Tristeza na dança. Renée Gumiel morre em São Paulo
A bailarina francesa radicada no Brasil Renée Gumiel, 92 anos, morreu às 23h30 do domingo, dia 10 de setembro, em São Paulo. O velório aconteceu dia 11 no foyer do SESC Consolação.
Gumiel estava internada em estado grave na unidade de tratamento intensivo (UTI) do hospital Santa Cruz desde o dia 3. Ela deu entrada no hospital com sintomas de gripe e fortes dores decorrentes de uma fratura na clavícula.
Na quarta-feira, Renée passou a respirar por aparelhos depois que uma pneumonia foi constatada.
Renée Gumiel é fundadora da Companhia de Dança Contemporânea Brasileira e estava em cartaz com o ciclo de cinco espetáculos Os Sertões, do Teatro Oficina.
Coreógrafa, professora e também atriz, Renée superou um câncer e se recuperou de duas complicadas fraturas no fêmur recentemente.
Natural da cidade francesa de Saint-Claude, ela começou a carreira de bailarina aos 17 anos, na Inglaterra. Já trabalhou com Stravinsky e Jean Cocteau, conheceu Pablo Picasso, Charles Chaplin e Eisenstein.
Renée Gumiel esteve pela primeira vez no Brasil em 1957, voltou em 1961, e passou a morar no País, onde se consolidou como uma das mais importantes figuras da dança moderna brasileira.
Abaixo, o texto da crítica de dança Inês Bogéa, originalmente escrito e publicado na Folha de S. Paulo do dia 12 de setembro de 2006.
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Renée Gumiel, por Inês Bogéa
Personalidade única no processo de modernização da dança paulista, Renée Gumiel morreu ontem em São Paulo, aos 92 anos de idade. Positiva e magnética, ela foi, toda vida, capaz de catalisar forças ao seu redor. Sempre trabalhou na interface da dança com o teatro, que eram suas armas a favor da arte e da vida.
A princípio, quando chegou à São Paulo, em 1957, não encontrou grande receptividade para seu trabalho. Aos poucos, foi rompendo preconceitos. Desde então, não parou de influenciar gerações da dança e do teatro. Para Renée, “corpo é saber: sensibilidade física e psíquica.”
Na sua visão cosmopolita, as várias artes estão interligadas e um artista deve ter formação múltipla. Assim como trouxe para o país a dança moderna, também apresentou compositores como o alemão Karlheinz Stockhausen, pioneiro da música eletrônica, e criou coreografias inspiradas em autores como Sartre e Brecht.
Experimentalismo e improvisação eram parte fundamental do seu trabalho corporal, que foi se tornando cada vez cada vez mais próximo do teatro. Um teatro que parte do corpo.
Desde 1991, vinha participando de espetáculos de José Celso Martinez Corrêa, no teatro Oficina: “Cacilda!”, “As Bacantes” e as cinco partes de “Os Sertões”. Este ano estreou “Cinzas”, de Samuel Beckett, que dirigiu e interpretou ao lado de Aury Porto.
“Para mim, fazer dança ou teatro significa evoluir, não me acomodar”, ela gostava de dizer, com o sotaque carregado e o tom voluntarioso que nunca deixaram de ser suas marcas, assim como a maquiagem pesada, o cigarro e o cálice de vinho.
Até os últimos dias, Renée continuava no palco do Oficina e dando aulas na escola teatral Célia Helena. Para ela, vida e arte nunca estavam separadas. Sempre viveu o presente, com pouca paciência para o passado e de olho no futuro, planejando novas montagens. “Não tenho saudades do passado, vivo o presente e o futuro. Mas minha vida está escrita na pele.”
Não tinha medo da morte: “Para mim, não existe a morte sem a vida. O anjo da morte está sempre presente, em nossas emoções e atos. Nossa caminhada não tem princípio nem fim, só continuidade”. E a imagem de Renée dançando, aos 92 anos, é uma das nossas visões definitivas da arte, como forma humana de continuidade. Sua lição maior sempre foi essa: a renovada afirmação do sim, contra tudo que nos diz não.