Sapatos Brancos / Foto: Gil Grossi

Uma bienal para a alteridade

Bienal SESC de Dança reuniu 21 espetáculos, além de intervenções e videoinstalações em Santos

Terminou no dia 8 de setembro a 7ª edição da Bienal SESC de Dança do SESC Santos, no litoral de São Paulo. Durante uma semana a mostra reuniu em teatros, praças e ruas da cidade 21 espetáculos com 34 apresentações, além de intervenções e videoinstalações. O evento contou com 33 companhias de diversas regiões do Brasil, além de representantes da Argentina, da Bélgica, da França e do Senegal. Para a edição de 2011 foi aberta uma convocatória pública com o intuito de selecionar trabalhos sem um tema previamente definido.

O programa produzido pelo SESC diz que foram reunidas “obras que trazem questões, conceitos e palavras que atravessam a contemporaneidade, reverberando no corpo que dança um fluxo de informações e inquietações que expande a atuação para outros territórios plásticos e sensíveis delimitados por outras linguagens”. Assim, a Bienal deste ano aponta para uma forma de fazer dança que trata de friccionar o limite entre a dança a as outras artes, entre quem assiste e quem faz dança ou ainda entre o corpo e o que Peter Pál Pelbart citou como “neo-cartesianismo high-tech”.

Neste sentido, é de se salientar o espaço aberto pela Bienal para o trabalho de novos coreógrafos e para conversas entre pesquisadores e artistas: a Mostra Novos Coreógrafos trouxe o argentino Punto Ciego e os brasileiros, Dança em Curva, Jimmy, The Jungle Beast e Ma Vie, todos seguidos de bate-papo com a pesquisadora Ana Teixeira. As Atividades Formativas incluíram o lançamento do livro Temas para a dança brasileira e os Encontros Provocativos, que colocaram na mesma mesa de debate a dramaturgista Thereza Rocha e a coreógrafa Denise Stutz, e o filósofo Peter Pál Pelbart e o coreógrafo Marcelo Evelin.

A programação oficial da mostra foi aberta pela companhia belga Les Ballets C de la B, no dia 2 de setembro, com o espetáculo Primero – Erscht, dirigido e coreografado pela argentina Lisi Estaràs, que faz parte do time de Alain Platel. Além deles, estiveram em Santos os argentinos Maneries, da Luis Garay & Co. Buenos Aires, representando a promissora cena de dança latino-americana, e os franceses Pudique Acide/Extasis, dirigido por Mathilde Monnier e baseado em obras de Merce Cunningham e Pina Bausch. Entre o Novo e o Velho Mundo, podemos situar o trabalho da senegalesa Germain Acogny (foto), que apresentou Songook Yaakaar.

A discípula de Maurice Béjart e mais tarde diretora da École des Sables, no Senegal, leva a plateia a uma desconexa rêverie (bem típica dos tempos de tablets e smartphones, diga-se de passagem) que fica entre o talk show, o cinema e o gestuário yorubá. Apesar de enraizado nas danças tradicionais africanas, Germaine diz que seu trabalho em nada reflete um “retorno às raízes”; pelo contrário, usa a tradição da dança-escárnio para fazer piadas sobre si mesma, sem poupar os outros.

Com um só mudra que permeia todo o espetáculo, da entrada inicial pela plateia até o magnífico solo final, Germaine diz: “je suis de passage”. Afinal, estar de passagem, em gesto livre e espontâneo, é a melhor forma de não estar submisso a um tempo passado. O mesmo tempo que ignora a mondialisation, os arranha-céus, o reggaeton e a própria possibilidade de atualização das tradições no mundo moderno.

Sapatos Brancos / Foto: Gil Grossi

Sapatos Brancos / Foto: Gil Grossi

Nesta direção, vale destacar Sapatos Brancos (foto 2), trabalho do Núcleo Artístico Luis Ferron que lança luz sobre o tão banalizado universo do carnaval paulistano, esmiuçando em cena o gestual do mestre-sala e da porta-bandeira. Com 7 intérpretes-criadores no palco, a peça explora elementos do teatro, do canto e da música ao vivo para contar a história de uma das mais expressivas festas populares brasileiras.

Dentre os espetáculos mais aguardados da mostra esteve H3, do Grupo de Rua de Niteroi, dirigido e coreografado por Bruno Beltrão. A obra premiada no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, dá sequência à pesquisa iniciada em H2 sobre as técnicas de hip-hop e suas interseções com a dança contemporânea. Nove bailarinos se alternam em solos, duos e trios, discutindo em cena os fundamentos do hip-hop: jogo de pernas, deslocamentos, quedas, movimentos amplos e simultâneos.

O palco nu de coxias à mostra deixa claro de onde vem a gangue de b-boys atômicos criada por Bruno Beltrão: da rua. Ao mesmo tempo em que escancara a continuidade entre o que se faz no palco e fora dele. A iluminação marcada pelo jogo de claro-escuro (e também por uma certa estética europeia importada) reforça a precisão e a sofisticação dos movimentos executados pelo grupo de  jovens que estão dando o que falar.

No balanço-geral, deve ser reconhecida a qualidade de uma mostra que há 7 edições encontra na baixada santista um ambiente fértil para a renovação das questões da dança e que este ano deu vazão a espetáculos e intervenções bem escolhidas. Para compensar os mais rarefeitos como Justo uma Imagem, de Denise Stutz e Felipe Ribeiro, houve os mais vanguardistas, aclamados pela crítica paulista, como Matadouro, de Marcelo Evelin/ Demolition Inc. e Núcleo do Dirceu, e Vestígios, de Marta Soares.

Houve espaço para espetáculos que têm despertado o interesse do público, como Objeto Gritante, de Maurício de Oliveira & Siameses, e Um Diálogo entre Música e Dança, de Benjamin Taubkin e Morena Nascimento, e para um espetáculo convidado de Santos, Cartas de Amor. Além destes, Cavalo, do Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial, Livro, de Margô Assis, e duas estreias, A Revolta da Lantejoula, de Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira, e o infantil Girassois, da Cia. Druw. Que esta orla santista continue possibilitando a percepção da dança por novos e arrebatadores ângulos, no contínuo exercício de aportar no cais e partir para o além-mar.

Deborah Rocha é jornalista e dançarina de Dança Clássica Odissi.

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