VII Interação e Conectividade: A Memória Como Motor

Pedalando Pelas Memórias Persistentes

De 04 a 13 de julho, o grupo soteropolitano Dimenti organizou a sétima edição do Interação e Conectividade, que neste ano de 2013 reuniu “obras, projetos e ações que desdobravam as ideias de memória e formação como parâmetros de criação. Por meio de movimentos retrospectivos, da reciclagem de materiais artísticos e reencarnações coreográficas”.

O veículo escolhido para nos conduzir por esta viagem no tempo, não foi um carro superequipado, ou uma nave espacial, mas sim, uma bicicleta: pneu que é roda, invenção revolucionária da humanidade primitiva descobrindo as benesses do polegar opositor; roda que é catraca, que moveu as máquinas da Revolução Industrial e permanece tal e qual movendo o tempo para frente ainda hoje, no maquinário do Rolex.

“Vá ao Interação e Conectividade de bicicleta

E pague meia entrada”.

Descontinuidade da Memória no Tempo-Espaço

Não anos.

Não dias.

Não horas.

Utilizando a memória como “unidade de tempo” metafísico e não mensurável, o Interação e Conectividade preencheu sua programação com espetáculos que apostavam na fragmentariedade da narrativa descontínua, não aleatória.

Espetáculos também econômicos do ponto de vista espacial, como que rendidos à impossibilidade de ocupar todos os terabytes legados pela nossa Era, mesmo momento da constatação de que a matéria – o átomo – é composto majoritariamente por espaços vazios…

O vazio entre as nossas memórias,

 é o mesmo vazio atômico que sustenta nosso corpo.

Pois sem o vazio, sequer existiriam as palavras.

…e assim, resignados com a noção de relatividade e incompletude inerentes à existência, os espetáculos do Interação e Conectividade cada um a sua maneira, desbravaram as lacunas do inconsciente coletivo humano contemporâneo.

Ouriço: O Retorno ao Tribal

O primeiro espetáculo do VII Interação e Conectividade foi também um retorno às origens humanas, um start tribal evocativo e insólito que lançaria as bases sobre as quais se assentariam todos os espetáculos que viriam: fragmetariedade; hibridismo; temporalidade atemporal; espacialidade do inconsciente. Um ouriço verde metálico carnavalesco fazia às vezes de máscara ritualística para a observação do universo metafísico; era um Ouriço; ou um Pankararu num ritual Praiá; Omolú cintilante. Místico. Místico e bacante. O retorno às origens das artes cênicas, quando a máscara encobria o indivíduo para libertar a persona:

O despertar

da Kundalini;

vibrando a pélvis

ao grave do som.

O totem. Totem:

Monolito Negro,

sonoro.

Subwoofer.

O grave.

Tambores Nayambing.

O pulso primitivo

do coração de Gaia.

Em sua experimentação como ouriço marinho, Leonardo França – em seu solo – nos conduziu pela oxidação do Tempo [e o Vento]; oxidação das memórias; oxidação das convenções: masculino E feminino, ao invés de masculino OU feminino. Há mesmo escolha, ou somos títeres dos deuses?

3 Solos em 1 Tempo: Monólogos do Movimento Imaginário

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A sequência do Interação e Conectividade – edição 2013 – foi executada por Denise Stutz em motivo autobiográfico, lançando luz a diferentes momentos afetivos de descoberta entre ela e a dança, o tom é confessional: “monólogo e ao pé do ouvido”.

É também um convite à imaginação do movimento a partir da narração translúcida de suas memórias: a dança de Denise na nossa cabeça. Um espetáculo cerebral e intuitivo ao mesmo tempo. E ainda crítico: “qual o conceito filosófico, político e social da sua dança?” – perguntou ao público, abrindo um diálogo franco sobre as conformidades e clichês no discurso da dança acadêmica – sátira e humor para nos conduzir à descoberta de que “minha memória, é a memória dos outros”.

O Ruído da Nudez Líquida.

Silêncio.

Cochichos. [APLAUSOS]

A Projetista: Esquizofrenia de Enclausurar a Arte nas Páginas de um Projeto

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“Produção de sensibilidade” (…) é como define suas atribuições a intérprete-personagem Dudude Herrmann em seu “A Projetista”. Aliás, sendo o terceiro da programação do VII Interatividade e Conexão, não foi nem o primeiro nem o último abordar os sonhos e o devir. Da excitação física da masturbação intelectual, aos estertores de se planejar a arte em folhas de papel – não como literatura – mas como clausura metodológica: a justificativa da obra de arte, antes mesmo, da obra de arte. Neste contexto satírico e crítico sobre “o método”, este espetáculo se identifica tanto com “3 Solos em 1 Tempo”, quanto com o espetáculo “Edital” do grupo Dimenti – solado por Osório Monteiro – que fez sucesso na edição anterior Interação e Conectividade. Crônicas sobre a esperança da sobrevivência artística: qual o seu projeto? – foi uma das perguntas motrizes do espetáculo, ambivalente, aliás, porque nos incita tanto na busca da materialidade quanto no horizonte da resposta. Mas nosso olhar tem futuro? Para uma Dudude, desesperançada: não. Essa desesperança então guia a personagem pelo desconforto esquizofrênico de viver a conformidade cartesiana estar empregada e sustentar-se e a impossibilidade de viver plenamente sua cidadania como artista: “a vida não é o que aparente ser” – diria Herrmann.

“de frente para o abismo” (…)

Sonhos e vertigens.

Parir um “projeto” antes da obra de arte

pode significar o sepultamento da própria obra.

[Morte]*

*[A fragmentarieda na obra de arte contemporânea

amplifica os vazios quaisquer que sejam: o da existência; o espacial; textual; e metafísico.

Vazio que é o silêncio; a pausa; o movimento estático:

todas, coisas essenciais à própria existência]