Pesquisar + produzir + circular = política cultural?

O PAC é o Programa de Ação Cultural da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, abreviada Lei da Cultura, que, segundo consta no site da secretaria, é uma das prioridades da política cultural para o Estado, regulamentada por meio de decreto em junho de 2006. O recurso orçamentário advém do Tesouro Estadual, do Fundo Estadual de Cultura, que recebe renda de loterias, projetos comerciais e doações, e também da alternativa de captação por incentivo fiscal, cuja dedução é de até 3% do ICMS devido. João Batista de Andrade, secretário na gestão 2006, comenta a proposta: “O programa é importante para obras de interesse cultural que possuem dificuldades comerciais”. A combinação de “café com leite” (renúncia fiscal e edital/concurso público) foi uma tentativa comemorada, apesar do perfil de “dificuldades comerciais”.

Nosso interesse neste artigo é olhar para os projetos selecionados nos editais para a dança. Os editais foram: PAC número 4 – “Concurso de Apoio à Produção de Espetáculos de Dança”, PAC número 5 – “Concurso de Apoio à Difusão e Circulação de Espetáculos de Dança” e por fim o número 25 – “Desenvolvimento de projetos de pesquisa e investigação em dança”, respectivamente abertos nas datas de 26 de junho, 27 de junho e 13 de setembro do ano passado.

Só a título de informação, as áreas tidas com “dificuldades comerciais” tiveram os seguintes editais-oportunidades: Edital PAC número 1 – “Programas de Áudio para Promoção da Literatura”, Edital PAC número 3 – “Produção Artística de Hip Hop”, Edital PAC número 6 – “Promoção da Continuidade das Culturas Tradicionais”, Edital PAC número 8 – “Produção Inédita de Espetáculo de Teatro”, Edital PAC número 9 – “Produção e gravação de CD, circulação de espetáculos musicais e realização de festivais de Música”, Edital PAC número 10 – “Projetos de Produção de Números Circenses”, Edital PAC número 11 – “Projetos de Apoio a Grupos Circences”, Edital PAC número 12 – “Produção de Obra Cinematográfica Brasileira”, Edital PAC número 13 – “Circulação de Espetáculos de Teatro”. Para saber mais, acesse a página da secretaria (http://www.cultura.sp.gov.br).

Hesitei em listar os grupos selecionados, uma vez que esta informação se encontra disponível no site da secretaria. No entanto, como nosso debate vai ao encontro diretamente da necessidade em acessar e debater estes dados, penso que tal lista seja de extrema importância (obrigada aos colegas que me incentivaram a fazê-la!). Note, não me deterei aqui em discutir esteticamente os trabalhos e sim situá-los dentro daquilo que idealizamos ser uma política cultural coerente no contexto dos trabalhos coreográficos no estado de São Paulo.

Os resultados foram divulgados nos dias 14 de novembro do ano passado, para os PAC 4 e 5, e no dia 23 de novembro para o edital número 25. Logo após o nome da coreografia, o artista e/ou a companhia, segue o teatro que esteve em cartaz nos últimos meses (a maioria na grande São Paulo e muitos no interior do Estado). Como muitos tiveram a chance de dançar em teatros e cidades diferentes, algumas dessas estão aqui citadas.

PAC n 4. produção de espetáculos de dança

Foram cinco projetos no valor de R$ 30.000,00:

1) “Récita… De Um Movimento Só” de Wellington Duarte (Teatro Itália ou Teatro de Dança)

2) “Lado B” de Sérgio Rocha e Cláudia Christ, Companhia Repentistas do Corpo (Centro Cultural São Paulo)

3) “Hana” (quantos anos?) de Key Sawao, (Dança em Pauta, no Centro Cultural Banco do Brasil)

4) “In-cômodo-ser-eu-só tanta-gente” de Estela Lapponi (Galeria Olido)

5) “El Puerto” de Marcos Sobrinho, contemplado também pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2006 (Teatro Itália)

Os 10 projetos de R$ 60.000,00:

1) “Alumeia!” de Irineu Nogueira (Sala Crisantempo)

2) “Lacuna,” Cia. Domínio Público de Holly Cavrell (Lugar, sede da Cia. Corpos Nômades)

3) “12 Mentiras sobre a mesma Garrafa” do Quadra Companhia de Dança (Sala Pequena, no Núcleo de Dança de Votorantim, depois em Campinas e Botucatu)

4) “Enluaradas” de Mirtes Calheiros, Cia Artesãos do Corpo (Galeria Olido)

5) “Compêndio para Infância” de Lu Favaretto, Cia. Oito Nova Dança (Sala Crisantempo, em São Paulo)

6) “Crendices… Quem disse?” de Ana Bottosso (Teatro Clara Nunes, Diadema)

7) “Por Enquanto…”, com novo nome “Carne Santa”, Cia. Borelli de Dança (Teatro da Dança)

8) “Valsa Crua” de Patrícia Werneck, Cia. Nos lá em casa (Teatro de Dança, Centro Cultural São Paulo, Galeria Olido)

9) “Jardim de Rosas Mudas”, Wasu. Cia, de Carolina Callegaro, Clara Gouvêa e Gisele Petty (Casa das Rosas)

10) “A Estrela que Virou no vento”, grupo Danceato, de Uxa Xavier e Ana Botosso (Centro Cultural Heleny Guariba, em Diadema)

PAC número 5 circulação de espetáculos de dança

Primeiramente, os cinco projetos de R$ 30.000,00:

1) “A pé – Walking the line”, Key Zetta e Ricardo Iazetta (Galeria Olido)

2) “Ambulante”, Cia. República Cênica, de Ana Carolina da Rocha Mundim, Fernando Manoel Aleixo (Teatro de Dança e centros culturais da cidade de Campinas)

3) “Três tempos num quarto sem lembrança” de Juliana Moraes (Projeto Sala de Visita do Caleidos Arte e Ensino e SESC)

4) “Disseram que eu era japonesa” de Letícia Sekito (apresentado no interior do Estado de São Paulo, além do apoio do PAC, tem realização da Fundação Japão, em parceria com o SESC-SP e Espaço Cultural CPFL de Campinas; inclui Votorantim, São José dos Campos, São José do Rio Preto, Catanduva, Araraquara e Campinas)

5) “Rimas no corpo”, Cia. Mariana Muniz de Teatro e Dança (SESC Avenida Paulista)
Então, os dez projetos de R$ 60.000,00:

1) “Escuta que dança”, Patrícia Werneck e Celso Nascimento (apresentado em Mogi das Cruzes, Votorantim, Araraquara, Botucatu e Ilha Bela, com intérpretes diferentes)

2) “Histórias da ½ noite”, Cia. de Dança de Jorge Garcia (Teatro de Dança)

3) “Experimentações inevitáveis”, Cia Nova Dança 4, de Tica Lemos e Cristiane Paoli Quito (SESC SJ Campos, SESC Rio Preto, Jogando no Quintal [São Paulo] e na UNICAMP [Campinas])

4) “Corpoemas”, Cia Repentistas do Corpo, de Sérgio Rocha (SESC e Teatro de Dança)

5) ” Projeto ‘Totem’ ” de Emilie Sugai (Espaço Cultural Pés no Chão)

6) “Ascese, Pequeno Tratado sobre o Abismo ou o Jardim das Roxas” de Zélia Monteiro, Wellington Duarte e Marcos Sobrinho, Espetáculo vencedor do Prêmio Estímulo 2005 (Teatro da Dança)

7) “Pop”, Virtual Companhia de Dança (Teatro de Dança, depois Ribeirão Preto, Araçatuba e São José do Rio Preto)

8) “Circuito 1,2, 3 portátil SP” que compõem os trabalhos “Estudo para Macabéa” (Vera Sala), “Células Satélites” (Mara Guerrero) e “KHI” (Gícia Amorin), produção de Dora Leão (São José dos Campos, Ribeirão Preto, entre outros)

9) “Calçada Plugada”, de Fernando Lee, Cia. Omstrab (Galeria Olido, SESC Ribeirão, entre outros)

10) “Fuga da mosca”, P.U.L.T.S. – Teatro Coreográfico de Germano Melo e Marcelo Bucoff (Teatro Fábrica de São Paulo)

PAC número 25 – pesquisa e investigação

O módulo 1 é de pesquisa teórica e teve cinco projetos contemplados com R$ 10.000,00:

1) “Teatro Galpão – Caminhos Cruzados”, Inês Bogéa

2) “A Profissão do artista da dança: influência dos Cursos Técnico e Superior em Dança no Interior do Estado de São Paulo”, Lilian Vilela

3) “Ruth Rachou – Pioneira da Dança Moderna em São Paulo”, Maria Bernadette Fornasaro de Figueiredo

4) “Danças Brasileiras na cena Contemporânea: Propostas e Sentidos para Investigação do Movimento”, Marina Souza Lobo Guzzo

5) “Investigando a dança Inclusiva”, Michel Fernandes Manso
E o módulo 2 apresenta uma pesquisa coreográfica. Estes são dez projetos de R$ 15.000,00:

1) “Lucíola”, Patricia Noronha

2) “E Agora, Alice?”, Lara Luciana Lima Pinheiro

3) “Swan”, Andreia Vieira Abdelnur Camargo

4) “Pequenas Mortes de cada Dia, nos Dai Hoje…”, Vera Maria Sala

5) “Aquele que come a si Mesmo”, Letícia Doretto Gonçalves

6) “Versos da Última Estação”, Vanessa Freitas de Paiva Macedo

7) “Joy Lab Reserch Danceability”, Alessandra Giaffone Zarvos

8) “Lavanda”, Luciana Sanchonete Brites

9) “O Corpo – o Rosto”, Izadora Prates Dias Coutinho

10) “Dream – se sonhando o corpo Fosse”, Elenita Borges de Queiroz.
Como se vê, foram 45 trabalhos de dança, sendo que alguns repetem os artistas, outros são compostos de mais de uma coreografia, fatos que não excluem uma reflexão com o olhar mais apurado acerca da produção, circulação e pesquisa propostos por estes contemplados.

Na coluna dos artistas com uma carreira formalizada, tais como Zélia Monteiro, Wellington Duarte, Mariana Muniz, Vera Sala, Patrícia Noronha e artistas experientes como Key Sawao, Ricardo Iazetta, Patrícia Werneck, Marcos Sobrinho, Wellington Duarte, Emilie Sugai, Juliana Moraes, Jorge Garcia, Letícia Sekito, Mara Guerrero e Gícia Amorin, lembramos o fato de que alguns deles desenvolveram seus trabalhos na época da Bolsa Vitae ou dos prêmios-estímulo. Alguns mais novos e não menos engajados em pesquisas de improvisação, de linguagem cênica e de criação interdisciplinar, outros entretidos com investigação de movimento e ainda outros preocupados em novos formatos entre criadores, intérpretes e linguagens artísticas afins.

Uxa Xavier aplica sua pesquisa em sala de aula com crianças em cena; Estela Lapponi traz seu primeiro trabalho solo de dança/teatro; Irineu Nogueira é diretor da Abieié Cia. de Dança Negra Contemporânea. Do interior, o Quadra Pessoas e Idéias (Votorantim) faz uma proposta para 12 artistas do interior com mentiras enviadas em garrafas; a Cia. Wasu (Campinas) é a união de graduadas da UNICAMP em dança e teatro e a Virtual Companhia de dança (São José do Rio Preto) trabalha com técnicas de artistas de circo.

Na coluna das companhias, temos as Cias. Nova Dança 4 e 8, Cia. Osmtrab, Cia. PULTS, Companhia Repentistas do Corpo, Cia. Artesãos do Corpo, Cia. Borelli de dança, Cia. Nos lá em casa, Cia. Domínio Público e Cia. República cênica, sendo as duas últimas de Campinas. Para quem quiser conhecer, alguns destes artistas ou cias tem sites na internet.

Retrato interessante, não?! Condiz com a realidade de quem produz nos últimos 10 anos ou mais na cidade de São Paulo e no interior. Reflete a diversidade de tipos de dança ou de jeitos de entender o que é o “produto” da dança (discutirei isso mais adiante), bem como a generalidade que abarca o nome de dança contemporânea. Demonstra novas formas de trabalho, inserindo artistas em projetos coletivos, assim como enfatiza a organização já bem estabelecida de companhias independentes que criam seus trabalhos acerca das idéias dos coreógrafos.

E daí, me pergunto: suas pesquisas atuais podem dimensionar suas carreiras? Com melhores condições de trabalho, é possível verificar um aperfeiçoamento de suas produções? Ou simplesmente, um ou mais editais nessas condições vão somente refletir anos de escassez na produção e circulação dessas companhias? Os coreógrafos estão interessados em produzir/circular com “grana” (entre aspas porque edital é uma realidade particular, discutirei mais adiante) ou de fato estes editais podem fomentar pesquisa e investigação entendidas como aprimoramento, discussão e avanço nas formas de trabalhar e nos modos de entender dança? Os pensamentos que a dança discursa ganharam complexidade? Ficou mais evidente as perguntas que já vinham sendo feitas por estes artistas?

Para a satisfação de muitos artistas e pensadores da área, inclusive os que estiveram fora desta edição, a resposta para algumas destas perguntas é sim: muitos deles estão interessados em re-dimensionar, avançar e evidenciar suas questões de criação em dança, bem como entendem a oportunidade em tornar público a maneira de fazer dança. Ainda que estejamos distantes de uma formação ampla de público ou mesmo de uma compreensão do que é dança contemporânea por parte de um público mais extenso, o Teatro de Dança, a Galeria Olido e outros espaços da capital e do interior já começam a sinalizar um tempo no qual a dança pode ocupar um espaço de produção e circulação.

Mas, paro um instante e volto a perguntar: qual é mesmo a finalidade de produzir e circular o bem imaterial de obras artísticas dentro do contexto de uma política <pública> cultural? Qual lugar ocupa o “produto” da dança? Como o edital, anual e seletivo, nutre o bem cultural, igualmente para os artistas da dança e para o público? E na guarita panoptíca de todo o processo, como as comissões entendem a seleção e a reverberação destes trabalhos na sociedade?

Daí, voltamos às perguntas anteriores para verificar quais devemos problematizar: primordialmente, os editais ainda refletem um tempo de seca artística. Embora desejáveis em solo árido, a mentalidade do poder público representada nos editais ainda não oferece condições de articular estes bens artísticos. Isso porque o modo de inserir estes trabalhos carece de novas compreensões, como a diferença entre comissão e curadoria, talvez a principal responsabilidade, que neste caso ainda tem um agravante: é coisa pública.

Tornar evidente as questões de cada artista não é só dar oportunidade de produzir e circular, mas tornar possível uma articulação do pensamento que suas obras geram.

Selecionar não é só gerar oportunidade, como uma lógica de mercado. É, sobretudo, direcionar e alimentar complexidade para quem faz.

Ver os teatros apresentando dança é tentador para dizer que nossa realidade melhorou. De fato, é primoroso ver tantos espetáculos e tanta gente circulando. O assunto <dança> pode ser mais comum, ou deveria dizer, público.

Contudo, fazer política cultural é uma atitude pública. Isso quer dizer que, como toda política, quem faz e participa, evidencia escolhas, mas também costumes estéticos e éticos.

Para a segunda edição do PAC (2007, com edital já publicado), já há um sinal de mais circulação e menos articulação entre os dados do jogo. Pesa, portanto, sobre as futuras comissões, a responsabilidade em repensar modos de seleção nos quais uma curadoria aja com uma atitude articuladora, no campo estético e ético.

Do mesmo modo, os artistas, com maior engajamento e com projetos cada vez mais ousados nas novas formas de criar, também não estão isentos da oportunidade de usar o edital, e não ser usado por ele.

E por fim, ouvi Patrícia Werneck e Patrícia Noronha, infelizmente, não outros artistas desta edição do PAC (aqui fica o espaço para seus comentários). Werneck me fez pensar em continuidade, em como uma carreira se desenha em novos desafios, como o que ela propôs ao chamar dançarinas novatas para criar junto com ela em cena. E também reforçou o fato de que não se trata de atender ao edital, e sim sinalizar um diálogo entre o que o artista está pensando e o público. Noronha trouxe caros apontamentos sobre o PAC pesquisa. Apesar de ser uma boa idéia (tem dois módulos, teórica e coreográfica, sendo o da artista o segundo), o edital não esclarece a diferença entre pesquisa e resultado. Não foi ainda lançada a segunda edição. Patrícia Noronha, também no trilho de uma extensa carreira que se renova em um projeto formalizado para o edital, esquenta o debate das necessidades, prioridades e formas de pesquisar dança.

Termino com uma pergunta dela: qual é mesmo a importância da arte? Tentaria responder que representar a realidade de maneira crítica não destitui o caráter político das coisas públicas, e pode, de fato, fortalecer os modos de entender a arte.