Verbo em dois tempos | Two times Verbo

O que é mais mobilizador? Uma sala inundada pelo som ensurdecedor do interior do corpo ou um skatista invocando um espírito enquanto derrapa sucessivamente em banha animal? Maurício Ianês e Guilherme Peters são os protagonistas de cada uma das cenas. Os dois são artistas brasileiros engajados na performance – esta arte que é “aquilo que não é: não é teatro, não é pintura, não é dança, não é escultura”[1]. De um lado um performer com 13 anos de estrada, do outro um iniciante no meio artístico. Ambos vindos da escola das artes plásticas, com um trabalho voltado para a performance no Brasil. Na entrevista concedida ao idança, os dois falam sobre os trabalhos apresentados em São Paulo na 5ª edição da Verbo 09 (leia mais aqui), mostra de performance organizada pela Galeria Vermelho entre 6 e 11 de julho.

Maurício Ianês, que participou da última Bienal de São Paulo com a performance A Bondade de Estranhos, apresentou dois trabalhos na Verbo. O inédito Carta, de 2009, que dá continuidade ao seu trabalho acerca da linguagem, e Monólogopedra (foto ao lado), de 2008, em que os sons internos do artista são mixados em amplificados live. Já Guilherme Peters apresenta Tentativa de evocar o espírito de Joseph Beuys ao redor deste espaço, uma espécie de protesto à nostalgia que ele vê de forma negativa na arte. O jovem pesquisador introduz à cena um elemento novo vindo da cultura de rua, o skate, brincando com a experiência de voltar ao passado mesmo estando no presente.

Ambos valorizam a transversalidade midiática da performance, mas têm visões diferentes em relação ao futuro da arte. “Acho que existe hoje uma crise de criação e essa recorrência ao passado é um sintoma disso”, comenta Peters. Já Ianês é mais otimista. “Houve um renascimento da performance, um novo interesse por ela nos últimos anos, sobretudo no Brasil”, analisa. Seja como for, adentramos em uma nova zona de ficção, em que as diversas mídias – corpo, câmera de filmar, mesa de som, microfone – fazem o seu papel para que se cumpra a intenção simbólica pretendida. Leia a seguir a íntegra da entrevista e assista ao vídeo, ambos realizados durante a Verbo 09.

idança – Quando começou a trabalhar com performance?

Guilherme Peters – Há cerca de dois anos, ainda durante a faculdade. Minha experiência com a performance ainda é muito nova, só apresentei um trabalho no Anual de arte da FAAP, que também teve a ver com o skate e com a história da arte. Mas não estou focado só nisso. Hoje as diferentes artes se mesclam e acho isso uma qualidade.

idança – Como definiria a performance?

G.P. – É tudo aquilo que não é formatável, que acontece num período curto de tempo e acaba. O corpo não precisa ser necessariamente um suporte para esse tipo de trabalho.

idança – Por que escolheu essa forma de arte?

G.P. – Existe hoje uma nostalgia em relação ao passado que eu considero patética porque impede o artista de ir para frente. Por exemplo, ter saudades de como era a performance dos anos 60, que era contra os espaços institucionais. Eu quero de alguma maneira ridicularizar isso.

idança – De que forma a ironia está presente na ação apresentada na Verbo?

G.P. – Durante a performance acontecem sucessivas quedas com o skate e eu vou continuar me levantando. Tento criar um fluxo de energia ao redor do espaço com o skate e com os materiais que o Beuys usava. E é assim que vou conseguir evocar o espírito dele ao redor desse espaço. Mas o que e patético é justamente eu acreditar nisso, que isso vai trazê-lo de volta, e isso não dar certo. O fato de eu me submeter a sucessivas quedas também é patética.

idança – Quem foi Joseph Beuys?

G.P – Joseph Beuys foi um artista alemão que realizou trabalhos nos anos 60. Ele fez muita performance, esculturas, desenhos, instalação, e era um artista bem eclético. Seu trabalho era focado em energia e com uma tônica bastante espiritual.

idança – Poderia comentar os materiais utilizados na sua performance?

G.P. – Existia toda uma mitologia ao redor dos materiais utilizados pelo Beuys em seus trabalhos. Ele acreditava, por exemplo, que a banha era o combustível para se gerar energia, que o cobre captava energia e que o feltro retirava energia. Tudo isso criava uma sistemática no espaço e no trabalho dele.

idança – Tem algum projeto em vista?

G.P. – Sim, mas não de performance. Estou trabalhando na criação de salas onde todos os espíritos que participaram da história da arte irão residir.

idança – Curiosa a presença do misticismo no seu trabalho…

G.P. – Quero adotar uma postura patética de alguém que fica sempre reivindicando o passado e não chega a lugar nenhum.

idança – Você e religioso?

G.P. – Não tenho nenhuma crença específica. Me interesso muito pelo judaísmo e estou pensando até em me converter. Mas não diria que sou tão religioso.

Peters evocando o espírito de Beuys / Foto: Deborah Rocha

Peters evocando o espírito de Beuys / Foto: Deborah Rocha

idança – Que futuro vê para a performance no Brasil?

G.P. – Acho que existe hoje uma crise de criação e essa recorrência ao passado é um sintoma disso. Acredito que seja um fenômeno geral em todas as áreas, tanto na moda, quanto no cinema. É difícil criar uma coisa nova e construtiva para o futuro. Qualquer tipo de construção de uma arte única – como a que se tinha no chamado Modernismo – está desmoronado, em decadência.

idança – Conhece o trabalho no Maurício Ianês?

G.P. – Conheço o trabalho que ele fez na Bienal de São Paulo e outros trabalhos por foto ou internet. Admiro muito as coisas que vi e acho que a performance que ele vai apresentar hoje vai ser incrível.

:::

idança – Quando começou a trabalhar com performance?

Maurício Ianês – Sou formado em artes plásticas e a minha primeira performance foi durante o curso, em 95. A partir de então, sempre fez parte do meu trabalho. Não trabalho só com performance, mas com outras mídias também.

Idança – Poderia falar sobre os recursos sonoros utilizados em ‘Monólogopedra’?

M.I. – A ideia desse trabalho era usar os sons do corpo como discurso sem usar a comunicação verbal, por isso se chama Monólogopedra. Trata-se de um monólogo do corpo numa tentativa de criar uma nova forma de linguagem, que é com o que mais trabalho: as possibilidades e impossibilidades da linguagem na comunicação. Mas o que quero é justamente destacar a falência dessa tentativa e por isso os sons do corpo foram transformados em uma coisa totalmente não orgânica, extremamente pesada e matérica, trabalhada com pedais e com os equalizadores da mesa. A partir de sons orgânicos produzo um outro som que preenche a sala e que é uma experiência física para quem vê, porque vibra no corpo, incomoda.

idança – Acredita ser um monólogo mesmo?

M.I. – O publico não teve direito de resposta, pelo menos não ainda [risos].

idança – Como foi o seu primeiro trabalho apresentado na Verbo, ‘Carta’?

M.I. – Esse trabalho foi bem simples. Queria uma ação que não interferisse no cotidiano, que não criasse essa aura e que fosse uma carta direcionada ao público. Começava com “Caro amigo” e era composta inteiramente por textos de filósofos, poetas, escritores de ficção, cientistas sociais e cientistas da linguagem. Todos os fragmentos falavam ou da linguagem ou da impossibilidade da comunicação, da questão da correspondência, de como é escrever uma carta e da relação do eu com o outro.

idança – O que acha da nova safra de artistas que trabalham com performance?

M.I. – Acho que houve um renascimento da performance, um novo interesse por ela nos últimos anos, sobretudo no Brasil. E acho que a performance é uma mídia interessante porque, no geral, tem essa característica de cruzar limites. Existe a dança, o teatro, uma ação super banal como ler uma carta, e isso tudo configura uma cena de performance, possibilidades de ação que são bem interessantes.

idança – Na sua opinião, para onde caminha a performance?

M.I. – Caminha para ser simplesmente mais uma possibilidade de expressão, mais uma mídia para quem quer trabalhar com artes plásticas, dança ou o que for. E para possuir uma autoconsciência maior e uma história mais rica. Nessa evolução é preciso que o artista esteja sempre muito consciente do que está fazendo, senão ele fará uma arte fraca. Não vejo a performance como nada de especial. O que me interessa bastante nela é justamente esse face a face com o público que não existe nas outras mídias.

idança – Está trabalhando em algum projeto novo?

M.I. – Vou apresentar um projeto inédito em agosto na MIP 2009 – Manifestação Internacional de Performance -, em Belo Horizonte.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=bT–g_TnQnw[/youtube]

[1] Revista Marte nº3 – De que falamos quando falamos de performance?, Liliana Coutinho. Publicação lançada durante a Verbo 09.

What is more mobilizing? A room filled by the deafening sounds of the inside of the human body or a skater invoking a spirit as he skids over and over in animal fat? Maurício Ianês and Guilherme Peters are the protagonist of each scene. Both are Brazilian artists engaged in performance – this art form that is “everything that is not: it’s not theater, it’s not painting, it’s not dance, it’s not sculpture”. On one side, a performer with a 13 year career, on the other side, a beginner in the artistic world. Both have a plastic art background and develop performance work in Brazil. In the interview for idança, both talk about the work they presented at the 5th edition of Verbo 09, a performance showcase organized by Galeria Vermelho, from July 6 to 11.

Maurício Ianês, who participated in the last São Paulo Bienal with a performance called A Bondade de Estranhos (“The Kindness of Strangers”), presented two pieces at Verbo. Carta, from 2009, which premiered in the showcase and is a continuation of his work about language, and Monólogopedra, from 2008, in which the internal sounds of the artist are mixed in amplifiers live. Guilherme Peters presented Tentativa de evocar o espírito de Joseph Beuys ao redor deste espaço (“Attempt to evoke the spirit of Joseph Beuys around this space”), a kind of protest against the nostalgia he sees as detrimental for art. The young researcher introduces to the piece a new element taken from street culture, skate, playing with the idea of going back to the past, while remaining in the present.

Both value the media transversality of performance art, but they have different views about the future of art. “I think nowadays there is a crisis in creation and this constant return to the past is a symptom of that”, says Peters. Ianês is more optimistic. “There was a revival of performance, a new interest for it in the last years, especially in Brazil”, he analyses. Anyway, we enter a new fiction zone, in which different media – body, video camera, mixers, microphone – have their role in achieving the intended symbolic purpose. Read the complete interview and watch the video, both were made during Verbo 09.


idança – When did you start working with performance?

Guilherme Peters – About two years ago, still during college. My experience with performance is still very recent, I only presented a work in FAAP’s Anual de Arte (“Art Annual”), which also had to do with skate and art history. But I’m not focused only on that. Today different art forms mingle and I think this is an advantage.


idança – How would you define performance?

It’s everything that can’t be formatted, that takes place in a short period of time and ends. The body doesn’t necessarily have to be a support for this kind of work.


idança – Why did you choose this art form?

Today there is a lot of nostalgia about the past, which I consider to be pathetic because it prevents the artist from moving forward. For instance, missing the way performance was in the 60’s, when it was against institutional spaces. I want to mock that somehow.


idança – How is irony a part of the piece you presented at Verbo?

During the performance, I fall repeatedly off the skateboard and I keep getting up. I try to create a flow of energy around the space with the skateboard and the material used by Beuys. And that’s how I’m going to evoke his spirit around this space. But what is pathetic is exactly to believe in that, that this will bring him back, and that’s not going to work. The fact that I bring myself to fall repeatedly is pathetic.


idança – Who was Joseph Beuys?

Joseph Beuys was a German artist who worked in the 60’s. He did a lot of performances, sculptures, drawings, installation, and he was a very eclectic artist. His works focused on energy and had a very spiritual tone.


idança – Would you comment on the material used in his performance?

There was all this mythology around the materials used by Beuys in his works. He believed, for instance, that fat was the fuel to generate energy, that copper captured energy and that felt removed energy. All this created a system in space and in his work.


idança – Do you have any project in mind?

Yes, but not a performance one. I am working in the creation of rooms where all the spirits that participated in the history of art will reside.


idança – The presence of mysticism in your work is intriguing…

I want to adopt a pathetic stance, like someone who keeps claiming for the past and doesn’t get anywhere.

idança – Are you a religious person?

I don’t have a specific creed. I’m very interested in Judaism and I’m even thinking about converting. But I wouldn’t say I’m very religious.

Peters evokes Beuys' spirit / Photo: Deborah Rocha

Peters evokes Beuys

idança – What future do you see for performance in Brazil?

I think nowadays there is a crisis in creation and this constant return to the past is a symptom of that. I believe it’s a general phenomenon in all areas, in fashion and in cinema. It’s hard to create something new and constructive for the future. Any kind of construction of a single art form – like there was in the so-called Modernism – is crumbling, in decadence.


idança – Do you know the work of Maurício Ianês?

I know the work he did in Bienal de São Paulo and other works through photos or the internet. I really admire the things I’ve seen and I think the performance he is going to present today is going to be amazing.

:::

idança – When did you start working with performance?

Maurício Ianês – I graduated in plastic arts and my first performance was during college, in 1995. I don’t work only with performance, but also with other media.

idança – Could you talk about the sound resources used in ‘Monólogopedra’?

The idea for this piece was to use the sounds of the body as discourse without using verbal communication, that’s why it’s called Monólogopedra (something like Monologuestone). It’s about the monologue of the body in an attempt to create a new form of language, which is something I work with the most: the possibilities and impossibilities of language in communication. But what I want is exactly to highlight the bankruptcy of that attempt and that’s why the sounds of the body were transformed into something entirely non-organic, extremely heavy and matter like, worked with pedals and sound equalizers. From organic sounds I produce another sound that fills the room and is a physical experience for the spectator, because it vibrates in the body, it’s disturbing.


idança – Do you believe it’s actually a monologue?

The audience didn’t have the right to reply, at least not yet [laughs].


idança – How was the first work you presented at Verbo, ‘Carta’?

That work was very simple. I wanted an action that wouldn’t interfere in daily life, that wouldn’t create an aura and that was a letter addressed to the audience. It started with “Dear friend” and it was composed entirely by texts of philosophers, poets, fiction writers, social scientists and language scientists. All fragments tapped on either language or the impossibility of communication, the issue of correspondence, of how it’s like to write a letter and the relationship between oneself and the other.


idança – What do you think about the new generation of artists working with performance?

There was a revival of performance, a new interest for it in the last years, especially in Brazil. And I think performance is an interesting media because in general it has this quality of crossing limits. There is dance, theater, a very trivial gesture, like reading a letter, and it all configures a performance scene, action possibilities are very interesting.


idança – In your opinion, where is performance headed?

It’s going towards being simply another possibility of expression, another media for those who wish to work with plastic arts, dance or whatever. And towards more self-awareness and a richer history. In this evolution the artist must be always very aware of what he is doing, otherwise the result will be a very weak art. I don’t see performance as something special. What interests me is exactly this interaction with the audience, which doesn’t exist in other media.


idança – Are you working in any new projects?

I will premiere a project in August at MIP 2009 – Manifestação Internacional de Performance -, in Belo Horizonte.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=bT–g_TnQnw[/youtube]