{"id":9493,"date":"2008-12-09T12:20:46","date_gmt":"2008-12-09T15:20:46","guid":{"rendered":"http:\/\/beta.idanca.net\/?p=9493&lang=pt-br"},"modified":"2008-12-10T13:38:23","modified_gmt":"2008-12-10T16:38:23","slug":"o-capricho-das-estrelas-2","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/","title":{"rendered":"O capricho das estrelas"},"content":{"rendered":"
Depois de apresenta\u00e7\u00f5es em duas cidades diferentes (Londres, Paris) os autores de In-I<\/span><\/em>, a actriz francesa Juliette Binoche e o bailarino e core\u00f3grafo do Bangladesh, radicado em Inglaterra, Akram Khan, reservaram-se ao direito de recusar entrevistas. Quando ainda faltam v\u00e1rias datas no calend\u00e1rio (Bruxelas, Roma, Sydney, Luxemburgo), marcadas muito antes de algu\u00e9m saber, incluindo os pr\u00f3prios, o que resultaria do encontro entre os dois, o que mais se quiser saber carece de recupera\u00e7\u00e3o na imprensa publicada na altura das estreias inglesa e francesa.<\/span><\/p>\n Seja ou n\u00e3o pelas cr\u00edticas mistas que receberam \u2013 e foram, como se imagina, muitas, nenhuma particularmente entusiasta mas todas elas \u00e0 procura de factores que ajudassem a ver este espect\u00e1culo para l\u00e1 do carisma das estrelas e apenas como “mais um” espect\u00e1culo -, certo \u00e9 que a m\u00e1quina de produ\u00e7\u00e3o por detr\u00e1s da pe\u00e7a dispensa bem as opini\u00f5es da imprensa especializada. Chega-lhe a outra, certamente menos snob e mais emotiva (ou emocional), tal como, diz-se, o p\u00fablico dos grandes teatros co-produtores, que passa ao largo dos preciosismos do discurso sobre a dan\u00e7a contempor\u00e2nea.<\/span><\/p>\n De facto, In-I<\/span> <\/em>est\u00e1 para l\u00e1 de qualquer regra a que estejamos habituados. Ou talvez seja melhor acrescentar a que estejamos habituados quando falamos de dan\u00e7a contempor\u00e2nea. O seu\u00a0all-star<\/em> cast<\/span> chega-lhe para se sobrepor aos artif\u00edcios comuns do meio elitista, feito de regras, provas e testes como \u00e9 o da dan\u00e7a contempor\u00e2nea, falsamente democr\u00e1tico.<\/span><\/p>\n Durante as dez noites de apresenta\u00e7\u00e3o em Paris, o passeio da frente do Th\u00e9\u00e2tre de la Ville, viu chegar, algumas horas antes e apesar do frio cortante e da amea\u00e7a de neve , v\u00e1rios aspirantes a um bilhete para os quase mil lugares. O p\u00fablico do Th\u00e9\u00e2tre de la Ville talvez n\u00e3o seja exactamente o melhor bar\u00f3metro de aferi\u00e7\u00e3o dos riscos aos quais se sujeita a dan\u00e7a contempor\u00e2nea. Voos mais altos d\u00e3o-se no Centre Pompidou e verdadeiros cataclismos s\u00f3 na M\u00e9nagerie de Verre. O principal palco da cena oficial “serve para” as anuais estreias francesas de Pina Bausch, albergar o contingente da dan\u00e7a flamenga, e mostrar pe\u00e7as menos medi\u00e1ticas mas nem por isso vendidas como desperdi\u00e7\u00e1veis. Mas, as sess\u00f5es estavam esgotadas h\u00e1 muito, os habituais bilhetes de \u00faltima hora vendidos antecipadamente, e o p\u00fablico do teatro, na sua maioria assinantes que compram bilhetes para a temporada, n\u00e3o escondiam o raro sentimento de julgamento dos int\u00e9rpretes. Da\u00ed que o problema de In-i<\/em><\/span> <\/em>n\u00e3o esteja na expectativa dos espectadores mas nos limites colocados a si pr\u00f3prios pelos int\u00e9rpretes.<\/span><\/p>\n \n Uma quest\u00e3o de estrat\u00e9gia?<\/span><\/span><\/strong><\/p>\n Se uma actriz mundialmente famosa, conhecida pelos riscos cinematogr\u00e1ficos que toma (como os recentes da sua filmografia: Amos Gitai, Hsiao-hsien Hou ou Michael Haneke) procura um core\u00f3grafo com quem possa dar largas a um desejo antigo – “descobrir como [se] podia movimentar em palco e [se] exprimir atrav\u00e9s do movimento” , conforme conta no programa -, estaremos perante uma reformula\u00e7\u00e3o contempor\u00e2nea do que s\u00f3 esper\u00e1vamos do universo m\u00edtico da dan\u00e7a cl\u00e1ssica? Ou eventualmente de um capricho que possa ser desculpado pela aura da vedeta que, depois da afirma\u00e7\u00e3o de uma carreira prof\u00edcua, e com resultados compreensivelmente desiguais, se d\u00e1 ao luxo de fazer aquilo que mais lhe conv\u00e9m, enquanto o pode? Um olhar atento \u00e0 ficha t\u00e9cnica permite perceber que Binoche teve aulas de dan\u00e7a n\u00e3o com Khan mas com um professor especial.<\/span><\/p>\n Ora,\u00a0In-i<\/span><\/em> foi apresentado como a articula\u00e7\u00e3o entre a Fran\u00e7a e o Reino Unido no quadro da temporada cultural da Presid\u00eancia Francesa da Uni\u00e3o Europeia, mas esta \u00e9 mais uma quest\u00e3o pol\u00edtico-cultural, de tend\u00eancia notoriamente imperialista, que pode at\u00e9 justificar o facto de uma actriz como Binoche falar em ingl\u00eas no prestigiado palco-montra que \u00e9 o Th\u00e9\u00e2tre de la Ville. E mesmo correndo o risco de tal defesa ser entendida como mais uma acha para a fogueira do chauvinismo franc\u00eas, para o que ela diz, diz\u00ea-lo em ingl\u00eas\u00a0ce n’est qu’un d\u00e9tail<\/span><\/em>. Mas, na verdade,\u00a0In-i<\/em> <\/span>faz parte de um plano mais vasto, genericamente intitulado\u00a0Jubilations<\/span> que procura “atrav\u00e9s de uma expans\u00e3o de energia, juntar diferentes express\u00f5es num s\u00f3 movimento, com o entusiasmo de um salto em frente”, a saber, uma retrospectiva na Cinemateca Francesa dos seus filmes, e edi\u00e7\u00e3o de um livro de retratos de realizadores pintados a \u00f3leo pela pr\u00f3pria, Portraits In-Eyes<\/em> , que tamb\u00e9m originou uma exposi\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n Ou seja, o espect\u00e1culo n\u00e3o \u00e9, em toda a sua ret\u00f3rica contempor\u00e2nea, uma pe\u00e7a de dan\u00e7a “como qualquer outra”. \u00c9 um capricho, como s\u00f3 se permite \u00e0s grandes estrelas. Mais a ela que a ele, que quer, precisamente, escapar a essa “pris\u00e3o” de ser hoje, tragicamente, Binoche. Basta ver as fotografias que fez para a edi\u00e7\u00e3o de Novembro da vers\u00e3o francesa da\u00a0Playboy<\/span> <\/em>para perceber que Binoche \u2013 que tamb\u00e9m ali dan\u00e7a (e mais convincentemente, dir-se-\u00e1) -, quer ser irremediavelmente Juliette: “tendemos a separar o corpo do esp\u00edrito, o corpo das suas emo\u00e7\u00f5es. E eu ambicionava ter coragem para interpretar o meu corpo”, disse na entrevista. Por isso imp\u00f5e-se a d\u00favida: Binoche faz o quer ou que o lhe conv\u00eam?<\/span><\/p>\n Podemos entender este seu desejo inicial de ser coreografada por algu\u00e9m que costuma colocar em cena uma tradu\u00e7\u00e3o coreogr\u00e1fica do mundo multicultural no qual vivemos, mas basta citar\u00a0Bahok<\/span>, apresentado no CCB em Junho, para perceber que Kham est\u00e1 para o tema como um elefante para uma loja de lou\u00e7as. O core\u00f3grafo n\u00e3o \u00e9 Philip Kaufman, nem Leos Carax nem muito menos Krzysztof Kieslowski, realizadores que deram a Binoche filmes memor\u00e1veis como\u00a0A Insustent\u00e1vel Leveza do Ser<\/span><\/em>,\u00a0Os Amantes da Pont-Neuf<\/span> <\/em>e\u00a0Azul<\/span><\/em>. Khan \u00e9 um ve\u00edculo para Binoche, dando-lhe para fazer o estritamente necess\u00e1rio de modo a que o capricho se satisfa\u00e7a. Para si, e citando o\u00a0New York Times<\/span><\/em>, os benef\u00edcios ser\u00e3o outros: “Khan surge como um frugal carreirista [num] espect\u00e1culo calculado para sublinhar o seu passado cultural e as suas capacidades coreogr\u00e1ficas”. Ou talvez n\u00e3o.<\/span><\/p>\n O jornal franc\u00eas\u00a0Lib\u00e9ration<\/span><\/em> diz que “\u00e9 imposs\u00edvel ser-se indulgente”. In-i \u00e9 “naif”. Certo, mais para ela que para ele. Mas talvez possamos entender a aposta de outra forma. Dan\u00e7ar agora, quando ainda pode arriscar n\u00e3o \u00e9 uma leitura escapista que tenta justificar o que nem os autores conseguem sustentar. H\u00e1 nele “a descoberta da [sua] vulnerabilidade, da [sua] c\u00f3lera… de sentimentos que sempre [escondeu] em cena”, tal como conta nas notas de programa, e isso sente-se. As sequ\u00eancias onde se dedica a fazer o que faz melhor \u2013 preencher um palco vazio com a for\u00e7a impressiva das suas frases coreogr\u00e1ficas \u2013 s\u00e3o n\u00e3o s\u00f3 hipnotizantes como rasgam o formalismo caracter\u00edstico das suas pe\u00e7as. E h\u00e1 nela um desejo imenso de regressar \u00e0 liberdade interpretativa dos filmes citados anteriormente e, em particular, o inesquec\u00edvel\u00a0Azul<\/span><\/em>, onde o seu rosto, e o seu corpo, carregavam as marcas de uma sexualidade angustiada. Marcas, e desejos, que est\u00e3o mais presentes no ensaio fotogr\u00e1fico da\u00a0Playboy<\/span><\/em> que nesta pe\u00e7a sobre o amor.<\/span><\/p>\n