organizada por Paulo de Castro e Shiro (antigo produtor do Festival de Dança do Recife) passou a garantir o espaço nos palcos para escolas e iniciativas amadoras.

O IX Festival de Dança do Recife reflete o amadurecimento do pensamento de dança na cidade, exigindo do público um novo olhar para arte e trazendo para si responsabilidades sobre a atual discussão de profissionalização da área.

*Liana Gesteira é bailarina, jornalista e pesquisadora do projeto Acervo RecorDança.Translation by Fabiana Júlio, Ccaps Translation and Localization.

The Recife Dance Festival re-creates its image after eight years. Examining the dance originating from the Brazilian state of Pernambuco from a historical perspective, the IX Recife Dance Festival was marked by boldness. It offered the public a more reflexive programming and contributed to the professionalization of local groups. Since last year, the festival has brought to the city different works of reference for contemporary dance originating in Brazil and abroad, in harmony with the programming of other associated events in Brazil.

The performances brought to the Recife stages between September 1-5 demanded from the audience more than simply a contemplative eye. They also demanded an opening of the senses. Works such as O Banho (“The Bath”) by Marta Soares (São Paulo), Olympia by Vera Mantero (Portugal), O Samba do Crioulo Doido (“Crazy Black Man’s Samba”) by Luiz de Abreu (São Paulo) and SKR – Procedimento 1 (SKR – Procedure 1) by the Cena 11 Group (Santa Catarina) shocked the majority of the audience, which often did not recognize the performance as dance at all.

This type of public posture, however, is a constant with contemporary dance production, and is certainly not isolated to Recife. The weak point of this edition of the festival was the lack of space for debates and discussions during the programming, which could lead to an in-depth analysis of the reflection proposed by the performances.

The major contribution of the IX Festival was that it enhanced the professionalization of the local dance scene, providing the Pernambuco groups the structure required to exhibit their performances in full scale. Some of the performances were re-presentations or re-readings of old works, such as those presented by Grupo Grial de Dança, Compassos Cia de Danças and Vias da Dança. Only Grupo Experimental and two new local groups, Icógnum Cia de Dança and Trupp, performed new works. This fact, however, reaffirms one of the needs of the local professional scene: to bring those works that before were only presented in a fragmented manner to the public in a unified fashion.

The event’s previous profile involved programming that alternated local choreographies with national and international choreographies in the most varied styles. During a single night, there were presentations by dance companies and schools in addition to independent works that lasted a maximum of 20 minutes each, but which transformed the night into a long marathon.

This profile for the festival had been the standard in the city since the 1980’s, when there were events such as the Ciclo de Dança, or “Dance Cycle”, which took place from 1983 to 1990 and the Projeto Estação Dançar, or “The Dance Station Project”, which took place in 1989, 1990 and 1996. There were also a range of other punctual events such as Quartas em I Ato (Quarters in I Act), Dançando na Chuva (Dancing in the Rain) and Dança para Todos (A Dance for Everyone).

At the time, these initiatives were important for the professional development of dance, as they met the demands of the local scene. The majority of local programming consisted of choreographies created by schools and academies, a fact, which reflected the particular production of dance in the city. Even with the existence of some popular dance groups in the 1970’s and 1980’s, it was only in the 1990’s that an intense movement began which promoted the formation and proliferation of dance companies in the city.

With the artistic consolidation of a large number of the groups that appeared in the 1990’s, there was suddenly the need to re-think those policies associated with dance in Recife. The companies needed both space and technical quality to present their programs in city-wide events.That need can only be met by changing the organization of the festival, which since last year has been an official event of the city government under the coordination of Adriana Faria. The trustees of the festival became more selective in terms of the choice of performances. If, on one hand, various popular dance groups and academies were left behind, on the other hand, it created a professional structure for those participating groups.

This occurrence, which led to meetings and discussions with professionals in the area in the middle of 2003, resulted in the implementation of another event in the city’s annual agenda, the Brazilian Dance Exhibit. This initiative, which was organized by Paulo de Castro and Shiro (former producer of the Recife Dance Festival), was able to guarantee the stage space for schools and amateur initiatives.

The IX Recife Dance Festival reflects the maturation of thinking on dance in the city, forcing the public to look at art in a new way and take responsibility for the current discussion on the professionalization of the area.

Liana Gesteira is a dancer, journalist and researcher for the RecorDança Archive Project.