Videodança: território fértil

A produção de videodança no Brasil ganhou fôlego no início deste século, e vem percorrendo uma trajetória ascendente de amadurecimento e expansão. Mesmo tendo registros de existência desse formato de arte no País desde 1973, a partir do trabalho da coreógrafa Analivia Cordeiro, chamado M3X3, é apenas no início dos anos 2000 que o videodança se consolida como linguagem. Esse fato está intimamente ligado ao surgimento de festivais, mostras e editais brasileiros voltados para disseminação desse suporte artístico nos últimos 10 anos.

Dentre as iniciativas que propiciaram a divulgação de videodança no Brasil podemos citar o Projeto Rumos Itaú Cultural, que já dedicou dois editais de premiação específicos para este formato em 2003 e 2006, e o Dança em Foco, evento surgido em 2003 com uma programação voltada exclusivamente para a linguagem. Este último tem sua última edição ocorrendo no Rio de Janeiro entre os dias 14 de agosto e 2 de setembro.

Atualmente, podemos citar vários eventos que agregaram em sua grade de atividades um espaço para apreciação de videodança como o Dança Brasil (RJ); Correios em Movimento (RJ); Mostra MOVE de videodança (RJ); Mostra Audiovisual Dança em Pauta (SP), Festival de Dança do Recife (PE), Festival de Inverno de Bonito (MS), entre outros.

Em Brasília, o Festival Internacional Novadança é um dos responsáveis pelo estímulo na criação de videodança. Desde sua primeira edição, em 1996, que o evento contém em sua programação uma mostra de vídeos de dança, mesclando a exibição de registros de coreografias e videodança. A partir de 2004, o Festival passou a dar um enfoque maior ao videodança com a mostra Dançando para Câmera, que faz uma seleção de trabalhos brasileiros e estrangeiros para exibição durante sua programação.

A maior conquista, entretanto, foi a criação de um edital para videodança dentro do festival, lançado em 2006. A proposta é realizar a premiação a cada dois anos. A próxima seleção deverá acontecer ainda este ano e terá o seu resultado anunciado em 2008. Na primeira edição, o patrocínio de R$ 35 mil da Petrobras foi dividido para a produção ou finalização de três trabalhos, selecionados em 2006 e exibidos em 2007: Várzea (SP), com concepção de Ricardo Lazzeta e Estúdio Biajari e direção de movimento de Ricardo Lazzeta; Em Outro Pé (SP), com direção de Kiko Ribeiro e Dafne Michellepis e direção coreográfica de Dafne Michellepis; e De Água nem tão Doce (BSB) com direção de Shirley Farias e coreografia de Laura Virgínia.

Esta iniciativa impulsionou o trabalho de Laura Virgínia no campo dessa nova linguagem. A artista recebeu R$ 5 mil para realização de De Água nem tão Doce, um videodança de sete minutos inspirado no conto homônimo da obra “Contos de Amor Rasgados” de Marina Colasanti. Laura explica que a participação neste edital foi muito importante para viabilizar a produção do vídeo, visto que não existe nenhum edital local voltado para essa linguagem. A única alternativa seria concorrer com outros projetos de cinema, que exige um currículo mais qualificado na área.

A coreógrafa, que costuma criar em cima de textos literários, já tem um próximo projeto de videodança em andamento, que deverá ser exibido em novembro. A intenção é fazer uma espécie de “videodança Haikai”, produções de 17 segundos (5 segundos para primeira linha, 7 para segunda e finaliza com 5),com poemetos Haikai, feitos em câmera de celular e câmeras de fotografia. A idéia surgiu a partir de um workshop de Dança Haikai ministrado por Luciana Bortolleto. Picadinho de amor romântico e Virginia são os dois trabalhos em construção, inspirados em obras de Virginia Woolf.

Antes do edital, apenas dois videodança brasilienses haviam se concretizado: Cidades (2003) e Pequena Paisagem do meu Jardim (2006). O primeiro foi uma iniciativa do coreógrafo e produtor Giovane Aguiar, que dividiu a direção com o cineasta Sérgio Raposo. Com duração de 20 minutos, o filme foi produzido de forma independente, sem patrocínio. O trabalhou rendeu a premiação especial da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV) “pelo experimentalismo na utilização da linguagem cinematográfica” e ainda uma menção da crítica pela trilha sonora.

O filme Pequena Paisagem do meu Jardim surgiu de iniciativa do intérprete Alessandro Brandão, e foi inspirado na coreografia Eu só existo quando Ninguém me Olha, que ele fez para o grupo baSiraH, do qual faz parte. Brandão, que também é músico e ator, explica que sempre teve interesse na mistura de linguagens e a partir do patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do DF pôde concretizar a vontade de trabalhar com cinema. “Eu sempre tive vontade de fazer cinema e foi muito interessante mergulhar nessa linguagem. Eu já havia trabalhado como ator em filmes, mas foi minha primeira vez por trás das câmeras”, declarou Brandão.

Para a realização do filme, Alessandro contou com a parceria do cineasta Bruno Torres, participando na direção de seu projeto. Desde o início a idéia foi de fazer um trabalho em formato de cinema, por isso Alessandro continua captando recursos, para transformar o filme para 35 mm e melhorar o som. Ao que parece, essa experiência tem estimulado Alessandro no campo de produção de videodança. O intérprete já tem outro projeto na cabeça, de filmar o último espetáculo do baSiraH, intitulado De Água e Sal. Brandão explica que a idéia ainda está em processo e sem expectativas de quando irá se concretizar. A prioridade agora é finalizar o seu primeiro trabalho.

Outro trabalho em fase de construção é o videodança De Carne e Pedra, produzido pela ASQ Companhia de Dança. Em 2005 o grupo recebeu recurso do prêmio Klauss Vianna (Minc) para realizar uma pesquisa sobre dramaturgia do espetáculo Brasília – Cidade em Plano e transformá-la em linguagem para um vídeo. De Carne e Pedra é fruto desse estudo e está em fase de captação de recursos para sua concretização.

A imersão brasiliense nesse novo território tem se mostrado crescente e frutífera. Mas percebemos que a iniciativa tem surgido a partir do desejo dos próprios artistas de dança, associados com pessoas de cinema e vídeo da cidade. Não existe ainda nenhum núcleo de formação específico para videodança, apenas algumas experiências em workshops como aconteceu dentro do próprio Festival Novadança, em 1999, com a cineasta holandesa Angelika Oei.

O produtor do Festival, Giovane Aguiar, percebeu o interesse em videodança não apenas no DF, mas em lugares vizinhos, como Goiânia, onde esteve dando palestras. Ele cita que a inauguração da videoteca no Centro de Dança, em Brasília, também contribui para o contexto. O local abriga uma gama de registros de coreografias e de trabalhos em videodança nacionais e estrangeiros, grande parte doada pelo Festival. Essas iniciativas, acompanhadas por um prêmio de fomento, constituem um grande estímulo para proliferação dessa nova linguagem, não apenas em Brasília, mas no País.