{"id":19234,"date":"2011-11-30T17:14:35","date_gmt":"2011-11-30T20:14:35","guid":{"rendered":"http:\/\/beta.idanca.net\/?p=19234"},"modified":"2012-02-03T12:02:54","modified_gmt":"2012-02-03T15:02:54","slug":"conectivos-criticos-iii-2011-%e2%80%93-caixas-sex-bombs-superpoderes-e-o-futuro-da-humanidade","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/idanca.net\/conectivos-criticos-iii-2011-%e2%80%93-caixas-sex-bombs-superpoderes-e-o-futuro-da-humanidade\/","title":{"rendered":"Conectivos Cr\u00edticos III (2011) \u2013 Caixas, sex bombs, superpoderes e o futuro da humanidade"},"content":{"rendered":"
(Texto dedicado a Cristiane Bouger e feito pra ler ao som de Sex Bomb<\/em><\/a>, do Tom Jones)<\/p>\n Tava vendo agora um seriado chamado Terra Nova<\/em>. Estreou esses dias, \u00e9 de fic\u00e7\u00e3o cient\u00edfica. Tipo assim: S\u00e9culo 22, a humanidade poluiu tudo o que podia, superpopula\u00e7\u00e3o, apocalipse iminente, e uma fam\u00edlia \u2013 papai policial, mam\u00e3e m\u00e9dica, um casal de adolescentes e uma menininha fofa \u2013 viaja no tempo pra tentar a vida na Terra paleoz\u00f3ica, junto com outras fam\u00edlias parecidas. Uns s\u00e3o comidos por dinossauros, blablabl\u00e1, n\u00e3o vem ao caso.<\/p>\n O que vem ao caso \u00e9 o inc\u00f4modo que eu sinto toda vez que eu vejo hist\u00f3rias futuristas e percebo que os autores se ocuparam t\u00e3o pouco em pensar nas estruturas sociais, em pessoas. Os caras pensam em tecnologia, figurino, cen\u00e1rio, consultam cientistas e especialistas pra pensar nessas coisas. S\u00f3 que ningu\u00e9m pensa que talvez, daqui a um s\u00e9culo, nem todas as mulheres tenham cabelo comprido e os homens cabelo curto, que talvez existam mais fam\u00edlias com estruturas diferentes de papai-mam\u00e3e-filhinhos, que talvez nem todos os homens sejam provedores e nem todas as mulheres sejam nutridoras, que existam alternativas \u00e0 monogamia, que nem todos os corpos sejam magros, malhados. Que talvez os militares n\u00e3o estejam no comando. Que talvez existam viados, transexuais e travestis em cargos de poder. Que o que \u00e9 considerado bonito e normal hoje talvez n\u00e3o seja daqui a um s\u00e9culo.<\/p>\n E que hoje mesmo, aqui entre a gente, tem muitas pessoas que vivem de formas muito diferentes do futuro apresentado em Terra Nova<\/em>. J\u00e1 existe \u2013 pasmem \u2013 homem de cabelo comprido e mulher de cabelo curto. At\u00e9 de cabe\u00e7a raspada j\u00e1 vi. J\u00e1 existem fam\u00edlias de mam\u00e3e-mam\u00e3e-filhinhos, fam\u00edlias de amigos, fam\u00edlias de amigo-amigo-prima-filhinhos, existem fam\u00edlias sem filhinhos. Existem \u2013 pasmem \u2013 mulheres com mais de 50 quilos que s\u00e3o bonitas e normais. Existem \u2013 pasmem \u2013 mulheres que n\u00e3o querem casar, nem ter filhinhos, nem um homem protetor. Rico empres\u00e1rio tatuado, travesti professora, viado militar, nada cabe nesse futuro. S\u00f3 o que j\u00e1 foi reconhecido e eternizado como normal, consagrado pelo uso.<\/p>\n Agora, justamente os americanos, que criaram e criam s\u00e9ries como essa, tamb\u00e9m usam bastante uma express\u00e3o assim: \u201cto think outside the box\u201d, \u201cpensar fora da caixa\u201d. Que caixa \u00e9 essa? O que \u00e9 pensar fora da caixa e pra que serve? Como faz pra pensar fora da caixa?<\/p>\n Performance in-box<\/strong><\/p>\n O meu assunto aqui \u00e9 outro, na verdade. Eu queria falar dos trabalhos que foram apresentados no dia 13 de junho, na programa\u00e7\u00e3o do Intera\u00e7\u00e3o e Conectividade V: Pau Brasil<\/em><\/strong>, de Aldren Lincoln, 44<\/em><\/strong>, de Simone Gon\u00e7alves e Salmon Nela<\/em><\/strong>, de Giorgia Concei\u00e7\u00e3o. As tr\u00eas performances aconteceram na mesma noite \u2013 que a gente estava chamando informalmente de \u201cNoite Queer\u201d, ou \u201cNoite Bicha\u201d \u2013, ap\u00f3s uma conversa com o Eduardo Bonito e a Isabel Ferreira sobre o projeto com.posi\u00e7\u00f5es.pol\u00edticas<\/em> e uma introdu\u00e7\u00e3o do Jorge Alencar, que leu alguns trechos do seu texto Cirque de Solange<\/em>.<\/p>\n O \u00c2ncora do Marujo, lugar onde tudo isso aconteceu, criou uma moldura muito espec\u00edfica para essas a\u00e7\u00f5es, pela pr\u00f3pria estrutura do lugar, mas principalmente pelo hist\u00f3rico.<\/p>\n O \u00c2ncora \u00e9 o meu segundo lar em Salvador. \u00c9 uma casa de shows, boate, bar, que aos poucos foi se tornando um local de resist\u00eancia da cultura do transformismo e dos shows de dublagem que acontecem l\u00e1 todas as noites (com exce\u00e7\u00e3o das segundas, quando n\u00e3o abre). \u00c9 um lugar onde os g\u00eaneros derretem e se misturam, onde voc\u00ea pode ser bicha, mulher, bofe, travesti, sapat\u00e3o, pode passear entre essas coisas, n\u00e3o ser nada, sentar quietinho e assistir aos shows anonimamente, a n\u00e3o ser que alguma das artistas que se apresentam l\u00e1 com frequ\u00eancia \u2013 como Valerie O\u2019Hara, Carolina Vargas, Beatrice Mathieu, Larissa Bravo, Gina de Mascar, Sher Marie, Rainha Loulou, Mitta Lux, Scarleth Sangalo, Marina Garlen \u2013 resolva te convidar para o palco e te abordar com perguntas indiscretas.<\/p>\n Pra mim, que estive trabalhando em Salvador esses tempos, acabou virando uma casa de fam\u00edlia, onde eu podia chegar mais cedo, assistir \u00e0 novela das oito com Fernando, Wilson e Ang\u00e9lica, que trabalham no bar \u00e0 noite, e moram no andar de cima, no mesmo pr\u00e9dio.<\/p>\n \u00c9 um lugar pequenininho, uma caixinha, com um palquinho no fundo, e atr\u00e1s dele um camarim apertado, onde eu j\u00e1 tive o privil\u00e9gio de observar mais de dez bichas em pleno processo de transforma\u00e7\u00e3o ao mesmo tempo. Na noite em quest\u00e3o, o \u00c2ncora ficou ainda menor, ocupado pelo p\u00fablico do festival. Sem ventila\u00e7\u00e3o, abafado, abrigando uma conversa sobre arte contempor\u00e2nea sufocada por outras conversas, barulhos de copos, barulho da rua, o que me fazia pensar o tempo todo que tinha sido uma escolha errada realizar aquele evento l\u00e1. At\u00e9 que come\u00e7aram as performances.<\/p>\n Primeiro a Giorgia Concei\u00e7\u00e3o, com Salmon Nela<\/em>. Com o corpo salpicado de paet\u00eas, os peitos cobertos por uma esp\u00e9cie de bijuteria gigante, preta, o rosto quase todo coberto por uma maquiagem preta superelaborada, ela oferece peda\u00e7os de salm\u00e3o para o p\u00fablico, numa bandeja. Isso tudo ao som do Funk do Salm\u00e3o<\/em><\/strong><\/strong><\/a>, com m\u00fasica e letra da pr\u00f3pria, e gravado em parceria com o m\u00fasico Paulo de Nadal.<\/p>\n Simone Gon\u00e7alves apresentou 44<\/em>. De cal\u00e7a larga azul clara, uma camiseta regata branca, t\u00eanis e uma maquiagem exagerada, com direito a c\u00edlios posti\u00e7os, batom vermelh\u00edssimo e sombra azul, ela dan\u00e7a uma coreografia marcada por refer\u00eancias fortes da dan\u00e7a de rua e do ax\u00e9. A m\u00fasica e fundo \u00e9 o cl\u00e1ssico N\u00e3o tente me impedir<\/em><\/a>, de Silvano Salles, o cantor apaixonado.<\/p>\n