Ainda seria a Corpo, a Casa… do Movimento?

A “flutuação” não é a “liquidez”. É muito mais inconsistente e veloz… mas podendo também ser bem lenta, quase parada e bastante conectiva. A “flutuação” não é boa, nem ruim. Pode ser boa, pode ser ruim. Não é uma crítica a algo que se deve evitar. É uma constatação a algo que se pode assumir. A “flutuação”, diria Freud, é uma qualidade de atenção capaz de “deixar vir” as “associações livres” para a emergência do Unheimlich (“O estranho”/”O Inquietante”), essa diferença familiar, não mais do outro, mas já da nossa própria intimidade, a sórdida diferença de mim para comigo mesmo, tão difícil de ser reconhecida e tolerada, como certa vez ouvi de Contardo Calligaris. Não à toa, como nos lembra Lacan, o afeto nessa situação tão próxima do Real, é a “angústia”, mas nos lembrou também Badiou: o “entusiasmo”! A “flutuação” está sim ligada ao fato da “vida on-line” estar pautando a “vida off-line” — como na simultaneidade que conversamos com pessoas diferentes no whatsapp — não somente o inverso, como há alguns anos atrás. Mas também, não culpemos as máquinas, quisemos nós, em história, romper com as “convenções”, com as “fronteiras”, com as “verticalidades”, com as “bordas”, “borrar os limites”, “dissolver o(s) ideal(is), ou mesmo multiplicá-los à extensão daquilo que nem nossos conceitos, nossa mente, e nem mesmo nosso corpo, o último protagonista (do séc. XX) podem alcançar integralmente. De modo que na constante metamorfose ambulante, seja ela de ordem mercadológica (como na obsolescência  programada dos smartphones que tem feito nossas selfies), seja ela de ordem espiritual (como os “indígenas” de Kleber Damaso), ou ainda no cruzamento entre mercado e espiritualidade (como no “Espaço Além” de Marina Abramovic), a “flutuação” parece ser o que tem nos cabido para lidar com o fato de que já nos importa menos as coisas densas, pois descartamo-as, modificamo-as, retomamo-as: tira-se peito, põe peito… emagrece, engorda… hipertrofia músculo, fica-se flácido, hipertrofia outra vez… lê-se dezenas de artigos, ou os publica, ou mesmo as dezenas, centenas de posts pela avalanche facebookiana, ou ainda “likethem, ou “compartilha”, entra-se, mas também permite-se sair e até entrar de novo nas causas e movimentos sociais as mais diversas (ou contra elas, como a “degradação do mundo gay” possivelmente lida na dança de André Masseno)… faz-se aulas de balé (?), cross-fit (?), educação somática (?), improvisação (?), expressividade para o ator (?), natação (?), hip hop (?), dramaturgia (?), clown, (?) parkour (?), yoga (?), presença de palco (?), coaching (?), especializações ou MBA’ s (?) … : pelo hibridismo corporal, diria Laurence Louppe… ou lê-se tutoriais para fazer autonomamente (?) funcionar os próprios gadgets, inclusive a própria subjetividade, “auto-fazendo-se” como diz a “tirania da escolha” de Renata Salecl sobre a modelagem ansiogênica indicada nos livros de “como ser” de auto-ajuda ou na explosão midiática das propagandas a confundir “poder de aquisição” como “poder de auto-construção”; mas também nos “congressos acadêmicos e nas universidades… e na arte” , haja visto o produtivismo já anunciado por Xavier Le Roy em “Product of Circumstances” (1999). De modo que menos importa contornar os limites de uma entidade, formando-lhe corpo, mas sim, ARgumentAR, criticAR (como de alguma forma, Luciana Ribeiro, lembrou-nos em conversa recente) e experimentAR. Sem ter que caber num corpo próprio, a vida assumidamente enredada é uma vida de incorporação, assim como de desincorporação. Mas o que fica? Quem “eu” é? Essa “flutuação” permitida na des-incorporação de tantos corpos possíveis. É, assim, a imaterialidade o que o séc XXI parece querer por à frente. E o Babyson insiste lá no fundo: “Mas você não acredita em algo além que te move”? Algo maior? Deus?”. Na “flutuação”, não sabemos, temos indícios, re-ligares, porque há des-ligares também. Cabe a “fé” como economia de “flutuação”? Vamos respondendo… Mas coreograficamente, gostaria de lembrar, “flutuar” pode até se mover muito (como na liquidez pós-moderna), mas também pode ficar ali, bem parado, suspenso no AR (e não ser raíz), como os instantes de vôo de um beija-flor ou o momento da abdução extra-terrena de um disco-voador. “Uep my eyes, go looking for flying soucers in the sky”, caetaneando já não faz destaque se é “eu-com-abacaxi”, “eu-com-côco”, “eu-com-melancia”, “eu-com-manga”, mas o “eu-com…”: ligar, desligar, religar, não é Wagner Schwartz? Mas continuamos procurando direções sim. Para isso vale os recursos que encontrARmos. Seja através de uma manga de vento… ou suas metaforizações.

 

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P(r)onto. Tomemos fôlego…

 

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Alguma sugestão Michelle Moura, desde o aerado estado vocalizante de seu Fole?! ou talvez Exú tenha algo a dizer sobre isso também. Ou ainda podemos nos dispor sensorialmente a estar envolto às nuvens na instalação performática Cristal de Ciane Fernandes em Coletivo A-Feto, com seus performers algodoados…

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hífen.     .

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a cada des-ligamento.

 

 

Eduardo Rosa é artista desde a Dança. Doutorando em Artes Cênicas pelo PPGAC-UFBA. Docente do curso superior em Produção Cênica do ITEGO Basileu França. Psicólogo no Logos Instituto, em Goiânia.

 

  • Fotografia: Michelle Moura em Fole (2014), por Cristiano Prim, seguida de Carlos Alberto Ferreira para Cristal (2016), por Patrícia Caetano.

** Esse texto surge a partir do Encontro Con(versado), projeto concebido por Luciana Ribeiro, na Casa Corpo, que está com parceria com a mostra goiana de dança contemporânea Manga de Vento, em 11.06.2016. Como convidado da noite, o artista, gestor cultural e docente, idealizador e curador dessa mostra, com colaboração de Guilherme Wohlgemuth, Kléber Damaso lidando com a interrogação A dança se tolera?.