Uma narrativa sensorial sobre o obscuro contemporâneo do “De repente fica tudo preto de gente”

Idealizado pela artista Sheila Ribeiro,  o 7×7 é um projeto de manifestações crítico-poéticas em torno de trabalhos artísticos escritos por artistas. Desde 2009, o 7×7 olha para o que acontece em dança contemporânea por ai. Nascido durante o Festival Contemporâneo de Dança (SP), já cobriu o Festival Panorama (RJ), Olhares sobre o Corpo e  FID (MG), Panorama Sesi (SP), Bienal SESC de Dança 2013 (Santos), dialogando com os eventos de dança do Brasil e produzindo + de 100 críticas artísticas. O 7×7 hoje é:  Arthur Moreau, Caroline Moraes, Rodrigo Monteiro, Bruno Freire, Laura Bruno e Lucia Naser. O idanca.net, parceiro desde sempre, publica mais uma série de 7 críticas do projeto. Para conhecer + sobre,  acesse o site.

MARCELO EVELIN X SHEILA RIBEIRO: Não sabia que sujava
a.obscuridade.demolindo.incorporando.com

Por Sheila Ribeiro, em torno de De repente fica tudo preto de gente de Marcelo Evelin | Demolition inc.

 

De repente você entra num lugar pra ver uma coisa e tá tudo escuro.

Depois você vê que não tá tudo escuro que você pode ver mas não pode enxergar.

Quando você vê já estava de repente vendo entrar coisas no escuro.

Aí você fica tentando enxergar uma coisa que não se enxerga porque é muito difícil de ver mesmo.

Ou ainda você desiste de olhar porque não dá não tem nada ali e quem mandou a coisa não ficar clara pra mim.

De repente você percebe que você tá no meio que você é o meio que você faz parte e que entrou ali porque lá atrás alguém te falou isso e você de repente sem nem ver nem enxergar foi.

Você ficou se embolando, se esfregando, se contorcendo no chão. Você era um e ficava forte. Você era um monte de pedaço. Você saía correndo atrás dos outros. Você sozinho tava difícil. Você olhava pra eles.

Nossa então você tá no meio?

Tô?
E você tá vendo?

Tô tentando.
E você tá vendo?

Não, não vale a pena olhar.

Eles estão ali. São daquele jeito. São estranhos e não dá pra entender. De repente começam a se embolar, um negocio, um troço, um coisão. Acho q vi um cu! Eles tão se beijando – aquilo ali é beijo? Eles começaram a correr atrás deles!! Eles estavam sujos e não queriam se sujar. Eles ficam olhando eles. Eles ficam no chão. Eles ficam em pé.  De repente acontece um sei lá o quê e eles começam a se deslocar loucamente tirando eles do lugar. Eles estão olhando eles. Eles estão se organizando – se adaptando. Eles tinham que sair do lugar.

Enquanto isso os outros estão ali, pintados de meia escuridão. Pintados e talvez escuros.

Pedaços de carvão

É pra acender?

É carbonizado?

É enchurrascado?

O claro do olho tá tinindo: é gente.

Da pra ver o claro no olho

e é no dente

Os outros não estavam ali. Os outros não vieram dessa vez. Não puderam vir. Estavam atrasados. Ocupados. O cachorro tinha que ir no balé. Muitas coisas pra fazer.  Muitos afazeres. Os outros ficaram do lado de fora.

Eu não sabia que sujava.
Ai, porque eles são assim?
Ai, será que eu sou assim?

Eu também sou isso aí?

Ah não eu não eu não sou isso aí

Me tirem daqui
Quero sair daqui
Tenho vergonha

Pega mal

Vou disfarçar então
Eu sou eles eu sou isso aí

Nossa, eu beijo, me debato

Vixe, corro atrás dos outros

 

Aqueles lá de fora

Também, quem mandou entrar aqui
Eu vou sujar mesmo
Mas não é sujo, não é sujeira
Não?
Não

E o que é então
Você e eles

E os outros?

Também
E meu claro do olho?

Tá aqui e eles estão vendo
Talvez

Sheila Ribeiro é sheilaribeiro.net