{"id":9493,"date":"2008-12-09T12:20:46","date_gmt":"2008-12-09T15:20:46","guid":{"rendered":"http:\/\/beta.idanca.net\/?p=9493&lang=pt-br"},"modified":"2008-12-10T13:38:23","modified_gmt":"2008-12-10T16:38:23","slug":"o-capricho-das-estrelas-2","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/","title":{"rendered":"O capricho das estrelas"},"content":{"rendered":"

Depois de apresenta\u00e7\u00f5es em duas cidades diferentes (Londres, Paris) os autores de In-I<\/span><\/em>, a actriz francesa Juliette Binoche e o bailarino e core\u00f3grafo do Bangladesh, radicado em Inglaterra, Akram Khan, reservaram-se ao direito de recusar entrevistas. Quando ainda faltam v\u00e1rias datas no calend\u00e1rio (Bruxelas, Roma, Sydney, Luxemburgo), marcadas muito antes de algu\u00e9m saber, incluindo os pr\u00f3prios, o que resultaria do encontro entre os dois, o que mais se quiser saber carece de recupera\u00e7\u00e3o na imprensa publicada na altura das estreias inglesa e francesa.<\/span><\/p>\n

Seja ou n\u00e3o pelas cr\u00edticas mistas que receberam \u2013 e foram, como se imagina, muitas, nenhuma particularmente entusiasta mas todas elas \u00e0 procura de factores que ajudassem a ver este espect\u00e1culo para l\u00e1 do carisma das estrelas e apenas como “mais um” espect\u00e1culo -, certo \u00e9 que a m\u00e1quina de produ\u00e7\u00e3o por detr\u00e1s da pe\u00e7a dispensa bem as opini\u00f5es da imprensa especializada. Chega-lhe a outra, certamente menos snob e mais emotiva (ou emocional), tal como, diz-se, o p\u00fablico dos grandes teatros co-produtores, que passa ao largo dos preciosismos do discurso sobre a dan\u00e7a contempor\u00e2nea.<\/span><\/p>\n

De facto, In-I<\/span> <\/em>est\u00e1 para l\u00e1 de qualquer regra a que estejamos habituados. Ou talvez seja melhor acrescentar a que estejamos habituados quando falamos de dan\u00e7a contempor\u00e2nea. O seu\u00a0all-star<\/em> cast<\/span> chega-lhe para se sobrepor aos artif\u00edcios comuns do meio elitista, feito de regras, provas e testes como \u00e9 o da dan\u00e7a contempor\u00e2nea, falsamente democr\u00e1tico.<\/span><\/p>\n

Durante as dez noites de apresenta\u00e7\u00e3o em Paris, o passeio da frente do Th\u00e9\u00e2tre de la Ville, viu chegar, algumas horas antes e apesar do frio cortante e da amea\u00e7a de neve , v\u00e1rios aspirantes a um bilhete para os quase mil lugares. O p\u00fablico do Th\u00e9\u00e2tre de la Ville talvez n\u00e3o seja exactamente o melhor bar\u00f3metro de aferi\u00e7\u00e3o dos riscos aos quais se sujeita a dan\u00e7a contempor\u00e2nea. Voos mais altos d\u00e3o-se no Centre Pompidou e verdadeiros cataclismos s\u00f3 na M\u00e9nagerie de Verre. O principal palco da cena oficial “serve para” as anuais estreias francesas de Pina Bausch, albergar o contingente da dan\u00e7a flamenga, e mostrar pe\u00e7as menos medi\u00e1ticas mas nem por isso vendidas como desperdi\u00e7\u00e1veis. Mas, as sess\u00f5es estavam esgotadas h\u00e1 muito, os habituais bilhetes de \u00faltima hora vendidos antecipadamente, e o p\u00fablico do teatro, na sua maioria assinantes que compram bilhetes para a temporada, n\u00e3o escondiam o raro sentimento de julgamento dos int\u00e9rpretes. Da\u00ed que o problema de In-i<\/em><\/span> <\/em>n\u00e3o esteja na expectativa dos espectadores mas nos limites colocados a si pr\u00f3prios pelos int\u00e9rpretes.<\/span><\/p>\n

\n

Uma quest\u00e3o de estrat\u00e9gia?<\/span><\/span><\/strong><\/p>\n

Se uma actriz mundialmente famosa, conhecida pelos riscos cinematogr\u00e1ficos que toma (como os recentes da sua filmografia: Amos Gitai, Hsiao-hsien Hou ou Michael Haneke) procura um core\u00f3grafo com quem possa dar largas a um desejo antigo – “descobrir como [se] podia movimentar em palco e [se] exprimir atrav\u00e9s do movimento” , conforme conta no programa -, estaremos perante uma reformula\u00e7\u00e3o contempor\u00e2nea do que s\u00f3 esper\u00e1vamos do universo m\u00edtico da dan\u00e7a cl\u00e1ssica? Ou eventualmente de um capricho que possa ser desculpado pela aura da vedeta que, depois da afirma\u00e7\u00e3o de uma carreira prof\u00edcua, e com resultados compreensivelmente desiguais, se d\u00e1 ao luxo de fazer aquilo que mais lhe conv\u00e9m, enquanto o pode? Um olhar atento \u00e0 ficha t\u00e9cnica permite perceber que Binoche teve aulas de dan\u00e7a n\u00e3o com Khan mas com um professor especial.<\/span><\/p>\n

Ora,\u00a0In-i<\/span><\/em> foi apresentado como a articula\u00e7\u00e3o entre a Fran\u00e7a e o Reino Unido no quadro da temporada cultural da Presid\u00eancia Francesa da Uni\u00e3o Europeia, mas esta \u00e9 mais uma quest\u00e3o pol\u00edtico-cultural, de tend\u00eancia notoriamente imperialista, que pode at\u00e9 justificar o facto de uma actriz como Binoche falar em ingl\u00eas no prestigiado palco-montra que \u00e9 o Th\u00e9\u00e2tre de la Ville. E mesmo correndo o risco de tal defesa ser entendida como mais uma acha para a fogueira do chauvinismo franc\u00eas, para o que ela diz, diz\u00ea-lo em ingl\u00eas\u00a0ce n’est qu’un d\u00e9tail<\/span><\/em>. Mas, na verdade,\u00a0In-i<\/em> <\/span>faz parte de um plano mais vasto, genericamente intitulado\u00a0Jubilations<\/span> que procura “atrav\u00e9s de uma expans\u00e3o de energia, juntar diferentes express\u00f5es num s\u00f3 movimento, com o entusiasmo de um salto em frente”, a saber, uma retrospectiva na Cinemateca Francesa dos seus filmes, e edi\u00e7\u00e3o de um livro de retratos de realizadores pintados a \u00f3leo pela pr\u00f3pria, Portraits In-Eyes<\/em> , que tamb\u00e9m originou uma exposi\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n

Ou seja, o espect\u00e1culo n\u00e3o \u00e9, em toda a sua ret\u00f3rica contempor\u00e2nea, uma pe\u00e7a de dan\u00e7a “como qualquer outra”. \u00c9 um capricho, como s\u00f3 se permite \u00e0s grandes estrelas. Mais a ela que a ele, que quer, precisamente, escapar a essa “pris\u00e3o” de ser hoje, tragicamente, Binoche. Basta ver as fotografias que fez para a edi\u00e7\u00e3o de Novembro da vers\u00e3o francesa da\u00a0Playboy<\/span> <\/em>para perceber que Binoche \u2013 que tamb\u00e9m ali dan\u00e7a (e mais convincentemente, dir-se-\u00e1) -, quer ser irremediavelmente Juliette: “tendemos a separar o corpo do esp\u00edrito, o corpo das suas emo\u00e7\u00f5es. E eu ambicionava ter coragem para interpretar o meu corpo”, disse na entrevista. Por isso imp\u00f5e-se a d\u00favida: Binoche faz o quer ou que o lhe conv\u00eam?<\/span><\/p>\n

Podemos entender este seu desejo inicial de ser coreografada por algu\u00e9m que costuma colocar em cena uma tradu\u00e7\u00e3o coreogr\u00e1fica do mundo multicultural no qual vivemos, mas basta citar\u00a0Bahok<\/span>, apresentado no CCB em Junho, para perceber que Kham est\u00e1 para o tema como um elefante para uma loja de lou\u00e7as. O core\u00f3grafo n\u00e3o \u00e9 Philip Kaufman, nem Leos Carax nem muito menos Krzysztof Kieslowski, realizadores que deram a Binoche filmes memor\u00e1veis como\u00a0A Insustent\u00e1vel Leveza do Ser<\/span><\/em>,\u00a0Os Amantes da Pont-Neuf<\/span> <\/em>e\u00a0Azul<\/span><\/em>. Khan \u00e9 um ve\u00edculo para Binoche, dando-lhe para fazer o estritamente necess\u00e1rio de modo a que o capricho se satisfa\u00e7a. Para si, e citando o\u00a0New York Times<\/span><\/em>, os benef\u00edcios ser\u00e3o outros: “Khan surge como um frugal carreirista [num] espect\u00e1culo calculado para sublinhar o seu passado cultural e as suas capacidades coreogr\u00e1ficas”. Ou talvez n\u00e3o.<\/span><\/p>\n

O jornal franc\u00eas\u00a0Lib\u00e9ration<\/span><\/em> diz que “\u00e9 imposs\u00edvel ser-se indulgente”. In-i \u00e9 “naif”. Certo, mais para ela que para ele. Mas talvez possamos entender a aposta de outra forma. Dan\u00e7ar agora, quando ainda pode arriscar n\u00e3o \u00e9 uma leitura escapista que tenta justificar o que nem os autores conseguem sustentar. H\u00e1 nele “a descoberta da [sua] vulnerabilidade, da [sua] c\u00f3lera… de sentimentos que sempre [escondeu] em cena”, tal como conta nas notas de programa, e isso sente-se. As sequ\u00eancias onde se dedica a fazer o que faz melhor \u2013 preencher um palco vazio com a for\u00e7a impressiva das suas frases coreogr\u00e1ficas \u2013 s\u00e3o n\u00e3o s\u00f3 hipnotizantes como rasgam o formalismo caracter\u00edstico das suas pe\u00e7as. E h\u00e1 nela um desejo imenso de regressar \u00e0 liberdade interpretativa dos filmes citados anteriormente e, em particular, o inesquec\u00edvel\u00a0Azul<\/span><\/em>, onde o seu rosto, e o seu corpo, carregavam as marcas de uma sexualidade angustiada. Marcas, e desejos, que est\u00e3o mais presentes no ensaio fotogr\u00e1fico da\u00a0Playboy<\/span><\/em> que nesta pe\u00e7a sobre o amor.<\/span><\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

\n

Encontro de vontades?<\/span><\/span><\/strong><\/p>\n

A pe\u00e7a tem mais de encontro que de espect\u00e1culo. De Binoche e Kram e destes com o artista visual Anish Kapoor, formando um trio de vis\u00f5es que, coincidentemente, existe no mesmo palco mas nem por isso fala a mesma linguagem. Ao desejo inicial da actriz juntou-se a vontade do core\u00f3grafo de “se desfazer do [seu] corpo e entrar [no dela]”. Na base estava a vontade de traduzirem para palco as catorze diferente formas que os antigos gregos usavam para falar de amor. Para esta inevit\u00e1vel paleta sentimental arbitr\u00e1ria Kapoor criou um muro mov\u00edvel de ambi\u00e7\u00e3o “rothkoniana” e onde as luzes (Michel Hulls) de cores quentes, e a dialogarem com o laranja do vestido dela e o azul turquesa da camisa dele, desenham formas rectil\u00edneas que enformam o par e o sujeitam a um desafio maior: garantir que a explos\u00e3o de movimentos \u00e9 contraponto suficiente \u00e0 aridez do dispositivo c\u00e9nico e \u00e0 linearidade dramat\u00fargica, tendencialmente narrativa. Disse o\u00a0Guardian<\/span><\/em>: “N\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas de que Khan e Binoche s\u00e3o fascinantes juntos quando se aventuram em novos territ\u00f3rios. Mas a novidade evade-se, e n\u00e3o h\u00e1 hip\u00f3teses de ilus\u00e3o numa pe\u00e7a que deveria ser de 30 minutos e se estendeu para l\u00e1 da sua dura\u00e7\u00e3o natural”.<\/span><\/p>\n

Quando falamos num encontro entre Binoche e Khan n\u00e3o esperamos, provavelmente, o mesmo tipo de investidas que encontramos em\u00a0Gustavia<\/span><\/em>, de Mathilde Monnier e La Ribot (apresentado em Vila do Conde em Setembro passado e que chega \u00e0 Culturgest em Abril 2009), 2008 Vall\u00e9e<\/em><\/span> da mesma Monnier com o cantor Katherine (Teatro Cam\u00f5es, 2007) ou\u00a0(Not) a Love Song<\/span><\/em>, de Allan Buffard, com Claudia Triozzi e Vera Mantero (CCB, Abril 2009). Nem mesmo dos v\u00e1rios encontros de Meg Stuart com artistas pl\u00e1sticos, cineastas e core\u00f3grafos, como Ben\u00f4it Lachambre (Forgeries, Love and other matters<\/span><\/em>, Culturgest, 2005) ou deste com Louise Lecavalier (I is memory<\/em>, 2007). Ou ainda no exemplo de Anne Teresa de Keersmaeker com Steve Reich (Steve Reich Evening<\/em>,<\/span> 2007), e Boris Charmatz com Jeanne Balibar (uma outra actriz de cinema a querer dan\u00e7ar) em\u00a0La danseuse malade<\/span><\/em> (Culturgest, Maio 2009) ou com Raimund Hoghe (R\u00e9gi<\/span><\/em>, 2006). E menos ainda nos encontros provocados e promovidos por J\u00e9r\u00f4me Bel com V\u00e8ronique Doisneau, \u00e9toile do Ballet de l’\u00d3pera de Paris, e Isabel Torres<\/em>, do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro (Isabel Torres<\/span>, S\u00e3o Luiz, 2006). Todas estas pe\u00e7as, se centradas no campo coreogr\u00e1fico \u2013 e nos \u00faltimos anos tendo-se tornado, talvez inconscientemente, um fil\u00e3o -, partilham tamb\u00e9m, mesmo que assimetricamente, l\u00f3gicas geracionais, te\u00f3ricas ou territoriais, que funcionam como elementos de igni\u00e7\u00e3o que devolvem ao universo de cada um uma mais-valia evidente. \u00c9 um discurso que cresce no confronto com um olhar tendencialmente c\u00famplice.<\/span><\/p>\n

Ser\u00edamos, no entanto, desonestos se n\u00e3o inclu\u00edssemos nesta lista pouco exaustiva de espect\u00e1culos partilhados as recentes experi\u00eancias de Akram Khan, nomeadamente com Sidi Larbi Chekaoui (Zero Degrees<\/span>,<\/em> CCB, 2006) e Sylvie Guillem (Sacred Monsters<\/span><\/em>, 2006). Em ambos os casos \u2013 o primeiro mais do que o segundo \u2013 Khan soube criar um espa\u00e7o de partilha e nele jogar, permanentemente, com o desequil\u00edbrio coreogr\u00e1fico no caso de\u00a0Zero Degrees<\/span>, discursivo no caso de\u00a0Sacred Monsters<\/span>. Aposta ganha com Guillem que, n\u00e3o sendo “apenas” uma estrela da dan\u00e7a neo-cl\u00e1ssica e moderna \u00e9 algu\u00e9m que se sabe realmente reinventar (como fez com Russell Maliphant em\u00a0Push<\/span><\/em>, 2006), e menos conseguida com Cherkaoui que sendo seguramente melhor int\u00e9rprete que core\u00f3grafo reagia impulsivamente ao virtuosismo fundamentado de Khan com truques afectados por anos de treino na escola flamenga.<\/span><\/p>\n

Akram Khan \u00e9 um int\u00e9rprete de alt\u00edssimo n\u00edvel, o que faz das suas pe\u00e7as de c\u00e2mara, particularmente aquelas nas quais participa, como as atr\u00e1s citadas, mais do que um exerc\u00edcio de virtuosismo. A sua consci\u00eancia corporal, a sua capacidade de transformar o mais simples dos movimentos em explos\u00f5es coreograficamente irrepreens\u00edveis, a not\u00e1vel no\u00e7\u00e3o de presen\u00e7a no espa\u00e7o e, naturalmente, a sua bel\u00edssima figura \u2013 que desmonta o exotismo e fetichismo do corpo negro, aproximando-o de uma figura terrena e humanamente fr\u00e1gil -, d\u00e3o-lhe uma mais valia rara que s\u00f3 a sua propens\u00e3o para a narrativa \u2013 como se viu no equivocado Bahok<\/span><\/em> -, tende a prejudicar.<\/span><\/p>\n

In-I <\/span><\/em>n\u00e3o \u00e9 melhor nem pior que os exemplos citados anteriormente. \u00c9 apenas outra forma de construir um territ\u00f3rio que deseja ardentemente ser partilhado, mas que n\u00e3o \u00e9 necessariamente comum. A estrutura da pe\u00e7a \u00e9 bastante mais simples do que o programa a que se propuseram. Os textos partem, alegadamente, de experi\u00eancias pessoais, sendo que as dele s\u00e3o, em linguagem politicamente correcta, mais perturbadoras porque tocam em quest\u00f5es raciais. Todas as hist\u00f3rias contadas s\u00e3o sobre desejo, sedu\u00e7\u00e3o, risco, lux\u00faria, paix\u00e3o e amor. Quer ele quer ela encontram-se no mesmo palco em busca de uma completude. Ela efabula, num misto de perversidade juvenil e matreirice s\u00e1bia, sobre os homens que encontra nos cinemas esconsos. Ele vive perturbado por uma “Sarah”, amor juvenil interrompido por raz\u00f5es religiosas. Ser\u00e1 essa recorda\u00e7\u00e3o, e o desejo insistente dela por ele, entre o ass\u00e9dio e a embriaguez, que os atormentar\u00e1. Ele acordar\u00e1 de um sono pesado, na cama que partilha com ela. Ela persegue-o, falando insistentemente. Ele repudia-a e rompe o espa\u00e7o em sequ\u00eancias fisicamente exigentes. E \u00e9 neste jogo de procura do outro que dan\u00e7am, cumprindo um manual b\u00e1sico de dan\u00e7a contempor\u00e2nea, feito de gestos bruscos, curtos e que se agigantam para l\u00e1 de si mesmos, corpos pesados que encontram no movimento uma leveza inesperada, rostos endurecidos que fixam um ponto do outro lado do palco e o atravessam sem piedade, e uma energia superlativa que procura contrariar a brevidade das frases coreogr\u00e1ficas.<\/span><\/p>\n

A sua distinta divis\u00e3o sequencial, que alterna teatro e dan\u00e7a, faz do conjunto algo eminentemente fragmentado, de tal forma devedor dos interesses dos seus autores – e numa atitude de n\u00e3o identifica\u00e7\u00e3o do que pertence a quem \u2013, que alimenta a inevitabilidade de um olhar enviesado e tragicamente cumpridor. A confirma\u00e7\u00e3o do sabor amargo do falhan\u00e7o n\u00e3o existe porque a fasquia estava demasiado alta, mas porque aquilo que apresentam \u00e9, independentemente de quem s\u00e3o, manifestamente pouco. N\u00e3o lhes chega o nome e o desejo, e muito menos a comprova\u00e7\u00e3o de que Binoche sabe dan\u00e7ar e Khan consegue dizer um texto. Aqui s\u00f3 h\u00e1 lugar para o espa\u00e7o vazio que ficou por preencher e que permite uma linearidade dramat\u00fargica que deita por terra a seriedade do que querem fazer. O problema n\u00e3o s\u00e3o os textos, sofr\u00edveis \u00e9 certo, mas o facto de n\u00e3o conseguirem escapar ao gracejo e \u00e0 evid\u00eancia da extrema leveza e arbitrariedade de tudo isto. Toda a sequ\u00eancia passada numa casa de banho, uma abjecta m\u00edmica sobre os h\u00e1bitos de higiene \u00e9 um sintoma mais do que evidente da pressa, da falta de confian\u00e7a e das dificuldades criativas de\u00a0In-I<\/span><\/em>, fruto da mais do que prov\u00e1vel agenda sobrecarregada de cada um deles. Se quisermos centrar-nos apenas na pe\u00e7a, fugindo a leituras eventualmente superficiais das regras do jogo, basta ver como, na primeira sequ\u00eancia, \u00e9 ele quem lidera e ela, de m\u00e3os que ao longo do espect\u00e1culo aprender\u00e3o a libertar-se, segue-o crente de que est\u00e3o em un\u00edssono. Eventualmente na inten\u00e7\u00e3o, mas n\u00e3o na interpreta\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

\n

O problema da expectativa<\/span><\/span><\/strong><\/p>\n

Venhamos de onde viermos, do cinema ou da dan\u00e7a, podemos ser radicais como o\u00a0New York Times<\/span><\/em>, ou radicais como o\u00a0Lib\u00e9ration<\/span><\/em>. Ou podemos tentar encontrar um equil\u00edbrio justo, a meio-termo, provavelmente mais pr\u00f3ximo da pretensa humildade dos int\u00e9rpretes. Os textos escritos por Binoche, e que estiveram na origem da pesquisa s\u00e3o de uma simplicidade desarmante. Demasiado simples, e ing\u00e9nuos, para uma actriz que sabe ser capaz de fazer da mais complexa das palavras uma virtude. Novamente do\u00a0Guardian<\/span><\/em>: “a intelig\u00eancia e a delicadeza que ela transporta para os seus filmes aparece diminu\u00edda no palco. A sua voz parece fr\u00e1gil; perigosamente exposta”. Mas qualquer que seja a escolha, \u00e9 imposs\u00edvel ignorar que nesta hist\u00f3ria de um casal que se perde a recuperar mem\u00f3rias passadas na tentativa de constru\u00e7\u00e3o de um caminho comum (simbolizada pelos caminhos de luz na sequ\u00eancia da casa de banho) h\u00e1 uma extraordin\u00e1ria capacidade de ignorar toda e qualquer posi\u00e7\u00e3o que n\u00e3o seja meramente receptiva e n\u00e3o-interventiva. O que se passa em cena, e o que nos deixam ver, est\u00e1 j\u00e1 previamente definido.<\/span><\/p>\n

H\u00e1 no jogo entre Binoche e Khan uma programa\u00e7\u00e3o consciente que n\u00e3o permite grandes rasgos. Eventualmente uma entoa\u00e7\u00e3o diferente nas palavras, talvez uma maior abertura de movimentos ou dosagem das express\u00f5es faciais, da fixidez dos movimentos, do disfarce dos espa\u00e7os a branco entre o esfor\u00e7o dela e a ced\u00eancia dele. Mas apenas um pouco mais do que o cumprimento de um mapa dramaturgicamente solipsista. E certamente algo que seja mais do que o truque de teatro, j\u00e1 no final, de suspender a actriz na parede sem que saibamos exactamente como. A viol\u00eancia psicol\u00f3gica que o leva a tal decis\u00e3o \u2013 longe da descri\u00e7\u00e3o afectada e melanc\u00f3lica dos encontros que ambos tiveram anteriormente e foram vertidos para texto \u2013 deveria ser o ponto de partida, e n\u00e3o a rarefeita apari\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n

Como \u00e9 apan\u00e1gio das pe\u00e7as de Khan, os v\u00e1rios estados do amor, alegadamente as catorze palavras gregas, transformam-se em momentos de histri\u00f3nica poesia, de exacerbada ret\u00f3rica coreogr\u00e1fica, de luxuriante desperd\u00edcio do fundamental: descobrir, lado a lado, e n\u00e3o um sobrepondo ao outro, as zonas \u00e1speras e menos evidentes do conflito a dois.<\/span><\/p>\n

O problema da expectativa \u2013 e o julgamento que da\u00ed adv\u00e9m \u2013 n\u00e3o est\u00e1 no cumprimento, ou n\u00e3o, da fasquia colocada pelos espectadores, certamente fascinados (e fetichistas). Est\u00e1 naquilo que eles pr\u00f3prios j\u00e1 fizeram e defendem para si. Porque, no final,\u00a0In-I<\/span><\/em>, que significa “o que est\u00e1 dentro de n\u00f3s”, carece de uma solidez criativa para poder ser, como sugeriu a actriz em entrevista, “t\u00e3o simples e t\u00e3o complexo quanto isso”.<\/span><\/p>\n

\n

\n

In-i apresentou-se de 19 a 29 de Novembro no Th\u00e9\u00e2tre de la Ville.<\/span><\/em><\/p>\n

Vers\u00e3o integral do texto publicado no jornal P\u00fablico a 8 de Dezembro 2008.<\/span><\/strong><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Do encontro entre a actriz francesa Juliette Binoche e o bailarino e core\u00f3grafo do Bangladesh radicado em Inglaterra Akram Khan nasceu In-I, uma pe\u00e7a sobre o amor. Mas n\u00e3o se pode dizer que tenha nascido um espect\u00e1culo.<\/p>\n","protected":false},"author":98,"featured_media":9515,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_mi_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[31,49],"tags":[3048,3047,3049],"yoast_head":"\nO capricho das estrelas -<\/title>\n<meta name=\"robots\" content=\"index, follow, max-snippet:-1, max-image-preview:large, max-video-preview:-1\" \/>\n<link rel=\"canonical\" href=\"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/\" \/>\n<meta property=\"og:locale\" content=\"pt_BR\" \/>\n<meta property=\"og:type\" content=\"article\" \/>\n<meta property=\"og:title\" content=\"O capricho das estrelas -\" \/>\n<meta property=\"og:description\" content=\"Do encontro entre a actriz francesa Juliette Binoche e o bailarino e core\u00f3grafo do Bangladesh radicado em Inglaterra Akram Khan nasceu In-I, uma pe\u00e7a sobre o amor. Mas n\u00e3o se pode dizer que tenha nascido um espect\u00e1culo.\" \/>\n<meta property=\"og:url\" content=\"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/\" \/>\n<meta property=\"article:publisher\" content=\"http:\/\/www.facebook.com\/idanca.net\" \/>\n<meta property=\"article:published_time\" content=\"2008-12-09T15:20:46+00:00\" \/>\n<meta property=\"article:modified_time\" content=\"2008-12-10T16:38:23+00:00\" \/>\n<meta property=\"og:image\" content=\"https:\/\/idanca.net\/wp-content\/uploads\/2008\/12\/in-i_3.jpg\" \/>\n\t<meta property=\"og:image:width\" content=\"627\" \/>\n\t<meta property=\"og:image:height\" content=\"407\" \/>\n\t<meta property=\"og:image:type\" content=\"image\/jpeg\" \/>\n<meta name=\"author\" content=\"Tiago Bartolomeu Costa\" \/>\n<meta name=\"twitter:label1\" content=\"Escrito por\" \/>\n\t<meta name=\"twitter:data1\" content=\"Tiago Bartolomeu Costa\" \/>\n\t<meta name=\"twitter:label2\" content=\"Est. tempo de leitura\" \/>\n\t<meta name=\"twitter:data2\" content=\"15 minutos\" \/>\n<script type=\"application\/ld+json\" class=\"yoast-schema-graph\">{\"@context\":\"https:\/\/schema.org\",\"@graph\":[{\"@type\":\"WebPage\",\"@id\":\"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/\",\"url\":\"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/\",\"name\":\"O capricho das estrelas -\",\"isPartOf\":{\"@id\":\"https:\/\/idanca.net\/#website\"},\"datePublished\":\"2008-12-09T15:20:46+00:00\",\"dateModified\":\"2008-12-10T16:38:23+00:00\",\"author\":{\"@id\":\"https:\/\/idanca.net\/#\/schema\/person\/125470cf0c95d6222d4c904951e5987e\"},\"breadcrumb\":{\"@id\":\"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/#breadcrumb\"},\"inLanguage\":\"pt-BR\",\"potentialAction\":[{\"@type\":\"ReadAction\",\"target\":[\"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/\"]}]},{\"@type\":\"BreadcrumbList\",\"@id\":\"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/#breadcrumb\",\"itemListElement\":[{\"@type\":\"ListItem\",\"position\":1,\"name\":\"Home\",\"item\":\"https:\/\/idanca.net\/\"},{\"@type\":\"ListItem\",\"position\":2,\"name\":\"O capricho das estrelas\"}]},{\"@type\":\"WebSite\",\"@id\":\"https:\/\/idanca.net\/#website\",\"url\":\"https:\/\/idanca.net\/\",\"name\":\"\",\"description\":\"portal de not\u00edcias sobre dan\u00e7a brasileira e internacional\",\"potentialAction\":[{\"@type\":\"SearchAction\",\"target\":{\"@type\":\"EntryPoint\",\"urlTemplate\":\"https:\/\/idanca.net\/?s={search_term_string}\"},\"query-input\":\"required name=search_term_string\"}],\"inLanguage\":\"pt-BR\"},{\"@type\":\"Person\",\"@id\":\"https:\/\/idanca.net\/#\/schema\/person\/125470cf0c95d6222d4c904951e5987e\",\"name\":\"Tiago Bartolomeu Costa\",\"image\":{\"@type\":\"ImageObject\",\"inLanguage\":\"pt-BR\",\"@id\":\"https:\/\/idanca.net\/#\/schema\/person\/image\/\",\"url\":\"https:\/\/secure.gravatar.com\/avatar\/9e0644e59b1a1939c8af83c88df0192b?s=96&d=mm&r=g\",\"contentUrl\":\"https:\/\/secure.gravatar.com\/avatar\/9e0644e59b1a1939c8af83c88df0192b?s=96&d=mm&r=g\",\"caption\":\"Tiago Bartolomeu Costa\"},\"description\":\"foi criador do site portugu\u00eas sobre artes c\u00eanicas O melhor anjo e da revista Obscena (www.revistaobscena.com). Escreve para revistas como BalletTanz e Mouvement e para o jornal portugu\u00eas P\u00fablico. Tiago Bartolomeu Costa created the portuguese weblog O Melhor Anjo, about performing arts and the Obscena Magazine. Also contributes to magazines BalletTanz and Mouvement and the portuguese newspaper P\u00fablico.\",\"sameAs\":[\"http:\/\/www.revistaobscena.com\"],\"url\":\"https:\/\/idanca.net\/author\/tiagob\/\"}]}<\/script>\n<!-- \/ Yoast SEO plugin. -->","yoast_head_json":{"title":"O capricho das estrelas -","robots":{"index":"index","follow":"follow","max-snippet":"max-snippet:-1","max-image-preview":"max-image-preview:large","max-video-preview":"max-video-preview:-1"},"canonical":"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/","og_locale":"pt_BR","og_type":"article","og_title":"O capricho das estrelas -","og_description":"Do encontro entre a actriz francesa Juliette Binoche e o bailarino e core\u00f3grafo do Bangladesh radicado em Inglaterra Akram Khan nasceu In-I, uma pe\u00e7a sobre o amor. Mas n\u00e3o se pode dizer que tenha nascido um espect\u00e1culo.","og_url":"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/","article_publisher":"http:\/\/www.facebook.com\/idanca.net","article_published_time":"2008-12-09T15:20:46+00:00","article_modified_time":"2008-12-10T16:38:23+00:00","og_image":[{"width":627,"height":407,"url":"https:\/\/idanca.net\/wp-content\/uploads\/2008\/12\/in-i_3.jpg","type":"image\/jpeg"}],"author":"Tiago Bartolomeu Costa","twitter_misc":{"Escrito por":"Tiago Bartolomeu Costa","Est. tempo de leitura":"15 minutos"},"schema":{"@context":"https:\/\/schema.org","@graph":[{"@type":"WebPage","@id":"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/","url":"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/","name":"O capricho das estrelas -","isPartOf":{"@id":"https:\/\/idanca.net\/#website"},"datePublished":"2008-12-09T15:20:46+00:00","dateModified":"2008-12-10T16:38:23+00:00","author":{"@id":"https:\/\/idanca.net\/#\/schema\/person\/125470cf0c95d6222d4c904951e5987e"},"breadcrumb":{"@id":"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/#breadcrumb"},"inLanguage":"pt-BR","potentialAction":[{"@type":"ReadAction","target":["https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/"]}]},{"@type":"BreadcrumbList","@id":"https:\/\/idanca.net\/o-capricho-das-estrelas-2\/#breadcrumb","itemListElement":[{"@type":"ListItem","position":1,"name":"Home","item":"https:\/\/idanca.net\/"},{"@type":"ListItem","position":2,"name":"O capricho das estrelas"}]},{"@type":"WebSite","@id":"https:\/\/idanca.net\/#website","url":"https:\/\/idanca.net\/","name":"","description":"portal de not\u00edcias sobre dan\u00e7a brasileira e internacional","potentialAction":[{"@type":"SearchAction","target":{"@type":"EntryPoint","urlTemplate":"https:\/\/idanca.net\/?s={search_term_string}"},"query-input":"required name=search_term_string"}],"inLanguage":"pt-BR"},{"@type":"Person","@id":"https:\/\/idanca.net\/#\/schema\/person\/125470cf0c95d6222d4c904951e5987e","name":"Tiago Bartolomeu Costa","image":{"@type":"ImageObject","inLanguage":"pt-BR","@id":"https:\/\/idanca.net\/#\/schema\/person\/image\/","url":"https:\/\/secure.gravatar.com\/avatar\/9e0644e59b1a1939c8af83c88df0192b?s=96&d=mm&r=g","contentUrl":"https:\/\/secure.gravatar.com\/avatar\/9e0644e59b1a1939c8af83c88df0192b?s=96&d=mm&r=g","caption":"Tiago Bartolomeu Costa"},"description":"foi criador do site portugu\u00eas sobre artes c\u00eanicas O melhor anjo e da revista Obscena (www.revistaobscena.com). Escreve para revistas como BalletTanz e Mouvement e para o jornal portugu\u00eas P\u00fablico. Tiago Bartolomeu Costa created the portuguese weblog O Melhor Anjo, about performing arts and the Obscena Magazine. Also contributes to magazines BalletTanz and Mouvement and the portuguese newspaper P\u00fablico.","sameAs":["http:\/\/www.revistaobscena.com"],"url":"https:\/\/idanca.net\/author\/tiagob\/"}]}},"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/9493"}],"collection":[{"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/98"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=9493"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/9493\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/media\/9515"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=9493"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=9493"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/idanca.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=9493"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}