Aqui enquanto caminhamos / Foto: José Luís Neves

7×7 – O que pode (ser) um caminhar (?)

Abaixo, o 5º texto da série 7×7, que traz críticas de alguns dos espetáculos apresentados durante o Festival Panorama 2010, no Rio de Janeiro, e o Festival Contemporâneo de Dança, em São Paulo. O projeto foi idealizado por Sheila Ribeiro/dona orpheline para promover diálogos entre diferentes instâncias do meio artístico da dança. Para isso, abre espaço para que os próprios artistas do meio possam expressar suas opiniões estéticas e políticas sobre as obras dos colegas. Depois da primeira série de textos 7×7 (clique aqui para conferir), os autores vão criar um blog para reunir todas as publicações. Aliás, Rodrigo participou também do primeiro 7×7, escrevendo sobre o trabalho de Sónia Gómez apresentado na edição anterior do Festival Contemporâneo de Dança (confira aqui a outra crítica)

Gustavo Ciríaco por Rodrigo dos Santos Monteiro

Aqui enquanto caminhamos, trabalho de Gustavo Ciríaco, foi apresentado em três horários diferentes (11h, 15h e 17h), no dia 13 de novembro, um sábado. Sendo um dos trabalhos apresentados no Festival Contemporâneo de Dança  2010, teve como diferencial o fato de sair da caixa do teatro da Galeria Olido (Sala Paissandu). Aqui enquanto caminhamos, como o próprio nome sugere, é para a rua.

O caminhar, como uma ação cotidiana, em Aqui enquanto caminhamos é deslocado para aquilo que Eugênio Barba (diretor italiano de teatro) diz ser extracotidiano. Ou seja, andar torna-se outra coisa – ou melhor, as outras coisas que estão no “andar” vêm à tona. Gustavo Ciríaco e Andrea Sonnberger levam-nos em um passeio que borra as posições de artista, público que foi ver o trabalho e público que, a princípio, não se dispôs a assistir a Aqui enquanto caminhamos.

As regras

Caminhar, por cerca de uma hora, uma hora e meia. Não falar durante o percurso. Permanecer, durante o trajeto, dentro do elástico que circunda o público-participante. Ficar à vontade pra sair do grupo no momento desejado.

O percurso

Lugares específicos do centro de São Paulo, como: Avenida São João, Rua 25 de Março, proximidades do mercadão, vale do Anhangabaú, entre ruas e galerias de lojas não muito longes da Galeria Olido.

Metáforas possíveis

O grupo formado pelo público-participante como uma célula.

O elástico como membrana plasmática.

O elástico como fronteira.

O movimento como uma fagocitose (processo de “digestão” da célula).

A célula. O público-participante, ao ter uma ação e um propósito em comum – andar por lugares com uma outra postura que não a habitual – vê, está e age sobre a cidade por outras vias. Se considerarmos a sociedade como um todo orgânico, temos em Aqui enquanto caminhamos apenas uma célula deste todo complexo. Todas as partes de um organismo estão interligadas: a mudança de uma célula afeta as demais; as variações de estado do organismo podem ter seu início em uma única célula.

A membrana plasmática. A capacidade que um simples elástico tem de causar estranhamento foi motor para perguntas como “o que é isso?” e respostas como “é pra não se perder…”, feitas pelo público “externo” durante todo o percurso (principalmente na lotada e agitada 25 de Março). A única diferença que distinguia o público “interno” do “externo” era, justamente, um elástico que marcava uma fronteira.

A fronteira. A maleabilidade física propiciada pelo elástico realçava as mudanças ocasionadas pelo movimento que, por sua vez, traduzia a permeabilidade dos “internos” pelos “externos”, e vice-versa. O elástico como fronteira, neste caso, funcionou como uma caneta marca texto, já que destacou o andar de uns no meio de muitos. Todavia, quem quisesse ser pintado por esta caneta era só se adentrar…

A fagocitose. Os movimentos explorados neste trabalho evidenciam uma série de camadas: movimentos do andar, movimentos do olhar, movimentos do não falar, movimentos do perceber, movimentos do estranhar. O sentido se dá do macro para o micro, na medida em que as indagações dos “externos” – já uma forma de movimento – também causam deslocamentos de outra ordem nos “internos” que andam: talvez reflexiva, talvez perceptiva, talvez cognitiva. Mas de qualquer modo, há uma comunicação entre aquilo que está fora com aquilo que está dentro, de modo que há alterações em ambos os lados, a ponto de entendermos que não existem estes dois lados, mas um todo. Apenas há uma membrana (uma caneta marca texto) que está dando o foco para algumas coisas que normalmente não o têm.

Talvez caiba aqui uma discussão proposta pelo importante geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001) sobre território e lugar. Milton Santos utiliza-se do verbo lugarizar, que nada mais é que a ação que o lugar desempenha. Ou seja, em um território onde o excesso de cotidianidade contribui com a obstrução perceptiva, lugarizar-se implica em rearranjar as informações que nele circulam. O propósito, neste caso, pode ser o de possibilitar a criação de outros sentidos e suscitar questionamentos diversos. Aqui enquanto caminhamos andou por um território (geográfico, cultural, político) já marcado, mas que se refaz constantemente (o centro de São Paulo). Aqui enquanto caminhamos talvez possa ser uma das maneiras de contribuir, constantemente, com a lugarização dos desenhos de mapas diversos: uma cartografia.

E para a pergunta “o que é isso?” que em todos os lugares se repetia, algumas possíveis respostas. Isso pode (ser) uma desestabilização. Isso pode (ser) uma (des)territorialização. Isso pode (ser) um encontro. Isso pode (ser) uma fagocitose social. Isso pode (ser) uma coisa estranha. Isso pode (ser) uma troca. Isso pode (ser) uma suspensão no tempo, e também no espaço. Aqui enquanto caminhamos pode (ser) algo que pode ser.

Rodrigo dos Santos Monteiro é graduado em Comunicação das Artes do Corpo, pela PUC-SP.

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