Dança também é programa para a criançada

Nada de histórias pré-concebidas e com moral no fim como Chapeuzinho Vermelho ou Os três porquinhos. No mundo contemporâneo e repleto de estímulos em que vivemos, as crianças se encantam mesmo é com as cores, luzes e movimentos. Nesse contexto artistas e companhias de dança contemporânea vêm investindo na criação de espetáculos voltados especialmente para crianças, jovens e, às vezes, até bebês.

“Tinha vontade de criar um espetáculo infantil há muito tempo, mas sentia um pouco de receio dos bailarinos. Eu não queria uma história pronta, queria algo diferente do que eu estava acostumada a ver, mas não sabia o quê”, lembra Marisa Monadjemi, diretora da Meia-Ponta Cia. de Dança, de Minas Gerais, que criou De esconder para lembrar (foto abaixo) para o público infantil.

O trabalho é um jogo feito de histórias, desafios, medos e cantigas, que acabam se tornando memórias escondidas nos adultos. O mosaico de lembranças foi montado a partir de experiências dos próprios intérpretes com a supervisão de Denise Stutz, além de uma equipe que reunia psicólogos e pedagogos.  Um dos seus trunfos é a interatividade. Durante o espetáculo, os adultos são chamados ao palco, numa interessante troca de papeis (já que normalmente as crianças é que ocupam esse lugar nas peças destinadas a elas). “Não há dificuldade em se criar um trabalho de para crianças. Existe um tabu de que a dança contemporânea é voltada para um público específico, intelectualizado, ficamos receosos, mas deu tudo certo”, comemora Marisa, que em suas oficinas pelo Brasil insere elementos de pilates e técnica Alexander nos exercícios para os pequenos.

A Cia. Noz de Teatro e Dança também aposta no lúdico em seus trabalhos, voltados principalmente para crianças a partir de um ano. “É uma forma de trazer as crianças bem pequenas ao teatro. Normalmente, o público infantil é contabilizado a partir dos três anos de idade”, analisa Anie Welter, diretora da companhia. Anie coloca em prática na companhia a mistura de linguagens que a acompanhou durante os 12 anos em que esteve no Grupo XPTO.

Em seu segundo espetáculo, 100 + nem menos, o grupo explora a animação de objetos, linhas coloridas que formam bonecos, técnicas de teatro e dança para colocar os pequenos em contato com o mundo dos números e do desenho. A trilha sonora é cantada ao vivo. “Trabalhamos de forma bem diferente, não pegamos uma história pronta. Elegemos um material para trabalhar e vamos criando os objetos. Neste espetáculo, o tema são os números, os princípios da matemática…”, esclarece Anie. Além de explorar de forma criativa os objetos, neste trabalho, a Noz incentiva a imaginação das crianças a partir de elementos da Arte Naïf, dos desenhos de Paul Klee e de Joan Miró.

De esconder para lembrar / Foto: Cuia Guimarães

De esconder para lembrar / Foto: Cuia Guimarães

Ajudar na formação de público também é uma preocupação recorrente dos artistas que trabalham com a criação de espetáculos infantis. Caso do Núcleo Viladança, da Bahia, que criou Da ponta da língua à ponta do pé há cinco anos. “O espetáculo surgiu de uma observação minha sobre a plateia de dança. Fala-se muito nisso, mas precisamos entender de fato o que significa. Infelizmente, vejo que a plateia de dança é formada na maioria por adultos e especialmente artistas. Público de crianças normalmente é em festivais ou resultados de academias de dança”, analisa Cristina Castro, diretora e coreógrafa da companhia.

Levando em conta essas observações, Da ponta da língua à ponta do pé parte justamente da falta de conhecimento de um garoto (Zé) sobre a dança para contar a história dele e de Isadora, uma bailarina. Para Cristina, a criança de hoje precisa de estímulos visuais para se manter atenta. Por isso, o trabalho aposta numa linguagem simples e dinâmica. “Lidamos com uma plateia exigente. A criança é sincera, se não gosta, se distrai, critica. É um grande desafio para os criadores, uma revolução”, admite.

E comprovando que, sim, é possível fazer dança contemporânea para as crianças, alguns festivais já reservam uma parte de sua programação exclusivamente para os pequenos, caso do Fidinho e o Panoraminha – respectivamente as programações infantis do FID (Belo Horizonte) e do Panorama de Dança (Rio de Janeiro). “O Panoraminha ganhou força em 2008 com nosso projeto de formação de público. Foi uma opção de investir mais em público infantil e adolescente e também de espalhar mais espetáculos pela cidade. Através da dança, as crianças podem entrar em contato com outras formas de expressão estética”, justifica o diretor do festival Panorama de Dança, Eduardo Bonito.

100 + nem menos está em cartaz no Teatro João Caetano (Rua Borges Lagoa 650, Vila Clementino, São Paulo. Telefone: 11 5549-1744) até 29 de novembro. Sábados e domingos, às 16h. O Da ponta da língua à ponta do pé será apresentado no Festival Cena Baiana / Ceará nesta sexta-feira, sábado e domingo (9, 10 e 11/10), com entrada franca.

O idança quer saber: Já levou alguma criança para assistir a um espetáculo de dança contemporânea infantil? Qual foi a reação dela?