Longe de um acordo

Em mais uma etapa da conturbada relação entre a classe de dança de São Paulo e a secretaria de Cultura do Estado, o idança publica carta aberta enviada por representantes da classe artística em que registram o resultado do último encontro com o então secretário de Cultura João Sayad – ele se desligou do cargo no início de maio para assumir a presidência da Fundação Padre Anchieta. Essa última conversa foi no dia 15 de abril.

No texto, eles detalham a proposta apresentada à secretaria e que se difere do modelo existente hoje de política pública para a dança na cidade.

A relação entre a secretaria de Cultura do Estado e a classe de dança ficou ainda mais delicada depois que Sayad anunciou a construção do grandioso e polêmico Complexo Cultural – Teatro da Dança, projeto de 95 mil metros quadrados que tem o objetivo de ser o principal centro de dança, música e ópera da América Latina (leia mais aqui).

Abaixo, leia a carta aberta na íntegra:

Em resposta ao abaixo-assinado que encaminhamos propondo um modo de pensar a política pública para a dança em São Paulo, o então secretário da cultura do estado, Sr. João Sayad, manifestou-se convidando-nos a seu gabinete, ocasião em que se disse interessado e solicitou um projeto que formalizasse a proposta que apresentamos.

Mobilizamo-nos e, em algumas semanas, o projeto “Residências Artísticas para a dança na cidade e estado de São Paulo” foi elaborado e encaminhado à Secretaria de Estado da Cultura. O projeto tem como objetivo estimular a produção da dança contemporânea através de uma concepção inovadora e pioneira em políticas públicas para a dança em nosso país.  Reconhece o profissional da Dança como um cidadão produtor de conhecimento quando o abriga em um espaço arquitetônico adequado tanto ao desenvolvimento quanto ao compartilhamento das ações/pesquisas/estudos ali realizados por meio da concessão de bolsas de apoio à pesquisa artística e à produção, em uma clara ação de construção de cidadania através da dança, em sintonia com o que vem sendo mundialmente realizado.

O exercício de simulação de um espaço arquitetônico para o projeto “Residências Artísticas para a dança na cidade e estado de São Paulo” projeta o seguinte modelo, adaptável a cada ambiente no qual se inscrever: um galpão dividido em 10 estúdios equipados tecnicamente e com arquitetura móvel, nos quais haveria um fluxo de residências artísticas que abrigaria cerca de 200 profissionais da dança por ano, em um desenho arquitetônico interno que favorecesse o intercâmbio entre eles e também com o entorno. O tempo destinado para cada pesquisa artística seria de até 6 meses (renovável por mais 6 meses).

Pensar em uma infra estrutura complexa e em sintonia com a produção contemporânea, característica marcante desse espaço, só seria possível com outro tipo de políticas públicas para o mesmo, onde os artistas receberiam três tipos de bolsas: bolsa artista, bolsa colaborador, e bolsa reserva técnica. A ‘bolsa artista’, no valor de R$ 3 mil (três mil reais) mensais seriam destinadas ao artista propositor da pesquisa; os artistas colaboradores da mesma pesquisa receberiam a ‘bolsa colaborador’, no valor de R$ 1.800 (hum mil e oitocentos reais) mensais. Além dessas duas formas de bolsa, o projeto aprovado para residência teria direito à ‘bolsa reserva técnica’, destinada a viabilizar tecnicamente a sua realização. Seriam 32 ‘bolsas reserva técnica’/ano, de até R$100 mil (cem mil reais) cada.

No caso da cidade de São Paulo, o custo anual deste projeto seria de R$ 6 milhões (seis milhões de reais)/ano. Com esse montante, grande parte da dança contemporânea da cidade seria atendida, promovendo não apenas a sua produção, mas um fluxo de intercâmbio e aproximação entre artistas, cidadãos e seu entorno. Este programa piloto, replicado em outros municípios, oxigenaria em muito a produção artística de todo o estado de São Paulo.

Lastimamos que o então Secretário da Cultura, Sr. João Sayad, ao receber o projeto, tenha imediatamente tentado encaixá-lo aos editais já existentes, não compreendendo a natureza do pensamento em questão. A leitura do projeto evidencia a impossibilidade dele ser implementado dessa maneira, sob o risco da descaracterização integral do que propõe. Lastimamos também que a Secretaria do Estado da Cultura não se disponha a enfrentar as demandas necessárias para abrigá-lo, impossibilitando, assim, a proposta de qualificação do artista da dança nele incluída, que inauguraria uma nova forma de financiamento à produção da dança na cidade e no estado de São Paulo.

Relembramos que a verba da secretaria se concentrou em um único modelo, o da São Paulo Cia. de Dança, fomentando apenas um tipo de pensamento artístico, e mantendo em uma proporção orçamentária extremamente desequilibrada com o que é destinado à dança profissional produzida no estado. De um orçamento em torno de R$ 20 mil (vinte milhões reais)/ano, cerca de 90% dos recursos destinam-se a um único projeto. Ressaltamos também que nenhuma modificação significativa foi feita para a dança contemporânea pelo Governo do Estado, nem mesmo no que se refere às quantias destinadas aos próprios editais de dança lançados recentemente. Aproveitamos a oportunidade para informar que o mesmo projeto será apresentado para o próximo governo.

Adriana Grechi, Adriana Macul, Ana Teixeira, Cristian Duarte, Elisa Ohtake, Laura Bruno, Mariana Camargo, Mara Guerreiro, Raul Rachou, Sheila Ribeiro, Sheila Arêas, Vera Sala, Tarina Quelho, Thelma Bonavita

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