O Boticário na Dança: o programa, a homenagem e o festival

Com ingressos praticamente esgotados em São Paulo, o Festival O Boticário na Dança, que será realizado em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, entre os dias 1 e 9 de maio, confirma adesão de público de um formato antigo, que alterna companhias de balé e dança contemporânea de renome nacional e internacional.

O Festival é integrado pelas companhias: Maribor Ballet (Eslovênia); Hofesh Shechter (Inglaterra); Shen Wei Dance Arts (China); Peeping Tom (Bélgica); Quasar Cia. de Dança (Goiás); Grupo de Rua (Rio de Janeiro); e Mímulos (Minas Gerais).

“A proposta é a de contemplar a beleza na dança. Belo no sentido de que é capaz de provocar sensações, que não segue apenas um padrão.”, explica Sheyla Costa, uma das curadoras. Além dela, a equipe de curadores é composta pelo alemão Dieter Jaenicke, diretor do Centro Europeu de Artes de Dresden; a artista paranaense Eleonora Greca, gestora de patrocínios do grupo O Boticário e equipe; e contou com colaboração da artista Márcia Rubin (Rio de Janeiro).

Sheyla foi assessora de produção do Carlton Dance Festival, que fez circular pelo Brasil companhias nacionais e internacionais de vanguarda, entre 1987 e 1997. Assim como o evento patrocinado pelo O Boticário, o Carlton Dance acontecia simultaneamente em capitais diferentes – na época, foi realizado em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro – e era produzido pela Dueto Produções, dirigida por Monique Gardenberg, que também está responsável pela produção do Festival O Boticário na Dança.

“Naquela época nos comunicávamos com os artistas por telex, não havia nem fax!”, lembra Sheyla. Com distâncias aparentemente superadas, Monique Gardenberg explica que a curadoria se preocupou em apresentar companhias emblemáticas de culturas diferentes: “quisemos apresentar diversidade de culturas com companhias de países diferentes e de regiões diferentes do Brasil.”.

O evento faz parte de um projeto maior da empresa, que envolve financiamento para manutenção de companhias de dança aprovadas pela Lei Rouanet. Já contam com patrocínio, as mineiras Mimulus, que divide a noite de 7 de maio, com o Maribor Ballet, no Rio de Janeiro, e o Grupo I Ato. Em maio, será lançado edital para outras companhias concorrerem. Perguntada sobre a duração do projeto, Eleonora Greca respondeu: “Eu espero que dure, sim! Vamos fazer de tudo!”. Mas ninguém sabe ao certo por quanto tempo essa fartura irá durar.

OS DEDOS MINDINHOS DE ANGEL VIANNA

O lançamento do Festival O Boticário na Dança, que aconteceu ontem, Dia Internacional da Dança, no Teatro São Pedro, em São Paulo, homenageou Angel Vianna, por sua trajetória de emancipação da educação na dança. Sheyla Costa conta que Angel foi unanimidade entre os curadores: “ela é parte da história da dança e batalhou pela criação de uma faculdade de dança no Rio.”

Na noite de ontem, Angel foi chamada ao palco pela mestre de cerimônias, Ana Botafogo. A atmosfera de discursos institucionais simplesmente desapareceu quando Angel posicionou os dedos mindinhos sobre as pálpebras, em silêncio, e dali iniciou sua dança. Aqueles eram os mesmos dedos mindinhos que se entrelaçaram aos de Klauss Vianna, no início do namoro entre os dois, há mais de 40 anos atrás.

Em entrevista ao projeto Idanca.doc, no ano passado, Angel explicou que o namoro começou quando, em um dia que caminhavam um ao lado do outro, seus dedos mindinhos se encontraram e não se desvincularam mais.

“Nosso namoro começou com uma articulação pequena, para ir para as maiores”, diz ela no vídeo. Das juntas que favorecem o movimento do corpo e a integração das partes, o dedo mindinho é, para Angel, uma das mais delicadas e mais potentes de expressão.  

ESPETÁCULOS

As roupas coloridas e músicas dançantes de “No singular”, da Quasar Cia. de Dança poderão ser assistidas em São Paulo e Rio de Janeiro, nas mesmas noites em que se apresenta o Grupo de Rua, dirigida por Bruno Beltrão. “O espetáculo tem 20 momentos, que é como se fossem 20 sites ou páginas da internet”, explica Henrique Rodovalho. “Quis aproveitar os pontos em comum entre a dinâmica da internet, da rapidez da informação, e a estrutura de uma obra de dança no palco.”.

É a primeira vez que a companhia belga Peeping Tom se apresenta no Brasil. Dirigida pela argentina, nascida em Córdoba, Gabriela Carizzo, em parceria com Franck Chartier, apresentam a obra “32 rue Vandenbranden” (na foto em destaque nessa publicação, de autoria de Herman Sorgeloos) para plateias de São Paulo (4 de maio), Rio de Janeiro (6 de maio) e Curitiba (8 de maio). Há mais de 10 anos, a companhia vem desenvolvendo trabalhos autorais em dança-teatro, voltados a temas psicológicos. Leia abaixo entrevista concedida pela diretora ao idanca.net.

Desde quando vivia na Argentina, você se interessa por dança-teatro?

Sim, na Argentina tive a sorte de me formar em uma escola de dança multidisciplinar e, logo na minha adolescência, os primeiros festivais latino-americanos de teatro me marcaram muito. Fiz parte da criação do Ballet Taller da Universidade de Córdoba que, infelizmente, deixou de existir poucos anos depois. Ali pude começar a realizar minhas primeiras coreografias em que a busca teatral também eram importantes.

Quais são suas referências artísticas?

Bom, desde a adolescência, foi Pina Bausch. Logo que cheguei na Bélgica, minha experiência com Alain Platel marcou meu encontro com Franck Chartier, com quem criei a Peeping Tom, e desenvolvi um trabalho próprio. Sem dúvida, as referências são múltiplas, vão desde as artes cênicas até a fotografia, como Gregory Crewdson, que inspirou nossas primeiras encenações. Há referências cinematográficas também, como David Lynch, ou literárias como Borges [Jorge Luis].

A Peeping Tom sobrevive por meio de subsídios públicos da Bélgica?

Temos subsídio do governo flamenco da Bélgica. A Peeping Tom é uma estrutura pequena, mas não sobrevive apenas com este subsídio. De resto, nos mantemos por meio de turnês e, para criações, fazemos coproduções nacionais e estrangeiras, o que não tem sido fácil devido à crise financeira que tem chegado a todos os estratos da cultura.

Que questões movem “32 rue Vandenbranden”?

É uma obra ambientada em um lugar hiperrealista, é muito visual e cinematográfica. A história transcorre em uma pequena comunidade que vive encima de uma montanha encoberta de neve; narra a história trágica dos personagens, encerrados em buscas que só os conduzem aos seus próprios medos e solidão. A narração não é linear, o que é imaginado vai se esfumaçando, e a música contribui para criar essa atmosfera inquietante.

Vendo vídeos do espetáculo me pareceu que a subversão da gravidade é uma questão do trabalho. Vocês fazem algum tipo de preparação corporal com esse objetivo?

Não, talvez seja algo que sempre tenha nos interessado, a relação com o chão, a possibilidade de movimentos diferentes e originais; essa atração, o cair, a dificuldade de erguer-se e se manter em pé. São questões que têm a ver com uma busca pelo movimento em si, mas ao mesmo tempo estão ligadas ao que acontece internamente aos personagens e à dramaturgia da obra.