{"id":16591,"date":"2010-12-09T13:42:44","date_gmt":"2010-12-09T16:42:44","guid":{"rendered":"http:\/\/beta.idanca.net\/?p=16591"},"modified":"2010-12-13T14:49:41","modified_gmt":"2010-12-13T17:49:41","slug":"paraisos-imaginarios-do-capital","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/idanca.net\/paraisos-imaginarios-do-capital\/","title":{"rendered":"Para\u00edsos imagin\u00e1rios do capital"},"content":{"rendered":"
Se, por uma perspectiva, chamar um dente de bico nos remete a uma p\u00e9rola do ENEM (Exame Nacional do Ensino M\u00e9dio), por outra, a equival\u00eancia proposta entre dente e bico pode ser uma estrat\u00e9gia de dissimula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Por essa fresta do jogo da dissimula\u00e7\u00e3o \u00e9 que experimentei a performance Um dente chamado bico<\/em><\/strong>, criada pela parceria entre os artistas do grupo Dimenti e Sheila Ribeiro\/dona orpheline. A estreia dessa performance aconteceu no foyer e galeria do ICBA \u2013 Instituto Cultural Brasil-Alemanha \u2013 em Salvador, Bahia.<\/p>\n A performance sugere uma estrutura de stand de vendas e, devido ao contexto do foyer e galeria, ganha um hibridismo potente de stand\/vernissage. Nessa tens\u00e3o entre especula\u00e7\u00e3o imobili\u00e1ria e art\u00edstica, experimento o stand do Yemanj\u00e1 Privilege e fa\u00e7o parte de um jogo de dissimula\u00e7\u00e3o sutil, ir\u00f4nico e cr\u00edtico.<\/p>\n O stand de vendas traz em sua organiza\u00e7\u00e3o\/pensamento a simula\u00e7\u00e3o em rito festivo-higienizado-publicit\u00e1rio do portal de ingresso ao para\u00edso, ao mundo vip, exclusivo e luxuoso, n\u00e3o s\u00f3 de um apartamento, mas de um estilo de vida. Parafraseando Suely Rolnik, substitui-se Deus pelo capital que, na l\u00f3gica judaico-crist\u00e3, aparece como fiador da promessa do para\u00edso, e cria-se a promo\u00e7\u00e3o ilus\u00f3ria de que podemos comprar o para\u00edso, o equil\u00edbrio e a cura.<\/p>\n Ao entrar num ambiente encoberto pela ideia do bom gosto, \u201cclassudo\u201d, elegante e luxuoso, performo juntamente com os artistas os deslizamentos dos nossos comportamentos e representa\u00e7\u00f5es. Seguro a ta\u00e7a de vinho branco elegantemente, sem saber sequer a proced\u00eancia do mesmo e deixo o riso solto, acreditando estar bebendo \u00e0s custas do evento; aceito educadamente os canap\u00e9s oferecidos, mas na verdade noto que se trata de comidas como polvilhos, arrumadinho, caruru, os quais, na sua desarmonia com o vinho e com o clima de \u201csofistica\u00e7\u00e3o clean\u201d, tornam-se estranhos, gerando um desajuste no paladar. Em meio a bebidas e comidas, \u00e9 distribu\u00eddo o prospecto do mais novo investimento imobili\u00e1rio da cidade, Yemanj\u00e1 Privilege. Essas situa\u00e7\u00f5es acontecem em meio \u00e0 apresenta\u00e7\u00e3o de um tecladista (Estevan Dantas) e uma cantora (Vanessa Mello-Dimenti), tocando m\u00fasicas de fundo com roupagens bossa-jazz. Esse verniz cool aos poucos vai se tornando reconhec\u00edvel e notamos que as m\u00fasicas escutadas s\u00e3o sucessos do pagode e ax\u00e9-music baiana.<\/p>\n Aqui tudo parece mas n\u00e3o \u00e9, ou \u00e9 mas n\u00e3o parece. Essa condi\u00e7\u00e3o oscilante est\u00e1 presente no que se come, ouve, l\u00ea, assim como nas pequenas apresenta\u00e7\u00f5es que pontuam o stand lembrando shows \u201c\u00e9tnicos\u201d que apresentam a cultura local. Ao longo da dura\u00e7\u00e3o do stand, assistimos a alguns performers se apresentando como \u201corix\u00e1s\u201d ou \u201cgarotos propagandas\u201d, fazendo com que essas posi\u00e7\u00f5es deslizem por momentos mec\u00e2nicos, exibicionistas, honestos, violentos ou at\u00e9 mesmo cansados, como se o pr\u00f3prio contexto tivesse exaurido suas energias.<\/p>\n A ironia se faz presente todo o tempo. Nessas situa\u00e7\u00f5es, quem ri de quem? Os fruidores que, ao experimentarem a obra, ridicularizam cada coisa que comem, escutam e assistem, ou os performers criadores que, num riso ir\u00f4nico, nos colocam para performar a nossa pr\u00f3pria hipocrisia? Ou num riso mais dilacerante, todos performam juntos o engodo da espetaculariza\u00e7\u00e3o de cada representa\u00e7\u00e3o de si e da pr\u00f3pria cidade?<\/p>\n Nesse jogo de dissimula\u00e7\u00e3o, a performance deflagra v\u00e1rias crises e, dentre elas, o conflito de querermos sustentar (baianos ou n\u00e3o) um layout da diversidade negra, praieira, carnavalesca. E ao mesmo tempo, somos seduzidos e domesticados por um tipo de representa\u00e7\u00e3o e poder que faz da \u201cdiversidade\u201d uma embalagem para venda e n\u00e3o uma postura de rela\u00e7\u00e3o. Ao ouvir um c\u00e2ntico do candombl\u00e9 pra Yemanj\u00e1, cantado baixinho por M\u00e1rcio Nonato (Dimenti) e Os\u00f3rio Monteiro (Dimenti) deitados no ch\u00e3o, observando o sil\u00eancio e simpatia geral com o c\u00e2ntico, me perguntei: aut\u00f4matos batendo repetitivamente um tambor elementar com as m\u00e3os e a pulseira de mi\u00e7anga no ch\u00e3o ou atualiza\u00e7\u00e3o minimalista neste canto\/fala de um c\u00e2ntico negro que at\u00e9 hoje temos dificuldade de nos identificar?<\/p>\n Sem se furtar \u00e0 l\u00f3gica de venda da cura e do para\u00edso vip presente na dramaturgia dissimuladora do capital, a performance prova deste \u201crem\u00e9dio\u201d adotando o design\/dramaturgia do mix stand de vendas\/vernissage (j\u00e1 que, na l\u00f3gica capitalista, a venda da exclusividade est\u00e1 presente tanto em apartamentos quanto em obras de arte). Por\u00e9m, ao provar deste \u201crem\u00e9dio\u201d, os artistas destilam \u201cveneno\u201d em pequenos colapsos no funcionamento desse stand.<\/p>\n Ap\u00f3s esses colapsos o corpo est\u00e1 diferente, um outro olhar \u00e9 poss\u00edvel, ao inv\u00e9s do olhar seduzido pelo v\u00e9u ou venda do disfarce, o stand de vendas torna-se um instante sem vendas.<\/p>\n Leonardo Fran\u00e7a \u00e9 performer e dan\u00e7arino \u2013 atualmente se interessa pelas rela\u00e7\u00f5es entre dan\u00e7a, interven\u00e7\u00e3o urbana e design. Sua performance mais recente, Brecha, <\/em>foi apresentada recentemente no Panorama \u2013 Rio de Janeiro 2010 e FIAC \u2013 festival internacional de artes c\u00eanicas \u2013 Bahia 2010. Graduando da Escola de Dan\u00e7a da UFBA.<\/strong><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Conhe\u00e7a um pouco do Yemanj\u00e1 Privilege, lan\u00e7amento imobili\u00e1rio mote da performance ‘Um dente chamado bico’, do Dimenti, atrav\u00e9s da cr\u00edtica do performer Leo Fran\u00e7a. <\/p>\n","protected":false},"author":1833,"featured_media":16592,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_mi_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[49,28],"tags":[505,612,3898],"yoast_head":"\n