Inquietações no Rumos Dança 2010

Durante o café da manhã conversávamos freneticamente, entre um pãozinho e outro. Era uma espécie de aquecimento para as palestras, debates e reuniões que nos aguardavam.  Processos  e… mais processos. Então, conversas em trios, duos, e até em solos (tempo para a auto-reflexão). À noite, o jantar, quase sempre no “japonês”, no qual as considerações sobre a organização de uma cena ou as escolhas estéticas de um artista figuravam entre um peixinho cru e um shitake. Misturado assim, como é a vida. Ao término do dia, após espantos, encantos, interrogações e dúvidas, muitas dúvidas, seguíamos para o descanso, certos de que no dia seguinte começaria tudo de novo e mesmo assim tudo seria diferente.

Estávamos em rotina de maratona. Mas nós, os pesquisadores do Programa Rumos Itaú Cultural Dança, havíamos experimentado um estado de pré-ocupação bem anterior à mostra. Isso mesmo! No sentido de nos ocuparmos antes, porque o trabalho do pesquisador, para esta quarta edição do Programa, teve seu início nos meses de abril a julho de 2008, a partir de um curso on-line, sob a orientação de Christine Greiner (na foto). Entretanto, para alguns de nós, havia começado há 10 anos, em 2000, quando fomos convidados por Sônia Sobral, gerente do Núcleo de Artes Cênicas, para a realização de um mapeamento contextual da dança contemporânea brasileira, por meio do levantamento de itens relativos à produção e à difusão de conhecimento sobre dança; produção e difusão artística em dança; ensino; eventos; tradição histórica; e organizações de classe. Nossa finalidade era a busca de fatores conjunturais que viessem a expressar, mesmo que parcialmente, a complexidade do setor de dança nas diferentes regiões brasileiras.

Permitam-me uma breve digressão

Quando diante de um período de tempo desta grandeza, já fora da rotina da mostra, as reminiscências foram inevitáveis e comecei a pensar em nossa trajetória de pesquisadores. Naquela época nos constituíamos em número de 11, provenientes de experiências intelectuais bem diversas, fosse do campo de estudo, fosse das titulações institucionais, bem como de nossos lugares conhecidos, desconhecidos e ignorados. Nos preparamos: leituras de textos, palestras e, após o trabalho de campo, tínhamos a responsabilidade de apresentar um seminário aberto ao público, com os resultados preliminares de nossas investigações. Posteriormente, a difusão viria com a publicação dos artigos.  Resumindo o enfoque do mapeamento, Fabiana Britto – consultora do Programa naquele período -, em seu texto de abertura do livro Cartografia da Dança, enfatizava o caráter de detecção de dados, não como uma amostra que representaria AS tendências ou A realidade de cada região, mas como exemplo de possibilidades viáveis ao seu contexto. Estávamos em consonância. Fora deflagrado um ambiente motivador, aliado ao entusiasmo da primeira abordagem, com o desafio da localização das fontes, da sistematização dos dados, e identificação dos problemas. Acredito ter sido este um dos momentos em que fomos menos solitários em nossa tarefa.

Em 2003 foi criada a carteira de desenvolvimento de Videodanças e a equipe de pesquisadores foi ampliada, assim como o número de cidades também. Mas, devido aos esquálidos recursos que impossibilitaram as viagens, nossa captação para a atualização da base de dados limitou-se ao uso de telefones, e-mails e consultas à rede mundial de computadores. O que não se constituiu em impedimento para que registrássemos um grande crescimento na área da dança, tanto da produção teórica quanto artística. Em 2006, dentre outras ações, foram realizados seminários em 16 cidades para esclarecimento sobre os conceitos de investigação em dança contemporânea e dança para câmera. Em Manaus e Belém, tivemos a presença de Sônia Sobral e Paulo Paixão. Lembro que àquela época, na condição de coordenadora do curso de dança da Universidade do Estado do Amazonas, percebi que a conversa havia desencadeado uma calorosa reflexão sobre os trabalhos que se desenvolviam na cidade, afetando até mesmo o entendimento dos artistas sobre suas práticas. Um burburinho que, infelizmente, logo arrefeceu, ou talvez tenha ficado escondido nos afazeres cotidianos.

Christine Greiner durante lançamento / Foto: Edouard Fraipont

Christine Greiner durante lançamento / Foto: Edouard Fraipont

Retorno da digressão

Hoje, 2010, ao nos encontrarmos em São Paulo, fomos (ex)premidos pelo tempo.  Nossas reuniões giraram em torno de questões técnicas, bem técnicas, sobre a base de dados e, no dia da apresentação do Mapeamento Rumos Dança e Enciclopédia Itaú Cultural Dança, não foi possível desmembrar, desenrolar, exaurir os temas que emergiram de nossas práticas investigativas, em suas especificidades. Christine Greiner, no difícil exercício da síntese, indicou alguns tópicos que se esboçaram em nossas primeiras impressões sobre a atual coleta, tais como o aumento significativo de cursos de dança no ensino superior, as dificuldades em publicar os trabalhos acadêmicos, e uma nova configuração, em determinados locais, mais afeita a experiências em dança-educação e projetos sociais do que a pesquisas direcionadas à criação artística.

Ficou uma enorme vontade de participarmos de algum outro jeito, embora ainda não se tenha ideia de como fazer isso exatamente. Pesquisadores sentem falta de um debate acirrado, de discutir metodologias, evidenciar problemas, problematizar resultados. Uma boa conversa sobre aprofundamento conceitual. Isso nos enche os olhos! O que faz pensar em qual seria a melhor forma para apresentação de nossas pesquisas, que atualmente se difundem por meio da base de dados e de nossos textos publicados em livros. Realmente, não parece o bastante… E surge uma pontinha de inveja quando se ouve uma proposta (acho que da Renata Ferreira, de MG) de que na próxima versão da Mostra Rumos Dança, os Processos Artísticos poderiam ser apresentados durante três dias, com portas abertas… Mas, de onde vem este sentimento? Talvez seja porque somos pesquisadores em estado natural de inquietação, na produção constante de textos incompletos e circunstanciais.

Leia também: Novos e instigantes processos de pesquisa (crítica escrita por Helena Katz no jornal O Estado de São Paulo do dia 23/03/10)

Mostra Rumos: afinal o que é processo?